Artes Visuais

Zumvi Arquivo Afro Fotográfico lança campanha de financiamento coletivo

E catálogo virtual dobre cultura afro-brasileira

Um Quilombo Visual é como se define o acervo do Zumví Arquivo Afro Fotográfico, com cerca de 30 mil imagens da memória imagética dos grupos sociais negros, reunidas em 30 anos de existência e resistência. No próximo 09 de julho, o Zumví lançará um Matchfounding, campanha de financiamento coletivo, e um Catálogo Virtual com 100 fotografias, que traz um registro amplo da cultura afro-brasileira, divididas em 25 temáticas, entre elas: Artistas Negros, Blocos Afros, Blocos de Índios, Festas Populares, LGBTQIA+, Movimentos Sociais, Movimento de Mulheres Negras, Religiosidade, Universo Reggae, entre outras.  O catálogo está disponível no site www.zumvi.com.br para o público e para pesquisa e as fotos também podem ser compradas individualmente.

O Matchfounding Enfrente é uma ação emergencial para empreendedores das periferias feita pela Benfeitoria para micro e pequenos negócios impactados pela pandemia. O Zumví foi um dos projetos selecionados que receberão suporte para preparar uma campanha de arrecadação para mobilizar o coletivo, onde a cada R$ 1,00 colaborado, o Fundo Enfrente investirá mais R$2,00. O Zumví tem o objetivo de montar a infraestrutura, em sua sede, para preservação dos fotogramas e exposição das fotografias, e comprar mobiliário para guardar os equipamentos.

As recompensas vão de R$25,00 a R$ 500,00, tendo entre os brindes: 01 fotografia impressa em fine art 20 x 30 (com assinatura do autor), 01 camiseta do Zumví, 01 coleção de 10 postais com fotos do acervo, entre outros. Quem quiser ser um apoiador, basta entrar no www.benfeitoria.com/apoieozumvi  e contribuir com o que puder, o importante é manter a memória da cultura afro-brasileira.

Ao criar uma estética fotográfica de Imagens Afirmativas, o Zumví pauta a valorização de personagens da vida real que constroem a nova história do negro no Brasil e documenta as experiências e resistências negras a processos coloniais que ainda continuam em curso. Para Lázaro Roberto, fotógrafo, um dos fundadores e responsável pelo acervo, “As imagens refletem o processo histórico dos africanos que chegaram escravizados há quase 400 anos, contribuindo através do seu trabalho e da sua cultura para a formação e transformação da sociedade brasileira”. O catálogo está dividido nas seguintes temáticas:

Artistas Negros – O catálogo traz fotografias de três importantes artistas negros: Jimmy Cliff, uma lenda da cultura reggae, Mestre King, precursor da dança afro no Brasil nos anos 70, e Augusto de Omolú, bailarino, coreografo e ator.

Afoxés - Badauê, Filhos de Gandhy, Ganga Zumba e Korin Efan são alguns dos blocos retratados, trazendo em destaque a memória do Mestre Môa do Katendê, co-fundador do afoxé Badauê, que gerou tantas canções importantes compostas por Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros compositores famosos.

Blocos Afros - Traz imagens dos blocos de maior evidência, como o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro, Olodum, Muzenza, Bancoma, Malê Debalê e Cortejo Afro. São imagens do povo, de foliões, músicos e personalidades que marcaram a história o Carnaval de Salvador.

Blocos de Índio -  Esses blocos foram fundados durante fins da década de 60, tocavam samba, pois são oriundos das antigas escolas de sambas. São fotos do Bloco Carnavalesco Apaches do Tororó, fundado em 1968 e considerado como um dos mais importantes, que surgiu para fazer frente ao Bloco Caciques do Garcia, celebrando uma rivalidade entre os bairros vizinhos.

Capoeira - Aparece no acervo sempre através de festas populares, manifestações e marchas, com a participação de anônimos nas ruas praticando essa arte originalmente brasileira.

