O desenho da tributação brasileira produz reduções mais significativas da renda ou do poder de compra das famílias chefiadas por pessoas negras e por mulheres.
A conclusão é do estudo “O papel da política fiscal no enfrentamento da desigualdade de gênero e raça no Brasil”, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisa os efeitos distributivos da política fiscal brasileira ao integrar as perspectivas de gênero, raça e renda, com base nos dados da versão mais recente da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), que abrange os anos de 2017 e 2018.
O estudo aponta que a população negra é mais penalizada pelo sistema tributário brasileiro graças à predominância da tributação indireta e a seu caráter regressivo. Embora a tributação direta tenha característica progressiva e afete mais os homens e a população branca, sua importância reduzida para a arrecadação não é capaz de mitigar a concentração gerada pela tributação indireta.
A análise mostra detalhadamente o impacto dos impostos diretos (sobre renda e patrimônio), dos indiretos (vinculados ao consumo) e das transferências. Em particular, foram consideradas as incidências tributárias e a participação das transferências por estratos de renda, desagregando o 1% mais rico captado pela POF.
Em relação ao 1% mais rico, há redução da progressividade da tributação direta entre os homens brancos, o que não ocorre entre os homens negros. Uma explicação decorre da natureza da renda do topo apropriada por essas categorias: enquanto os últimos são majoritariamente remunerados pelo trabalho, os primeiros têm seus rendimentos associados ao capital.
Embora o estudo evidencie as distorções do sistema tributário brasileiro ao penalizar os negros, os pesquisadores ponderam não ter encontrado evidências diretas de um viés racista e sexista nele. Eles avaliam a existência de indícios de que a organização do sistema, por um lado, é pouco sensível aos mais pobres, por causa da baixa progressividade dos tributos, e, por outro, não leva em consideração o perfil de consumo das mulheres. Por isso, o sistema tributário torna-se regressivo e daí surgem vieses racista e sexista.
O estudo sugere a ampliação de políticas assistenciais como forma de aumentar a potencialidade das transferências para mulheres negras e homens negros. Além disso, a preservação de subsídios às aposentadorias por idade e de agricultores familiares teria papel importante para um reequilíbrio.
Quanto aos tributos indiretos, o estudo defende a redução relativa de sua importância em relação à renda e argumenta que políticas de renda são fundamentais para reduzir a vulnerabilidade dos mais pobres, por meio da ampliação do espaço orçamentário e evitando que o consumo absorva toda a renda.