Opinião

Ano internacional do vidro

Um dos mais incríveis materiais já elaborados pela humanidade

A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu 2022 como o Ano Internacional do Vidro: www.iyog2022.org. Esta data especial celebra um dos mais antigos, comuns, versáteis e incríveis materiais já elaborados pela humanidade, e que ainda persiste em contínua evolução. Suas principais características, de transparência e fragilidade, não mais o definem atualmente, pois há diversas, robustas e curiosas aplicações dos vidros no dia a dia que chegam a ser surpreendentes, como finíssimas telas de computadores e smartphones com espessura de um fio de cabelo – e ainda assim, algo resistentes a impactos (embora não exista nada inquebrável).

Talvez não seja tão notável sua importância por estarmos muito acostumados a enxergar o mundo por meio deles, seja através de janelas ou ainda por óculos. Na verdade, vidros existem desde antes da humanidade. Na natureza, são conhecidos como obsidianas. Alguns antepassados, há milhares de anos, perceberam qualidades que permitiam por exemplo cortar e furar, surgindo então as primeiras pontas de lanças e facas.

Desde então, a vida contemporânea exigiu a presença de objetos à base de vidros. Os primeiros óculos foram elaborados ao menos desde o século XIII. Muito antes disto percebeu-se que diversos alimentos e bebidas como água, vinho e mesmo óleos eram bem preservados em vasilhames vítreos. Não à toa, muitos medicamentos são preservados em vasilhames de vidro dada sua característica inerte. E pode-se citar, sem medo de errar, que as primeiras e principais conquistas científicas exigiram em algum grau sua participação, sendo possível entre elas citar o telescópio e o microscópio, instrumentos que revelam universos do incrivelmente grande, como planetas, estrelas e galáxias, bem como o mundo extremamente pequeno das bactérias e vírus.

Fibras óticas feitas de vidros percorrem milhares de quilômetros para permitir a comunicação humana. Tecnologia similar com base em tais fibras é usada em cirurgias, que se tornaram minimamente invasivas nas últimas décadas e com diagnósticos mais seguros. Por sinal, biovidros, concebidos desde 1971, são excelentes materiais que podem substituir pequenos ossos do corpo humano sem rejeição. Fibras de vidro são reconhecidos isolantes térmicos produzidos na forma de mantas de diversos tamanhos. Materiais radioativos, extremamente necessários para tratamentos oncológicos, são descartados cuidadosamente e de modo mais seguro quando adicionados a matrizes vítreas. Cacos de vidros sob determinados tratamentos físico-químicos são utilizados em alguns sistemas de purificação de água em grandes reservatórios, auxiliando por exemplo na remoção de metais pesados, matéria orgânica e microplásticos indesejados.  

Por ser o único material que pode ser reciclado indefinidamente, o vidro merece destaque na vida contemporânea. Na Europa, 3 entre 4 vasilhames são reciclados, mas este número ainda é baixo no Brasil, um dos maiores produtores do planeta. Desde 1953 foi desenvolvida a patente que permitiu elaborar vidros enormes, de muitos metros, para aplicações tão diversas como em para-brisas ou engenharia civil e arquitetura, denominados vidros float. Pelo menos desde 2003 existem vidros denominados autolimpantes, pois basta uma mera chuva para que partículas de poeira sejam eliminadas da superfície de janelas. Células solares cada vez mais potentes e eficientes com superfícies vítreas estão sendo desenvolvidas para transformar luz em energia elétrica. Uma vantagem econômica de tais vidros especiais é que são produzidos em enormes quantidades, ou seja, em termos de massa, mas vendidos em termos de área.

Basicamente, vidros são obtidos pela fusão e resfriamento rápido de diversos materiais, como a areia da praia, também chamada de quartzo, uma das substancias mais abundantes da crosta terrestre. Ao misturá-lo com outros aditivos, como carbonatos de sódio e potássio e depois resfriá-los rapidamente, obtém-se vidro. Outros aditivos podem incrementar com cor, ou ainda torná-los um pouco mais resistentes térmica ou mecanicamente. Sua definição mais recente foi elaborada em 2017 por dois pesquisadores líderes desta área: John Christopher Mauro (c. 1975, cientista da computação americano) e Edgar Dutra Zanotto (n. 1954, engenheiro de materiais brasileiro).

A engenhosidade humana está sempre um passo adiante, a propor novas e diversas aplicações dos materiais vítreos. Centros de pesquisa nacionais como o CERTEV (www.certev.ufscar.br), uma instituição de pesquisa, educação e inovação em vidros da UFSCar, ou ainda o Laboratório de Materiais Vítreos da UFBA (www.lamav.ufba.br) contam com pesquisadores atuantes e engajados em diversas áreas e projetos envolvendo este instigante material, extremamente funcional. Por exemplo, ao se adicionar mais alumínio, boro ou magnésio, pode-se obter um vidro mais resistente térmica ou mecanicamente. Já ao adicionar um tantinho de cromo ou cobalto, pode-se mudar a cor de um vidro de janela do verde para o azul. Um pouquinho de prata pode facilitar a recristalização do mesmo. Já pequeníssimos acréscimos de terras-raras como neodímio ou érbio podem produzir potentes lasers.

Por ser um material sustentável, o vidro está continuamente melhorando a qualidade de vida e o bem estar da humanidade – propósito este de toda a ciência. A Era do Vidro, que permite um mundo de possibilidades brilhantes e transparentes, está só começando!