Educação

Analfabetos no País ainda são 11 milhões (meta era zerar em 2024)

A taxa de analfabetismo no Brasil passou de 6,8%, em 2018, para 6,6%, em 2019

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Eles são incapazes de ler e escrever

São pessoas de 15 anos ou mais que, pelos critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não são capazes de ler e escrever nem ao menos um bilhete simples. 

A taxa de analfabetismo no Brasil passou de 6,8%, em 2018, para 6,6%, em 2019, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Educação. Apesar da queda, que representa cerca de 200 mil pessoas, o Brasil tem ainda 11 milhões de analfabetos. 

Pelo Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 13.005/2014, que estabelece o que deve ser feito para melhorar a educação no país até 2024, desde o ensino infantil até a pós-graduação, o Brasil deve zerar a taxa de analfabetismo até 2024. 

Existem desigualdades raciais e regionais na alfabetização no Brasil - Em relação aos brancos, a taxa de analfabetismo é 3,6% entre aqueles com 15 anos ou mais. No que se refere à população preta e parda, segundo os critérios do IBGE, essa taxa é 8,9%. A diferença aumenta entre aqueles com 60 anos ou mais. Enquanto 9,5% dos brancos não sabem ler ou escrever, entre os pretos e pardos, esse percentual é cerca de três vezes maior: 27,1%. 

As regiões Sul e Sudeste têm as menores taxa de analfabetismo, 3,3% entre os que têm 15 anos ou mais. Na Região Centro-Oeste a taxa é 4,9% e na Região Norte, 7,6%. O Nordeste tem o maior percentual de analfabetos, 13,9%.

Entre os que têm 60 anos ou mais, as taxas são 9,5% na Região Sul; 9,7% no Sudeste; 16,6% no Centro-Oeste; 25,5% no Norte; e 37,2% no Nordeste. 

A Região Nordeste foi a única a apresentar leve aumento da taxa de analfabetismo entre 2018 e 2019. Entre os mais jovens, a taxa praticamente se manteve, variando 0,03 ponto percentual. Entre os mais velhos, a variação foi de 0,33 ponto percentual. 

Segundo o IBGE, a maior parte do total de analfabetos com 15 anos ou mais, 56,2% - o que corresponde a 6,2 milhões de pessoas - vive na Região Nordeste e 21,7%, o equivalente a 2,4 milhões de pessoas, no Sudeste.

O tempo de estudo

A Pnad Contínua Educação mostra que, em média, o brasileiro estuda 9,4 anos. O dado é coletado entre as pessoas com 25 anos ou mais. Esse número aumentou em relação a 2018, quando, em média, o tempo de estudo no Brasil era de 9,3 anos. Em 2016, de 8,9. 

Com relação à cor ou raça, segundo o IBGE, “a diferença foi considerável”, mostra o estudo. As pessoas brancas estudam, em média, 10,4 anos, enquanto as pessoas pretas e pardas estudam, em média, 8,6 anos, ou seja, uma diferença de quase dois anos entre esses grupos, que se mantém desde 2016.

As regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste têm médias de anos de estudo acima da nacional, com 10,1; 9,7; e 9,8 anos respectivamente. As regiões Nordeste e Norte ficaram abaixo da média do país, com 8,1 anos e 8,9 anos, respectivamente. 

A proporção daqueles com 25 anos ou mais que concluíram o ensino médio passou de 47,4% em 2018 para 48,8% em 2019. Entre os brancos, esse índice é maior, 57%. Entre os pretos e pardos, 41,8%. De 2016 para 2019, essa diferença, de acordo com o IBGE,  caiu um pouco, “porém se manteve em patamar elevado, indicando que as oportunidades educacionais eram distintas para esses grupos”.

O IBGE pondera que, apesar dos avanços, mais da metade, o equivalente a 51,2%, da população de 25 anos ou mais no Brasil não completaram a educação escolar básica.

Os dados da Pnad Contínua Educação do IBGE são referentes ao segundo  trimestre  de  2019.

