Costumeiramente lê-se muito sobre a necessidade de ouvir os dois lados de uma discussão, ou proposta. E em geral há sempre o questionamento se haveriam mais de dois lados.
É muito natural pensar que há pelo menos dois lados, pois a humanidade se acostumou a tratar muitas questões de modo binário ou dual: bem e mal, quente e frio, acima e abaixo, esquerda e direita, e assim por diante.
Matemáticos sempre tem algo a dizer, ainda que sucintamente, a respeito da existência de tudo, ainda mais sobre o número de lados do que quer que se trate. Seja em termos lógicos, ou mesmo figurados, concretos ou abstratos. De fato, matemáticos se assemelham a poetas, pois aspiram a escrever provas como poemas.
Pode-se também dizer que seriam poetas matemáticos que aspiram a escrever poemas como provas. Ambos percebem detalhes que outras pessoas muitas vezes negligenciam. Buscam estabelecer padrões de beleza e de verdade, e quando conseguem, tem seus nomes perpetrados pelas glórias de seus achados.
Há uma bela demonstração matemática de como se obter apenas um lado. Basta tomar uma tira de papel, e unir as extremidades antes dando apenas uma meia torção.
Este resultado consiste numa simples proposta do astrônomo e matemático alemão August Ferdinand Möbius (1790 - 1868). Por parte da mãe, era descendente em oitava geração do teólogo alemão Martin Luther (1483 - 1546). Iniciou os estudos de graduação em direito por insistência de familiares, mas logo mudou para astronomia e matemática. Doutorou-se em 1815 no estudo dos astros com a tese “De Computandis Occultationibus Fixarum per Planetas” (“Cálculo das Ocultações de Planetas Fixos”).
Para entender desta nova matemática, basta apenas obter via colagem de duas extremidades de uma fita, após dar meia volta numa delas, e grudá-las de modo a formar um anel. O resultado consiste num objeto que apresenta a mesma face. Tal estudo auxiliou no surgimento de um novo ramo da matemática denominado topologia.
Uma curiosidade deste objeto é que, ao se iniciar o traçado de uma linha, esta se completa ao finalizar o trajeto de uma volta, mostrando que a fita apresenta apenas um lado (uma superfície). Ou seja, o ponto de chegada é o mesmo de partida. Outra curiosidade é que, ao riscar desta forma, efetua-se um trajeto equivalente ao dobro do comprimento da fita, pois risca-se de um lado a outro ao se desfazer a tira de Möbius.
Historicamente, Möbius propôs sua tira em setembro de 1858, com quase setenta anos. No entanto, ela apenas foi publicada em 1865 no artigo “Sobre a Determinação do Volume de um Poliedro”, onde provou que existem certos poliedros aos quais nenhum volume pode ser atribuído. Apenas para lembrar, poliedros são sólidos tridimensionais com faces poligonais planas, como cubos, tetraedros e pirâmides.
Qualquer um pode pensar que o fazer matemático envolve situações algo teóricas, pouco práticas. Nem sempre. Mas as artes também tem um quê abstrato, e há poucos a criticar isto, enquanto muitos criticam demasiadamente as matemáticas, algo realmente desproporcional.
De fato, ao apreciar uma música, uma escultura, ou pintura, busca-se pelo belo. Ao procurar pela beleza, pode-se dizer que todos são poetas. Não seria também exagero dizer que cada um se descobre enquanto matemático ao fazer descobertas.
Matemáticos são de fato poetas. Em geral, incompreendidos pelas suas obras. Considerados malditos pela ignorância. Mas não se pode viver sem eles, como não se vive sem poesia. A recompensa dos trabalhos matemáticos visa mostrar o essencial da vida, de intrínseca beleza, uma estranha exigência da simplicidade (ou complexidade) da existência.
Pode-se, portanto, dizer, sem medo de errar, que a vida pode ter vários vieses, mas apenas a tira de Möbius tem uma que apresenta um único lado.