Cestaria Ilha de Maré - Lázaro Roberto começou a registrar o quilombo da Ilha de Maré, na Bahia de Todos os Santos, no início da década de 1990 e até hoje acompanha sua produção de balaios e manifestações populares locais. O catálogo traz, em especial, fotos do senhor Nôca, o balaieiro mais velho da comunidade, com mais de 90 anos de idade.

Cordeiros – No carnaval de Salvador, os cordeiros são pessoais invisíveis, que só estão ali para dividir os foliões dos blocos da pipoca agitada, sendo explorados por baixos cachês e condições de trabalho desumanas.

Estética Negra -  Um dos temas mais fortes da afirmação de identidade do povo negro, as fotografias trazem a estética dos vários estilos do cabelo crespo: rastafári, black power, trançado, desenhado etc. 

Feira de São Joaquim – As fotos de Lázaro trazem sua vivencia na feira desde quando iniciou pesquisas junto com o historiador Jorge Antônio, a partir do sindicato dos arrumadores, um dos mais velhos do período do pós-abolição. Ele também acompanhou a mudança entre a feira velha e a construção da nova feira e, atualmente, fotografa a terceira geração daqueles trabalhadores.

Festas Populares - As fotos trazem as festas do Bomfim, Iemanjá, Dois de Julho, as Festas do Recôncavo baiano, o próprio carnaval, entre outras. Foram selecionadas imagens das relações de identidade entre os baianos e as festas, nas quais se veem os caboclos, os devotos rodeando a imagem de Iemanjá na beira da praia, as primeiras vezes em que o grupo Timbalada saiu como um arrastão de rua, orquestrada por Carlinhos Brown.

Hip-hop – Manifestação da juventude dos anos 2000, Lázaro fotografou o encontro regional de Hip-Hop, em 2003, e alguns outros encontros e atividades do Movimento de Salvador.

Irmandades Negras – Compõem esse tema imagens das Irmandades do Rosário dos Pretos, da Sociedade Protetora dos Desvalidos, a mais antiga, e,  as irmãs da Boa Morte, no Recôncavo.

LGBTQIA+ - Dentro do acervo, o debate sobre a diversidade sexual aparece por meio das imagens de manifestações realizadas por grupos organizados como a Parada do Orgulho Gay, de personalidades das ruas e demonstrações públicas de afeto entre as pessoas do mesmo gênero, como a foto com dois homens dormindo entrelaçados ao amanhecer da festa da Boa Viagem, em 1993.

Moradia – O catálogo traz imagens das ocupações e palafitas, no bairro de Plataforma, no Subúrbio Ferroviário, moradias precárias, sem estruturas essenciais e saneamento básico.

Moradores de Rua -A série traz uma porção de personalidades das ruas, pessoas que marcaram o cotidiano da cidade como o Rasta do Pneu, a Mulher de Roxo, entre outros cidadãos que habitaram a Roma Negra.

Movimento de Mulheres Negras –  Imagens da participação das mulheres no Movimento Unificado Negro, em manifestações e reuniões do Dia das Mulheres, no sindicato das domésticas, movimento das lavadeiras, etc.

Movimento Negro - Aparece como o grande protagonista do catálogo, tendo imagens produzidas por Lázaro Roberto, Rogério Santos e Jônatas Conceição. Há registros das ações sobre as pautas do 13 de maio e da crítica ao protagonismo oficial da Princesa Isabel, marchas, passeatas e caminhadas que celebravam Zumbi dos Palmares, o debate das ações afirmativas, congressos e eventos realizados pelo MNU durante os anos 1990, inclusive a visita de Nelson Mandela à Bahia, em 1991.

Movimentos Sociais – São imagens dos sindicatos, dos Movimentos Sem-Terra e Sem-Teto e a luta pela memória, no contexto Nova República, após a redemocratização.

Quilombos – Imagens de alguns momentos da luta pela posse da terra dos remanescentes de quilombo Rio das Rãs, Rio dos Macacos, entre outros.

Pichação – Como uma das formas de comunicação mais expressivas dos grupos rebeldes e principalmente dos jovens, o catálogo traz imagens de pichações voltadas ao enfrentamento do racismo.

Religiosidades - O sagrado está nas ruas de Salvador, por meio das Festas Populares, feiras e demais práticas religiosas públicas, com imagens da fé do povo, seja pelos santos ou/e pelos orixás.