O que dizem os professores

No Dia Mundial da Alfabetização, celebrado nesta quarta-feira (8 de setembro), a Agência Brasil conversou com professores que trabalham com a alfabetização de crianças sobre os impactos da pandemia na etapa de ensino e sobre a rotina desses profissionais. 

O professor do terceiro ano do ensino fundamental da Escola Classe Comunidade de Aprendizagem do Paranoá, no Distrito Federal, Mateus Fernandes de Oliveira diz que ainda não conseguiu parar para sentir o cansaço que todo o período de pandemia causou até aqui. Nos últimos 18 meses, ele precisou lidar com diversas situações, incluindo famílias de estudantes com fome. Foi preciso que a escola se organizasse para distribuir cestas básicas nas casas dos alunos. 

"A gente estava falando de falta de alimentos em casa. Famílias passando por necessidades. Não era possível cobrar de uma família que estava preocupada com alimentação que desenvolvesse um processo de escolarização em um momento como este. A gente entendeu que a escola pública, como parte do Estado, tem responsabilidade social. O Estado deveria cuidar das necessidades básicas, mas não estava dando conta. A escola teve que se mobilizar". 

Enquanto a escola esteve fechada, o professor chegou até mesmo a visitar os estudantes pessoalmente, levar para eles as atividades e verificar como estavam. A maior parte dos alunos não tinha acesso à internet e acabava não participando das aulas online. Agora a escola voltou em um modelo híbrido, intercalando ensino presencial e ensino remoto. 

Oliveira percebe que as desigualdades se acentuaram. Aqueles alunos que vêm de um contexto familiar em que a leitura faz parte do cotidiano, em que há livros e revistas em casa, chegam agora ao terceiro ano do fundamental sabendo ler e escrever. Aqueles que moram em casas com pouca ou nenhuma leitura, às vezes sem mães e pais alfabetizados, acabam tendo um conhecimento aquém do esperado para crianças com 8 ou 9 anos de idade. 

"Não dá para considerar este ano como só este ano. É pensar este ano e o seguinte como duas coisas contínuas, porque senão a gente se exaspera e atropela os processos. Atropela o tempo de entender o que a gente sentiu e o que está sentindo e de perceber que caminhos pode trilhar. A gente pode acabar até gerando o contrário do que gostaria. Em princípio, é preciso ter calma e, ao mesmo tempo, saber que não temos tempo a perder". 

Trabalho redobrado 

Em Corumbá (MS), foi com cachorrinhas que a professora da Escola Municipal Almirante Tamandaré, Sonia Bays, conquistou os alunos e conseguiu medir o que eles haviam aprendido em um ano de pandemia. Ela dá aula para o primeiro ano do ensino fundamental, estudantes de 6 anos, que estão começando a ser alfabetizados. "Queria fazer algo mais lúdico. Acredito que as crianças são penalizadas por estar longe da escola. Criança em fase de alfabetização precisa da escola", diz. 

Diante das dificuldades de ensinar a distância e por meio de tecnologias, ela gravou um vídeo apresentando os próprios animais de estimação e pediu que os pais estimulassem os filhos a fazer o mesmo com seus bichinhos. "Na fase da alfabetização, a criança precisa de oralidade. Ela fala e depois transfere para o papel. É preciso estimular essa espontaneidade, essa fala das crianças". 

Ao pequeno grupo que estava sendo atendido presencialmente em horários especiais na escola, ela pediu que desenhasse e, se soubesse, escrevesse os nomes dos animais. Foi assim que avaliou o que os alunos sabiam e aquilo em que tinham dificuldades. Com base nas atividades desenvolvidas com as crianças, surgiu o trabalho Alfabetização e Infância em Tempos de Pandemia, apresentado em agosto no 5º Congresso Brasileiro de Alfabetização.

A maior parte dos alunos de Sonia está em situação de vulnerabilidade. Não é raro que as famílias tenham apenas um celular com acesso limitado à internet. A estratégia muitas vezes, durante mais de um ano de pandemia, era mandar vídeos por whatsApp, para que os responsáveis baixassem usando a internet do trabalho e, depois, mostrassem para as crianças.

