- Ei, Senhor do Bonfim! Estás me vendo? Aqui, ao pé da ladeira!
- Sim, João. Eu nunca tiro os olhos de ti. 
- Senhor, tem compaixão  de mim.
- Por que tu me pedes compaixão?
- São meus pecados. Sinto um abismo entre mim e Deus.
- Quem te ensinou isso?
- Foi assim que eu assimilei, desde a catequese, nos sermões, nas aparições, lendo vidas de santos, na religião, enfim. Acredito que haja, também, um componente psicológico que não sei bem explicar. 
- Que pena não teres assimilado que Eu Sou o fim do abismo, que eu quebrei a tríade maldita: pecado - culpa - condenação. Assimile os conteúdos dos Evangelhos, estude a teologia do Novo Testamento, é o que  tens de mais próximo e fiel ao que ensinei, fiz e prometi. Lembra-te do que minha Teresinha dizia: Bastam-me os Evangelhos.
- João, o que te traz de tão longe à minha Mansão da Misericórdia? Algum milagre? Algo a ser alcançado? Ou queres que eu saia dessa posição que estou para uma selfie? Olha que tens cara de turista!
- Venho pedir perdão e misericórdia! 
- Que bonito da tua parte. Vejo pouco disso por aqui. Diga-me,  sentes necessidade de te  reconciliar ou apenas de confessar?
- Há diferença?
- Por agora prefiro que penses e respondas por ti mesmo. Por que não sobes logo a ladeira e vens me dar um abraço? Aqui estou sempre de braços abertos.
- É muito difícil, e como o Senhor deve saber eu não sou digno de entrar na tua casa.
- Sei muito bem quem plantou essa desculpa no teu coração. Eu não tirei tua condição de pecador. Eu assumi tua culpa, paguei tua dívida, comprei teu ingresso para o espetáculo da vida plena e eterna. Venha pegar  em vez de ficar te debatendo em culpas, choramingando que não és digno. Lembra-me, quando chegares aqui, para te contar a Parábola do Filho Pródigo; perceberás, então, a diferença entre reconciliar-se e apenas confessar. Queres que eu desça até ti? Não será uma ladeira obstáculo para o nosso encontro.
- Não, não! Sou eu que tenho  de  subir e receber a gratuidade da salvação e  libertação.
- Bem, isso é uma escolha tua. Para mim, o que importa  é  nos encontrarmos, quer seja aqui na colina ou no pé da ladeira. Eu dei tudo por esse encontro. João, estás com pressa?
- Mais ou menos. Por quê?
- Tu só vives apressado.  É rapidinho. Abismo não é distância de espaço ou tempo. Abismo não é a diferença entre o absoluto e o relativo, onipotência e  contingência, o eterno e o temporal. Isto é relação ontológica. O teólogo Leonardo Boff diz que  "entre Deus e a criatura não há separação, mas distinção." Abismo é ruptura, não é distância nem distinção. Abismo é escolha consciente, recusa  da gratuidade do amor de Deus. Abismo é a gota de chuva vinda do oceano que não quer mergulhar de volta nele. 
João, a distância entre ti e meu Pai, Sou Eu. Ei, Joãozinho, acorde. Desculpe o sermão enfadonho. Chegamos em tua casa. Boa noite.