Opinião

O Primeiro Nobel

O primeiro Prêmio Nobel foi entregue em 1901 devido a uma extraordinária descoberta. Numa fria noite de inverno do dia 8 de novembro de 1895, o engenheiro mecânico e físico alemão Wilhelm Conrad Röntgen (1845 - 1923) trabalhava mais uma vez aplicando tensões bastante altas num tubo evacuado que gerava raios catódicos. Até então, nada demais, pois muitos pesquisadores naquela época estudavam a fundo tal equipamento, uma espécie de vovô dos antigos tubos de televisão, chamados também de cinescópios. Ele estava prestes a descobrir algo incrivelmente novo. De forma sucinta, aquela noite passou a ser o início de uma mudança revolucionária na compreensão do mundo em que vivemos.

De fato, desde 1879, muitos cientistas estavam interessados na nova descoberta da então chamada ‘matéria radiante’ (ou “raios catódicos”: que nada mais é que uma corrente de elétrons emitidos por um eletrodo), experiência esta realizada por Sir William Crookes (1832 - 1919), importante químico inglês. Este foi um campo de atividade cientifica de grande interesse para as experimentações à época, e que Röntgen também estava investigando. Precisamente como ou porque Röntgen começou a experimentar tais tubos não é possível saber. Propositadamente, ele adquiriu o equipamento adequado para a investigação de descargas de altas tensões elétricas em tais tubos de vidro denominados Crookes (utilizando para tanto uma tensão muito alta, por volta de 35 kV). No seu laboratório, ele acidentalmente notou que uma substância verde e fluorescente chamada platino-cianeto de bário brilhava misteriosamente somente enquanto ele ligava o equipamento que gerava raios catódicos distanciado de aproximadamente dois metros da bancada.

Após muito pensar no que poderia estar influenciando o brilho de uma substância à distancia (provavelmente depois de se recuperar de um possível susto), refletiu que a situação certamente se devia a alguma interação invisível promovida pelo dispositivo em estudo. Assim, Röntgen especulou que um novo tipo de raios poderia ser responsável por tal efeito, que foi temporariamente chamado de “raios X”, onde X significava simplesmente “desconhecido”. É importante notar que Joseph John Thomson (1856 - 1940) anunciou a descoberta da composição dos raios catódicos enquanto feitos de partículas denominadas elétrons em equipamento similar apenas no ano seguinte (e recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1906 por tal descoberta).

Primeiro como diretor do Instituto de Física de Würzburg, e depois como reitor, a partir da descoberta deixou de lado por um tempo seus deveres para com a universidade e também aos seus alunos. Röntgen simplesmente passou as próximas seis semanas em seu laboratório (professor naquela época não ganhava muito bem, pois morava com a esposa no primeiro andar do prédio do Instituto de Física – que por sinal existe até hoje, e passou a ser um museu), iniciando uma série de experiências de forma bastante sistemática, trabalhando praticamente sozinho, e nada compartilhou com seus colegas, apenas alguns alunos interessados em pesquisa. Por exemplo, ele percebeu que os tais raios, além de invisíveis, não eram desviados por campos magnéticos, e penetravam diversos tipos de materiais (como vidro, papel, madeira, ferro...). Realizou várias tentativas de bloqueio dos raios, e somente conseguiu com uma placa de chumbo. Ele também havia encerrado o tubo de vidro numa cartolina preta. Para sua surpresa, a tinta fluorescente continuou iluminando e brilhando ao ligar tal equipamento. Surpreendentemente, ao experimentar pintar a tinta numa tela, com o tubo ligado e emitindo a tal luz invisível, sua mão por um instante esteve entre o tubo e a tela, e ele pode perceber seus ossos, escrevendo sobre isso depois.

Algumas semanas após a descoberta, ele tomou a primeira imagem, três dias antes de Natal, aplicando os raios X através da mão de sua esposa, Anna Bertha Röntgen (1833 - 1919). Nesta clássica figura é possível notar a presença de dois anéis, incluindo o de casamento (a foto está acessível no endereço www.roentgenmuseum.de).

