Gina Marocci

Santo Antônio já foi Fernando e sofre para arranjar casamento

Há simpatia de todo jeito

O mês de junho começa com muita alegria nos países de língua portuguesa, ou que foram colonizados por Portugal, pois é um período de festa e devoção dos católicos a Antônio, João Batista, Pedro e Paulo (que são comemorados juntos no dia 29). São as festas juninas, que iluminam os arraiais por todo o Nordeste!
 
Quem abre os festejos é Santo Antônio, frade franciscano, contemporâneo de São Francisco de Assis.

Ele foi batizado como Fernando e nasceu em Lisboa, possivelmente em 1195, em uma família que tinha boa condição financeira.

Ingressou ainda adolescente na Ordem dos Regrantes de Santo Agostinho do Mosteiro de São Vicente de Fora, depois, no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, centro intelectual de Portugal na época, onde concluiu sua formação.

Naquela cidade, em 1217, teve o primeiro contato com frades franciscanos e acabou seguindo-os em missões no norte da África.

Em 1221 conheceu Francisco em Assis, que o enviou a missões em outras cidades italianas. Morreu em Pádua, na Itália, em 13 de junho de 1231.

A iconografia de Santo Antônio o representa com o hábito franciscano, a tonsura (corte do cabelo), lírios (que representam a castidade), um livro (o Evangelho) e o Menino Jesus nos braços, como referência a um dos milagres do taumaturgo.

A devoção a Santo Antônio está presente em igrejas e capelas em todo o mundo e, também, em residências, das mais simples às suntuosas. Imagens, pinturas e azulejos o retratam, e do dia 1 ao dia 13 de junho a famosa trezena enche as igrejas e casas com cânticos, bandeiras, pequenos e coloridos altares, principalmente no Nordeste do Brasil.

O santinho querido é invocado no Brasil e em Portugal para encontrar um bom marido, na Itália e na Índia as preces são para pedir filhos.

A Trezena é a forma característica da devoção e acontece, não apenas nos países mencionados, mas, também, no Sri Lanka, no Timor e em Macau (região administrativa especial da República Popular da China desde 1999).

Para conseguir um bom casamento, o pobre santinho sofre. Há simpatia de todo jeito, mas as três mais conhecidas são: colocar o santo de cabeça para baixo em um copo com água e deixá-lo assim até conseguir um namorado (ô coitado!); a outra é tirar o Menino Jesus dos braços dele e só devolvê-lo quando aparecer um bom namorado; e mais uma, dar um gelo no santinho colocando-o no congelador.

É comum colocar pequeninas imagens de Santo Antônio dentro do bolo e a mulher que receber a fatia com uma delas irá se casar logo.

E as frases bem-humoradas são muitas, tanto em Portugal quanto no Brasil.

Para exemplificar eu reproduzo duas, a primeira é nossa: "Pedi um namorado pra Santo Antônio, mas quem me ouviu foi São Jorge. Só aparece dragão!".

A segunda é lusitana: "Socorro, meu Santo Antônio, faz-me achar a minha agenda, com o celular do Tônio, antes que a uma outra ele atenda..."

Padroeiro de Lisboa, os dias principais da sua festa são 12 e 13 de junho, no entanto as festas acontecem em todo o Portugal.

Além da Trezena e das manifestações religiosas, há o espaço da festa popular.

Na capital, restaurantes preparam um cardápio típico composto por sardinha assada, bifana (bife de porco), arroz doce, caldo verde e, para beber, cerveja, vinho e ginjinha, um licor obtido com a maceração da ginja, uma frutinha similar à cereja.

Os moradores dos bairros mais antigos, como Alfama, Mouraria e Graça, preparam petiscos, sardinhas assadas e bebidas para ofertar aos visitantes, que lotam as ruas enfeitadas com bandeirolas coloridas.

Os altares com santinho, que são chamados de tronos por lá, são colocados na rua. 

Há também um desfile na Avenida da Liberdade, com coreografias e marchinhas das agremiações dos bairros da cidade. No dia 13 de junho acontece a procissão que sai da igreja de santo Antônio até a Catedral. 


Santo Antônio de Pádua: vitral - Foto: Claudio Beck/Flickr/Creative Commons

A nossa devoção ao querido Antônio é repleta de traços portugueses, mas para nós ficou mais característico da sua devoção a Trezena cantada nas igrejas e nas casas.

Ainda é comum nas casas de Salvador a montagem dos altares, geralmente enfeitados com flores coloridas de papel crepom, e o estandarte preso na parede. Os comes e bebes não podem faltar. Bolos sortidos, amendoim cozido, tudo regado com um bom licor, de jenipapo ou de outra fruta, não importa! 

Chamado de pai dos pobres, na sua festa também é distribuído o pãozinho para colocar na farinha e garantir a fartura do alimento nas casas pelo ano todo. Também são comuns, em Salvador, as famosas terças-feiras da bênção de Santo Antônio, que reúnem muitos fieis na igreja dos capuchinhos (Piedade), dos franciscanos (no centro histórico) e em Santo Antônio Além do Carmo.

Após as missas há sempre a distribuição de pães, mas à noite a festa é pelas ruas do Pelourinho até o Santo Antônio, tudo no mais perfeito sincretismo religioso. 

Antônio foi padroeiro de Salvador entre o final do século XVI e o século XVII, pois livrou a cidade do ataque de franceses. Ele é, também, o protetor dos militares e tem uma patente de tenente-coronel concedida por decreto imperial. A Trezena que é realizada no Forte de Santo Antônio da Barra segue a tradição dos antigos faroleiros que nele moraram. 

O nosso santinho de língua afiada e autor de belos sermões, que ajudaram a converter milhares de pessoas pelo mundo, é muito amado e tema de poesias, trovas e cantigas, mas encerro o meu texto com versos portugueses que declaram o amor a ele: "Não precisa de altar. O nosso Santo Antoninho. No coração pode ficar. Fazer dele o seu cantinho!"