Comportamento

Colocar bens no nome de parentes para fugir da divisão durante o divórcio é fraude!

Veja o que o advogado André Andrade fala sobre o caso

Foto: Divulgação
André Andrade

Ganhou as manchetes de todo o mundo o caso do lateral-direito Achraf Hakimi, do Paris Saint-Germain, investigado por estupro, e agora acusado de tentar  "driblar" sua ex-mulher no processo de divórcio. A modelo espanhola Hiba Abouk pediu no processo metade dos bens do jogador, mas descobriu na Justiça que boa parte do patrimônio está no nome da ex-sogra.

O que acontece num caso como este?

O advogado André Andrade, sócio proprietário do André Andrade Advocacia & Consultoria, escritório especializado no Direito das Famílias, Sucessões e Planejamento Sucessório, afirma que o que Achraf Hakimi fez é fraude ao regime de bens!

“Infelizmente esse tipo de situação acontece, na prática, não só com pessoas muito ricas. Nessas situações é importante se conseguir mostrar que o patrimônio que foi posto em nome de um “laranja” na realidade foi adquirido por aquela pessoa. Os meios de provas são os mais diversos e o quanto mais se conseguir demonstrar através de transferências bancárias, contatos por whatsapp, provas de quem realmente utiliza o bem, ou demonstrações claras que aquele patrimônio não teria como ser adquirido pelo “laranja”, mais fácil será para que o juiz consiga incluir esses bens que são efetivamente do casal, dentro dos que serão partilhados entre eles”, afirma o advogado.

A pergunta que fica é: isso pode acontecer aqui no Brasil?

“Se o casal vivia em regime de comunhão parcial ou comunhão total de bens, não é permitido esse tipo de situação. O regime de comunhão parcial é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, salvo se os cônjuges estipularem por meio de contrato outro regime para a relação (art. 1.640 do Código Civil) e o mesmo é aplicado para as relações de união estável (art. 1.725 do Código Civil). Neste regime, o patrimônio que for adquirido após a constituição do casamento ou da união estável deverá ser, em caso de separação, partilhado entre o casal na proporção de metade para cada ex-cônjuge”, afirma André Andrade.

“Se o regime adotado pelos cônjuges for o de comunhão total dos bens, também não é possível ocorrer a situação mencionada. Isto porque, no regime de comunhão total, todos os bens do casal se comunicam, sejam adquiridos antes ou depois da constituição do casamento ou da união estável, devendo ser partilhados igualmente. Contudo, se o casal vivia em regime de separação convencional de bens, existe a incomunicabilidade dos bens de cada cônjuge, sejam eles adquiridos antes, na constância ou depois da relação. Assim, os bens dele são unicamente dele e os bens dela são unicamente dela, não existindo partilha entre o casal”, completa o advogado.

No Brasil é fraude!

Acontece que, no caso do jogador Hakimi todos os bens que na realidade são dele estão no nome de sua mãe – até mesmo o salário do jogador, que ultrapassa um milhão de euros por mês, é recebido em parte no nome de sua mãe. No Brasil, essa situação seria considerada fraude ao regime de bens, pois a prestação do serviço no futebol é feita por Hakimi, mas a contraprestação (o salário) é recebida por outra pessoa, neste caso, a mãe do jogador.

Trata-se de uma situação de simulação, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro. A lei define que são nulos os negócios jurídicos que conferem direitos a pessoas diferentes daquelas que, na prática, são as possuidoras desses direitos (art. 167, § 1º, I, do Código Civil). Logo, se o jogador simula que os bens pertencem à sua mãe, mas, na realidade, pertencem a si mesmo, é verificada a simulação e a nulidade do que foi estipulado.

E aqui no Brasil, após toda a comprovação na Justiça, a parte que cometeu a fraude vai ter que obedecer à lei, e dividir os bens de acordo com o que foi acertado no regime de bens do casamento.

Surge, então, uma outra questão: e se ele doou os bens para a mãe?

Ainda assim, a doação seria inválida.

A lei brasileira define que nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, doar bens que integram o patrimônio que possa vir a ser partilhado (art. 1.647, inciso IV, do Código Civil). É o caso de Hakimi: o jogador não poderia doar para sua mãe qualquer bem que, no caso de divórcio, fosse objeto de divisão com a ex-mulher.

Inclusive, o STJ - Superior Tribunal de Justiça possui decisão em caso julgado recentemente (AgInt no REsp 1.937.034/MG). Este Tribunal reforçou o que já está estabelecido em lei, no sentido de que a doação entre mãe/pai e filho/filha é anulável se for feita sem a concordância do cônjuge. Além disso, este cônjuge tem o prazo de dois anos, a contar do término da relação conjugal, para pedir judicialmente que seja declarada inválida a doação realizada sem a sua autorização.

Cabe mencionar que o pivô da separação foi uma denúncia de estupro feita por uma moça contra o jogador, mas essa denúncia e a comprovação ou não de que este estupro ocorreu não influenciam em nada no regime de bens em vigor. O máximo que pode ocorrer, nesse caso, é a ex-mulher do jogador pleitear uma indenização, mas isto deve ser analisado com cuidado e conforme as peculiaridades do caso.

“Em casos dessa natureza, é importante demonstrar a situação que ocorre na prática e não o que constam nos documentos ou no registro do patrimônio. No caso do jogador Hakimi, a comprovação de que se trata de negócio simulado não é difícil, pois é um caso escancarado na mídia e de fáceis registros, mas, em casos menos expostos, é essencial possuir os elementos de provas sobre esse patrimônio”, conclui André Andrade.

@advogadoandreandrade

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