Escreveu o artigo referente os experimentos realizados durante o Natal. O primeiro artigo cientifico foi publicado no dia 28 de dezembro daquele ano, em tempo recorde, na revista da Sociedade Físico-Médica de Würzburg revelando como produzir os novos raios que poderiam penetrar o interior dos corpos e fotografar seus ossos. O título do trabalho publicado foi: “Sobre uma Nova Espécie de Raios” (Über eine neue Art von Strahlen), onde apresentou uma descrição qualitativa dos experimentos além da produção da nova luz (ou radiação) invisível.

Entre as várias análises e explicações deste excelente trabalho pode ser lida a seguinte frase (na segunda parte): “Hält man die Hand zwischen den Entladungsapparat und den Schirm, so sieht man die dunkleren Schatten der Handknochen in dem nur wenig dunklen Schattenbild der Hand” (se a mão for mantida entre o aparelho de descarga e a tela, vê-se a sombra mais escura dos ossos dentro da sombra ligeiramente escura da própria mão).

Esta descrição única de uma experiência observando os ossos mão teve mais tarde uma incrível influência no desenvolvimento dos novos raios especificamente para aplicações médicas. Poucos anos depois, recebeu o primeiro Prêmio Nobel em Física em 1901 (maiores detalhes no endereço www.nobelprize.org), passando a ser uma figura midiática, somente suplantada tempos depois pelo também laureado com o Prêmio Nobel de Física, o físico alemão Albert Einstein (1879 - 1955). O prêmio foi oficialmente entregue “em reconhecimento pelos extraordinários serviços prestados pela descoberta dos notáveis raios posteriormente nomeados em sua homenagem”.

A particular e recém-descoberta novidade viajou rapidamente por todo o mundo científico, e especificamente através da imprensa iniciou-se uma enxurrada de experimentos em uma infinidade de instituições científicas (ou não). O nome raios X se fixou no imaginário, embora (com grandes objeções do próprio Röntgen) muitos dos seus pares sugeriram chamá-los de raios Röntgen. Eles ainda são referidos como tal em muitas línguas, incluindo alemão, finlandês, russo, japonês, holandês e norueguês. O fato é que muitas pessoas imediatamente reconheceram as implicações médicas de tal nova tecnologia. A aplicação clínica mais precoce e mais óbvia dos raios X foi para a detecção e caracterização de fraturas e luxações.

Como exemplo, no domingo, 5 de janeiro, 1896 o jornal “Die Presse” levou a notícia da descoberta de Röntgen em sua primeira página. Informações sobre os novos raios tinha surgido também no “Daily Chronicle” em 6 de janeiro, e no “The New York Times“ em 16 de janeiro de 1896. A notícia não demorou muito para chegar no Brasil - o Jornal do Commercio de Recife um mês após, publicou a reportagem: “A Photographia atravez dos Corpos Opacos”.

Os raios X são ondas de energia eletromagnética, mas invisíveis. Eles comportam-se da mesma forma que os raios de luz, mas com comprimentos de onda mais curtos - na faixa entre 0,01 a 10 nanômetros - e são, portanto, capazes de penetrar na matéria, pois este intervalo é próximo do tamanho dos átomos. Para quem não concebe a possibilidade de raios invisíveis, basta lembrar que a telefonia celular transmite sinais também a partir de raios “invisíveis”, assim como são as ondas de radio e de TV.

A primeira patente de um tubo de raios X foi publicada em 21 de Março de 1896, apenas três meses depois da descoberta, feita assim em tempo recorde pela empresa Siemens & Halske. Outras patentes foram reivindicadas depois com novos avanços. Röntgen, diferente do que se pode imaginar, não submeteu nenhuma patente para registro de suas descobertas, e mais: doou o dinheiro do seu Prêmio Nobel para a Universidade de Würzburg.

Após mais de uma centena de anos, muitos estudantes, não somente de ciências ou engenharia, ainda desconhecem a história deste homem que descobriu a incrível possibilidade de verdadeiramente enxergar o interior do ser humano.