No ano passado, ela chegou a conhecer os alunos pessoalmente, antes do fechamento das escolas por causa da pandemia. A turma desse ano, no entanto, era uma lista com 23 nomes e contatos. Sonia fez questão de entrar em contato com cada um por ligação e conversar com alunos e famílias. A logística não foi simples, alguns estudantes precisaram ir para uma área com wifi aberto, para receber a videochamada. 

A escola foi retomando aos poucos o ensino presencial. Primeiro, apenas uma vez por semana para atender aos alunos que não tinham acesso a aulas remotas. Agora, a escola voltou às aulas presenciais em esquema de revezamento, com turmas reduzidas. 

"Os professores, cada um de uma série, selecionaram os conteúdos que seriam prioritários, que seriam essenciais. Não vamos ter como dar conta de tudo. Estamos focando em leitura e escrita", diz e acrescenta: "Os alunos não perderam o ano, eles ganharam a vida. Se antes já tínhamos déficit de aprendizagem, agora também temos, ainda maior. Teremos que redobrar o trabalho para vencer isso". 

Da sala para a tela 

Depois de oito anos nas salas de aula no Rio de Janeiro, o professor Ricardo Fernandes assumiu, em 2019, o cargo de assistente de Gerência de Alfabetização e Anos Iniciais da Secretaria Municipal de Educação. No ano passado, com a pandemia, Fernandes passou a gravar aulas e podcasts para os estudantes da rede municipal, por meio da prefeitura, para garantir a educação remota. Ele, de repente, passou a alcançar um público muito maior. 

"Acaba que você, que está produzindo uma vídeoaula, você não vira só o professor de uma turma. A sensação que dá é que você vira professor de muitas turmas. Essa foi uma estratégia muito importante para muitas crianças que estavam em casa", diz. 

Foi preciso, segundo Fernandes, recriar, com tecnologia, espaços alfabetizadores. Além de o formato ser um desafio, foi preciso também repensar o conteúdo de alfabetização, incluindo as famílias. "Todas as vezes que a gente pensa um material agora, a gente pensa que essa família vai assistir junto, vai ajudar na mediação desse conteúdo. Então as aulas agora são pensadas na perspectiva mais coletiva. Quem está escutando o que essa criança fala? Quais as perguntas que essa criança pode fazer para essa pessoa? É esse processo de uma educação coletiva que traz para a alfabetização um novo caráter". 

O professor conta que, durante a pandemia, as trocas entre os professores da rede de ensino ajudaram a desenvolver novas estratégias para chegar aos alunos e também ajudaram os próprios profissionais a não se sentirem isolados. Fernandes ressalta, no entanto, que mesmo com o esforço, há estudantes que precisarão de mais atenção. "A gente sabe que existe um público que historicamente está alijado do contexto de alfabetização e de educação, e esse contexto foi intensificado com a pandemia". 

Estudo encomendado ao Datafolha pela Fundação Lemann, o Itaú Social e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), divulgado em junho deste ano, mostra que mais da metade (51%) das crianças em processo de alfabetização na rede pública brasileira ficaram no mesmo estágio de aprendizado, ou seja, não aprenderam nada de novo durante a pandemia. Entre os estudantes brancos, 57% teriam aprendido coisas novas, segundo a percepção dos responsáveis. Entre os estudantes negros, esse índice cai para 41%.

Como responsável pela produção de materiais para a alfabetização, Fernandes diz que um dos objetivos é que os estudantes se sintam representados. "Não se pode alfabetizar sem olhar para a favela, sem olhar para o bairro desse aluno, sem olhar para o ritmo desse aluno, sem entender que é um sujeito que aprende quando está em casa, quando está em contato com outros sujeitos. Não se pode negar os aspectos culturais da cidade", defende. 

