Gina Marocci

Como os ricos moravam na Salvador dos séculos 17 e 18

No século XVIII, a cidade era o polo de atração comercial e social da capitania


Quadro que retrata seus jardins (aquarela de J. Naher, séc. XIX - Coleção IGHB) - Fonte: Sipac

No período correspondente à segunda metade do século XVII e início do século XVIII, a riqueza dos senhores de engenho fez brilhar a cidade do Salvador na ostentação dos belos sobrados: o Paço do Saldanha, a Casa dos Sete Candeeiros, o Solar Ferrão, o Solar Berquó. Muitas igrejas e conventos foram construídos nesse período, representando importantes marcos pontuais de futuras áreas de expansão da cidade.

O Paço do Saldanha foi tombado pelo IPHAN em 1938. No século XVII pertencia ao Coronel Antônio da Silva Pimentel. Em 1762 foi comprado por D. Manoel Saldanha da Gama, filho do vice?rei da Índia e viúvo de D. Joana Guedes de Brito, filha do coronel. Sofreu uma ampliação em 1799. No século XIX, em 1874, o imóvel foi vendido para o Liceu de Artes de Ofícios. Em 1968 sofreu um grande incêndio que lhe destruiu boa parte, mas em 1992 foi restaurado e voltou a funcionar o Liceu.

Segundo dados documentais, a edificação seguia o padrão dos grandes solares baianos com um saguão monumental, ornado com painéis de azulejos e portada de pedra. Para quem não sabe, o Liceu fica na esquina entre as ruas Guedes de Brito e Saldanha da Gama, uma das transversais ao Terreiro de Jesus.

Assim como em outras casas senhoriais, além da portada em pedra, janelas de peitoril indicam que o pavimento térreo não era a morada da família. No pavimento superior, o andar nobre, janelas rasgadas, também emolduradas de pedra, se abrem para pequenas sacadas protegidas por gradis de ferro. Nele, a capela em devoção a Nossa Senhora da Piedade possuía bela talha dourada. Na fachada lateral, uma larga porta onde ficava um dos Passos da Paixão de Jesus Cristo, o que indica que a procissão da Sexta-feira Santa por ali passava.

Ao Sul, após as Portas de São Bento, novos bairros se estruturavam. O primeiro deles, o bairro de São Bento, se desenvolvia por uma rua bastante larga, onde se encontra o Mosteiro de S. Bento. Nela moravam figuras importantes da sociedade baiana, entre as quais estava o intelectual Sebastião da Rocha Pitta, advogado, poeta e historiador baiano, fidalgo da Casa Real, Cavaleiro da Ordem de Cristo, acadêmico da Academia Real da História Portugueza e patrono da cadeira 8 da Academia Brasileira de Letras.

Tornaram-se as zonas de S. Bento e S. Pedro, logo nas primeiras décadas do século XVIII, habitadas por pessoas abastadas “criadores e senhores de engenho que, lisonjeados pela visita do vice-rei a todos os latifúndios do recôncavo, começaram a estabelecer na capital residências compatíveis com a sua abastança, no propósito de acercarem-se da autoridade máxima da Colônia, quebrando o isolamento das estâncias em que dominavam como verdadeiros régulos.”

A cidade, então, adquiriu outra importância, diferentemente do que ocorria nos séculos XVI e XVII, quando o Recôncavo concentrava as riquezas e as moradias dos senhores de engenho que vinham à cidade esporadicamente.

No século XVIII, a cidade era o polo de atração comercial e social da capitania, e agregava também muitos latifundiários que deixavam suas fazendas sob os cuidados de um capataz e vinham alojar-se na cidade, unindo-se aos homens de negócios, portugueses na maioria, e pessoas ricas da cidade, que viviam “ostentando o luxo que ainda refletia o ‘tempo dourado’ dos grandes dias do açúcar e que então era mantido pelos lucros do contrabando do ouro recebido das Minas em troca de gado, mantimentos, fazendas e negros que se remetiam clandestinamente.”

No século XVIII os homens de negócios, os quais poderíamos chamar de comerciantes ou mercadores, ascenderam socialmente por conta da riqueza obtida, inclusive, pelo empréstimo de dinheiro aos senhores de engenho e outros grandes latifundiários.

A própria Mesa da Misericórdia de Salvador, sempre sob a orientação dos senhores de engenho, só aceitou mercadores a partir de 1700. Isso demonstra que, para prosseguir com seus objetivos mercantilistas, a Coroa precisou rever os laços de afinidade com determinados elementos-chave da sociedade colonial, o que possibilitou uma maior diversificação da elite baiana.

Os casamentos entre filhos de senhores de engenho e comerciantes haviam aberto espaço para essa ascensão. Havia também os latifundiários do sertão que lidavam com a pecuária.

Pedro Rodrigues Bandeira foi um exemplo dessa nova elite. Seu pai fez fortuna com o tráfico de escravos e com o comércio de açúcar e tabaco, e ele deu continuidade e expandiu os negócios da família. O Solar Bandeira (Figura 2), situado na ladeira da Soledade, é um exemplo de morada dos ricos da segunda metade do século XVIII. Sobre ele falava-se que a casa e seu jardim eram “maravilha e orgulho da Bahia”. Os jardins, voltados para a Baía de Todos os Santos, tinham chafariz com estátua. Uma balaustrada ligada a uma escadaria dava acesso ao quintal que ocupava a encosta.

Para saber mais

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Faculdade de Arquitetura. Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia. Evolução Física de Salvador: 1549 a 1800. Salvador: Pallotti, 1998.

MATTOSO, Katia M. de Queirós. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX. São Paulo: HUCITEC; Salvador: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978.