Pela primeira vez, o Brasil passa a contar com dados censitários sobre a população quilombola do país. O Censo de 2022 mostra que o Nordeste concentra a maior parte dessa população (68,1%) e que é a segunda região do país com menos quilombolas nos territórios delimitados, apenas 9,87%. Ou seja, a cada 10 quilombolas, apenas um vive em área oficialmente quilombola.
A Agência Tatu analisou os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 905.415 quilombolas dos estados nordestinos, apenas 89.350 vivem nos territórios quilombolas e 816.065, correspondente a 90,13%, se autodecalaram ao IBGE como quilombolas, mas que estão fora das terras delimitadas do grupo étnico.
O Nordeste lidera em números da população quilombola. A região é responsável por 68,1% dos quilombolas no Brasil, seguido do Sudeste (13,7%), Norte (12,5%) e Sul (2,1%). Só a Bahia e o Maranhão concentram a metade da população quilombola no país, sendo os dois estados com maior quantidade de quilombolas.
Por outro lado, a região é a segunda do Brasil com menor número de quilombolas nos territórios oficialmente delimitados (9,8%), ficando abaixo da média nacional que é de 12,6%. Neste aspecto, o Nordeste fica atrás apenas do Sudeste, que dos 167.509 quilombolas recenseados, apenas 8,12% vivem nos territórios.
Entre os estados nordestinos, Alagoas é o que menos tem quilombolas nos territórios delimitados. Das 37.722 pessoas quilombolas entrevistadas, apenas 691 (1,8%) vivem nessas localidades. Já Sergipe, é o estado que mais concentra quilombolas nos seus próprios territórios, 45,2% deles.
Migração de quilombolas
Rafael de Moura Silva, 27, é natural da comunidade Jussarinha, localizada no município de Santana do Mundaú (AL), mas está há 7 anos em Carmo do Cajuru (MG). O motivo foi a falta de trabalho para o jovem, já que a agricultura familiar – da qual sobrevive a família – limitaria a vida profissional e o próprio sustento. Com ele, mais três irmãs moram na cidade mineira. A mais velha está há 12 anos e foi quem acolheu o irmão caçula.
“Eu saí da comunidade quilombola, porque infelizmente a gente tem que caçar melhorias de vida. Saí de lá apenas com o dinheiro da passagem que minha irmã me deu. Foi doloroso sair do convívio do lugar onde nasci e me criei, mas precisamos estar onde podemos ter uma vida melhor. Conheço várias pessoas que são da comunidade quilombola, mas que também estão distante de lá”, pontua Rafael.
Apesar de não estar em território quilombola, o alagoano faz questão de se autodeclarar quilombola e sonha em retornar o quanto antes à Jussarinha. “Pretendo voltar, porque o lugar onde a gente nasce, a gente não deixa para trás. Enquanto isso, onde eu estiver, a minha origem vai estar comigo”, enfatiza.
Políticas públicas para quilombolas
O cientista social e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Vagner Gomes Bijagó, reconhece que a realidade do Rafael acomete todas as comunidades tradicionais, tendo em vista o movimento para localidades mais desenvolvidas, mas que no caso dos quilombolas a situação “se torna ainda mais dramática em decorrência da ausência histórica do Estado”.
A solução, para o especialista, deve estar na construção de políticas públicas a partir da voz dos próprios quilombolas: “Os territórios quilombolas não devem ser compreendidos como tão somente um lugar de carências. As políticas públicas são de fundamental importância, mas deve se assentar na realidade local dos quilombolas. Ou seja, uma construção de baixo para cima no enfrentamento das demandas mais urgentes, como titulação de suas terras, educação, saúde, emprego, saneamento e segurança alimentar”.
Sobre a inclusão da população quilombola pela primeira vez no Censo do IBGE, Bijagó destaca que a medida representa o acolhimento das reivindicações históricas do Movimento Social Negro, mas que é preciso muito mais. “O simples fato de se incluir a população quilombola no censo, não significa uma reparação. A ausência contínua do Estado brasileiro evidencia a dificuldade de reconhecimento dessas comunidades. Se os dados resultarem em políticas públicas fecundas, aí sim, estaremos diante de uma política de reparação”, acrescenta.