Samba - Carro chefe da cultura brasileira, está presente dentro do catálogo por meio de registros de músicos populares: cantores, instrumentistas, compositores e sambadeiras.

Subúrbio Ferroviário - As imagens trazem a exuberância das paisagens, das moradias e um pouco do cotidiano do trem que liga toda a região a Calçada, centro comercial da Cidade Baixa.

Universo Reggae - Marca presença através da diversidade de abordagens, como os bares de reggae, o futebol e concursos de dança entre os “rastas”, os vendedores na Rua do Limão, na feira de São Joaquim com seus cabelos dreadlocks, a Legião Rasta, recepcionando Jimmy Cliff no aeroporto de Salvador, e toda cobertura da Praça do Reggae até o seu fechamento em 2011.

Vendedores Ambulantes - Eles aparecem em aglomerações de rua, como feiras e principalmente nas festas de largo, com destaque para o vendedor de cata-vento, pirulito, carro de cafezinho, rolete de cana, pamonha, queijinho, coco de pindoba, entre outros.

O site do Zumví foi lançado em 13 de maio de 2021e traz também a exposição virtual Memórias de Resistências Negras, com 55 imagens sobre 08 temas importantes de momentos da história e trajetórias do movimento negro: Militantes Falecidos do MNU, Nelson Mandela na Bahia, Política de Ações Afirmativas, Grupo de Mulheres MNU, Manifestação Contra Intolerância, Quilombo Rio das Rãs, Marcha Contra o Genocídio do Povo Negro e Três Grandes Pautas. E o vídeo Mapping Memórias Negras Projetadas: Viva Mandela! Que traz uma coletânea de fotos que contam sobre a visita de Nelson Mandela à Salvador.

Sobre o Acervo Zumvi Afro Fotográfico

Surgiu em 1990 pelas mãos dos fotógrafos Lázaro Roberto, Ademar Marques e Raimundo Monteiro, três jovens negros das periferias de Salvador comprometidos com o registro das atividades culturais e políticas, e a produção de imagens da cultura afro-brasileira. Com o lema “Fotografar hoje para o futuro”, produziam fotografia documental, ou fotojornalismo, criando um “Quilombo Visual”, uma afro maneira de registrar e criar um arquivo de memórias imagéticas dos negros, algo jamais feito no Brasil contemporâneo. O nome “Zumvi” é uma palavra fotográfica criada a partir do “Zum” da lente, e “VI” do olho, é trazer a realidade que está longe, mais para perto. Atualmente, o projeto é coordenado por Lázaro e com produção executiva do historiador José Carlos Ferreira, que também vem desenvolvendo e facilitando pesquisas acadêmicas sob o acervo no campo da memória, da cultura e da raça.

O acervo, nos cerca de 30 anos, recebeu muitas colaborações, como a do poeta e militante Jonatas Conceição da Silva, que doou todo seu acervo, composto de 1.618 fotogramas, em P&B, e colorido, em 2006, pouco antes de seu falecimento. Também o fotógrafo Rogério Conceição, desde 2016, vem doando seu material fotográfico, que são os registros de eventos do movimento negro nas décadas de 80 e 90. Em 2020, o Zumví recebeu uma doação de arquivos, no campo do audiovisual e do cinema negro. Parte do acervo do cineclubista e militante Luiz Orlando, falecido em 2006, foi doado pela sua família, que se encontra em dois meios: o físico, com cerca de 8.273 laudas, são fotografias, documentos, cartazes, xerox, cadernetas, entre outros; e o digital, 8.273 documentos de caráter diversos, como jornais e impressos.

Atualmente, o acervo já vem passando por um processo lento de digitalização, fruto de projetos esporádicos, via editais, desde 2014, que possibilitaram a aquisição de um equipamento de digitalização e o início do tratamento digital. Mesmo assim, o material físico não se encontra completamente armazenado de forma adequada e com controle de temperatura, sofrendo com a deterioração pela ação do tempo e da sensibilidade dos suportes.

O Catálogo tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Pedro Calmon (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.