Cinema

O absolutamente surpreendente Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

O filme já caminha para se tornar um clássico instantâneo...

Foto: Divulgação
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Tarefa ingrata essa de escrever sobre “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, um acontecimento que estreou nos cinemas dia 23.06.2022.  Chamo de “acontecimento” porque apenas usar o substantivo “filme” para nomear essa produção chegaria a ser um reducionismo covarde, afinal, o que temos é uma experiência filosófica, engraçada, dramática e de ação para explodir a mente, já que, também, o roteiro parece não ter limites, nem buscar nenhuma coerência, pelo menos não do jeito que estamos acostumados a ver.

O roteiro é fenomenal. De forma bem simplista (até porque eu não saberia resumir todo o roteiro dessa obra, mesmo que tentasse muito), então, a história acompanha Evelyn (Michelle Yeoh, vista quase sempre no cinema descendo o braço nas artes marciais), uma imigrante chinesa dona de uma lavanderia nos Estados Unidos. Ela vive com o marido, sócio do negócio (interpretado por Ke Huy Qua, o garotinho que acompanha Indiana Jones no Templo da Perdição) e com a filha Joy (Stephanie Hsu). Eles estão enrolados com a Receita Federal (personificada por Jamie Lee Curtis como a auditora... fenomenal), com uma festa do pai de Evelyn e com a chegada da namorada de Joy para ser apresentada à família.

Ok, até aí um drama familiar já suficientemente complexo, que muda radicalmente quando a trama passa a explorar rupturas dimensionais, multiversos, referências cinematográficas, artes maciais ... Isso mesmo, em pouco tempo, somos lançados numa história fantástica que extrapola todos os limites de coerência e fórmulas narrativas.

Já vimos algumas produções explorarem realidades alternativas e o multiverso (recentemente quem tentou foi “Dr Estranho no Multiverso da Loucura”) e uma coisa sempre me chamou a atenção: como um tema tão complexo pode ser contado dentro de uma coerência narrativa tradicional?

Parece que estamos diante de uma história que apenas arranha a superfície do que poderia ter sido um estudo bem mais amplo. Aqui, os diretores  Daniel Kwan, Daniel Scheinert (que já demonstraram ter um parafuso a menos com o filme “Um Cadáver para Sobreviver”, disponível no HBO Max) extrapolam qualquer linha narrativa que deixaria o filme mais redondinho... eles levam o conceito ao limite do inteligível e a gente que lute para acompanhar. Eu só lembro de ter visto algo parecido com a anárquica série de animação “Rick and Morty” (HBO Max).

Além das reflexões filosóficas e dos conceitos super abstratos, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” tem muito a oferecer. As coreografias das lutas são incríveis, com destaque para Michele Yeoh que, com 59 anos, demonstra vigor invejável. A montagem (alucinadamente ágil) impressiona e consegue fazer a “viagem” do filme de forma inteligente e prática. E um outro trunfo que é um show à parte: O humor do filme. O absurdo e a galhofa apresentados são de rachar de rir, correndo o risco de quase perder um pouco o tom do filme, mas só quase, já que ir de um extremo a outro, seja no tom ou tema, é coisa comum durante a projeção.

O filme já caminha para se tornar um clássico instantâneo, pela repercussão nas redes e sucesso de público e crítica. Além disso, está sendo bem-visto tanto nos circuitos alternativos como nos mais comerciais, demonstrando que não é um filme de nicho, e sim uma grande obra inovadora, provocadora, inteligente e divertida.

Mas nem tudo é tão complexo assim, existem mensagens bem claras de se absorver assistindo à essa perola. Cada mini decisão que se toma na vida abre caminhos diferentes e todas as outras possibilidades se tornam diferentes realidades e, assim, as camadas do multiverso vão se formando.

Interessante perceber- ou sentir- que as discussões sobre o multiverso estão também (ou exclusivamente) dentro da cabeça da gente: a vontade de encontrar propósito, a indecisão perante as grandes escolhas da vida, a satisfação com a carreira, o enfrentamento com a família, os dramas pessoais como sucesso financeiro ou a própria sexualidade, o arrependimento com os caminhos escolhidos e o pensamento cortante que deve perseguir muita gente... “e se eu tivesse feito diferente?”. Esse filme discute, acolhe, abraça, joga para cima e contorce esse pensamento e pede para que você olhe para a própria vida e perceba, em meio a tanta loucura, com quem você gostaria de estar no fim de tudo... o que te faz feliz de verdade?