Unindo forças

Para a presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Paraná, Marcia Baldini, é necessária a união de forças de gestores, Poder Público, professores e familiares para garantir o ensino e a aprendizagem das crianças brasileiras. Marcia, que coordena o Grupo de Trabalho sobre Alfabetização da Undime, diz que a pandemia causou um prejuízo muito grande à alfabetização. 

"É necessário ter políticas públicas nesse sentido, voltar o olhar para isso, porque se não tivermos nas nossas escolas um olhar focado em relação ao professor alfabetizador, a formação continuada, condições de trabalho, a conscientização das famílias para que esse aluno possa aprender, os prejuízos serão imensuráveis nos anos seguintes na educação fundamental, no ensino médio e até mesmo na educação superior, em que vamos formar os famosos analfabetos funcionais". 

Marcia explica que a alfabetização exige a mediação do professor. Isso porque gestos, movimentos labiais e materiais didáticos têm impacto na aprendizagem. Esses elementos acabam se perdendo no ensino remoto. "Os alunos que estão retornando [para o ensino presencial] apresentam muitas dificuldades, há alunos que esqueceram até mesmo como se escreve o nome". Os dados mostram muito claramente, nos primeiros anos da educação infantil e do ensino fundamental, prejuízos sociais, econômicos, educacionais, que vão se estender ao longo da vida. 

Retomada

Neste semestre, as escolas estão, aos poucos, com o avanço da vacinação no país, retomando as aulas presenciais, ainda que mescladas ao ensino remoto, no chamado ensino híbrido. Será preciso ainda, segundo a oficial de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Julia Ribeiro, localizar os estudantes que não conseguiram assistir às aulas na pandemia. 

"Fazer busca ativa desses meninos e meninas que não tiveram condição de se manter aprendendo durante a pandemia. Os dados apontam isso, a pandemia atingiu meninos e meninas que já eram mais vulneráveis. Quem já estava fora da escola ficou cada vez mais longe, e quem estava na escola, mas sem condições de aprender em casa, acabou sendo excluído desse direito". 

Pesquisa divulgada este ano pelo Unicef mostra que o número de crianças e adolescentes sem acesso à educação no Brasil saltou de 1,1 milhão em 2019 para 5,1 milhões em 2020. Desses, 41% têm entre 6 e 10 anos, faixa etária em que ocorre a alfabetização. 

"A alfabetização é fundamental para a manutenção desse menino ou menina na escola. É nessa faixa etária que é criado maior vínculo, inclusive com a escola. Ciclos de alfabetização que são incompletos podem acarretar reprovações e abandonos escolares nas demais etapas, nas etapas subsequentes", ressalta.

Para Júlia, sobretudo na pandemia, quando as crianças tiveram aprendizagens diferentes, todas as etapas escolares devem se comprometer a garantir o aprendizado dos estudantes, garantir que aprendam a ler e escrever. 

"A gente precisa de uma corresponsabilização de todo o sistema educacional no sentido de garantir que cada criança e adolescente, independentemente de idade, tenha as oportunidades necessárias que lhe garantam alfabetização completa, que lhe possibilite que esses meninos e meninas tenham maior liberdade, maior autonomia, que estejam incluídos na sociedade, que tenham mais acesso a oportunidades profissionais e pessoais, que tenham acesso a seus direitos".

No dia 30 de junho deste ano, o MEC lançou o Sistema Online de Recursos para a Alfabetização, apelidado de Sora. A plataforma foi desenvolvida para apoiar professores e trabalhadores da educação no planejamento e execução de atividades de ensino para alunos que estão aprendendo a ler e escrever.

O sistema traz estratégias de ensino ou como o conteúdo pode ser ensinado. Elenca também propostas de atividades a serem aplicadas em salas de aula, ferramentas que são utilizadas na consolidação da apreensão dos conteúdos.

A plataforma disponibiliza recursos adicionais diversos que auxiliam os professores. Podem ser acessadas, por exemplo, imagens que ajudam a fixar as letras do alfabeto. Será incluído também um módulo com sugestões de avaliações para verificar a aprendizagem do conteúdo.