Aproximadamente 40 toneladas de lixo foram levadas por correntes marítimas até praias da Paraíba e outras 3,5 toneladas foram retiradas da orla do Rio Grande do Norte até o último sábado (24).
Durante todo o fim de semana, voluntários e equipes enviadas pelas prefeituras dos municípios atingidos atuaram na retirada dos resíduos sólidos urbanos. No entanto, a origem dos materiais segue desconhecida.
No município de Nísia Floresta, distante 40km de Natal, os resíduos parecem ter diminuído no domingo na faixa de areia, mas o pescador identificado como Francisco, que aparece em vídeo feito pelo órgão de limpeza da Prefeitura, diz que a situação ainda é complicada em alto mar. Segundo ele, o lixo não estaria chegando à praia de Tabatinga por causa do vento forte, mas segue em grande volume na área de pesca.
“Não dá nem pra arrear a rede (de pesca) pois tem uma ruma de bagaceira descendo”, disse o pescador. Ele ainda explica que utiliza um barco com motor do tipo rabeta que fica parando na água por conta do volume de resíduos.
Na Praia de Búzios, também em Nísia Floresta, Bismark Pereira, secretario de Meio Ambiente, destaca que foram encontrados resíduos de plástico próximo a um ninho de tartaruga. “Além dela estar no mar e pode engolir (o lixo), também vai passar por aqui”, explica o secretário. Até o sábado (24), três tartarugas já tinham sido encontradas mortas junto aos resíduos.
Miguel Emiliano da Silva, vice-presidente da Colônia de Pescadores de Pirangi do Sul (RN) também reforça que ainda há muita sujeira boiando na água. “Tem muito lixo na água.
As correntes aqui pela manhã, devido esse vento que vem do Sudoeste, vão levar muito pra dentro. Mas, na parte da tarde ele (vento) traz (o lixo) pra costa. Mas ainda há muito lixo no mar”, alerta o pescador em grupo de WhatsApp destinado a moradores e voluntários de Tabatinga (RN).
A professora aposentada Kelen Neuwirt reside próximo à Praia de Búzios há quatro anos, onde também atua como voluntária na ONG Oceânica, participando de atividades de limpeza da orla. Segundo ela, a sujeira passou a ser notada em maior volume a partir do dia 15, pelo menos. Neuwirt também afirma nunca ter presenciado uma quantidade tão grande de sujeira na praia nesses anos que a frequenta.
“O que chamou a atenção foi a quantidade de (potes) de margarina. Depois, tem de tudo um pouco, copos plásticos de iogurte, potes de sorvete e tem outros vasilhames transparentes num volume bem grande, mas sem rótulo, sem nada. Como se fossem embalagens de um produto que não fazemos ideia do que seja”, conta a voluntária após mutirão de limpeza no sábado.
“Nunca vimos essa quantidade de lixo não. Após feriados prolongados ou na alta temporada tem um aumento, mas nada se compara ao que estamos presenciando”, afirma a aposentada.
O pescador conhecido como Mestre Branco publicou no YouTube um vídeo mostrando os materiais descartados flutuando na água, numa área próxima à Praia de Cotovelo, em Parnamirim, a 20km de Natal. “Não é mar de peixe não, é mar de sacola. Muito lixo”, relata o pescador no vídeo. Ele também mostra o motor do barco falhando pelo contato das hélices com os resíduos.
“A gente vê um negócio desses e fica triste. Enche os olhos d’água porque a gente não pode fazer nada. Ninguém sabe de onde veio”, narra Mestre Branco.
Segundo informações da assessoria de imprensa do Instituto de desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema-RN), até o dia 24, também tinham sido afetadas pela corrente de lixo a Praia de Minas, em Tibau do Sul, a 78km de Natal; Praia de Sagi, em Baía Formosa, 90 km da capital; Pirambuzios, também em Nísia Floresta; e Canguaretama, a 78km da capital potiguar.
A equipe do órgão afirma que inspeções diárias estão sendo realizadas nas praias e deverão ser mantidas até cessar o incidente.
A recomendação feita pelo Idema na sexta-feira (23), era para que os municípios enviassem equipes de limpeza para as praias e colocassem avisos indicando os locais inapropriados para banho.
Diante da situação, o Idema divulgou uma nota informando já ter entrado em contato com os municípios afetados e com os estados vizinhos, Paraíba e Pernambuco, para verificar a ocorrência de algum incidente ambiental “que possa ter ocasionado o aparecimento de resíduos sólidos na Região Sul da Costa do Rio Grande do Norte, especialmente, nos municípios de Baía Formosa, Canguaretama, Tibau do Sul e Nísia Floresta”.
O Instituto afirmou que ainda não há informações oficiais sobre a origem dos materiais urbanos e diz estar em contato com a Marinha do Brasil e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para investigar o caso.
O Idema ainda pede que a retirada seja feita “o mais rápido possível”, evitando que o material retorne ao mar ou fique submerso na areia e cause mais prejuízos. O órgão também recomenda que parte do material seja guardado para a investigação sobre a origem dos resíduos.
Ainda na sexta-feira (23), o Ibama abriu investigação para apurar a origem dos resíduos sólidos encontrados nas praias do litoral sul do Estado potiguar.
A informação foi confirmada pelo portal G1. De acordo com o veículo, foram encontradas seringas, tubos para coleta de sangue, documentos, restos de roupas e sapatos, em Baía Formosa.
Já em Tibau do Sul, chegaram fragmentos de madeiras, garrafas pets, recipientes plásticos, isopor, sacos plásticos, máscaras descartáveis e seringas. Mais plástico, embalagens, sapatos e garrafas flutuavam até as praias de Nísia Floresta, onde um tubo de coleta de sangue também foi descoberto em meio aos resíduos.
Na Paraíba, desde o dia 14 de abril
Da Praia de Tambaú, em João Pessoa, capital da Paraíba, até Jacumã, no município de Conde, a 15km da primeira cidade, o pescador Daniel Seixas relata a dificuldade de realizar o trabalho, já que faltam peixes em meio ao lixo. Além disso, a areia continua cheia de resíduos.
“Para as pessoas chegarem aos barcos, passam por muito lixo na areia da praia e, ao entrarem no mar, tem lixo até o joelho também”, conta. A venda dos frutos do mar teve redução após o surgimento dos resíduos, que ele relata terem tido início há mais de uma semana.
Já a bióloga Karina Massei, do Instituto de Pesquisa e Ação (InPact), conta que moradores que caminhavam nas praias de João Pessoa relataram uma quantidade anormal de resíduos nas praias na manhã do dia 14 de abril. Desde então, organizações civis iniciaram a coleta.
“Não é que a gente não encontre isso na nossa cidade. A questão é a forma como chegou e a quantidade absurda”, explica Massei. De acordo com a pesquisadora, a mesma situação foi verificada em cidades do litoral sul da Paraíba, que fazem divisa com Pernambuco. Além disso, embalagens com rótulos do Estado vizinho dão indícios da origem do material.
“Em alguns lugares, encontraram mochilas, bilhetes eleitorais, algumas publicidades, etiquetas de garrafinhas de água que eram de Pernambuco. Isso é um caminho. Mas ainda não podemos comprovar a origem”, adianta.
Identificar essa origem é a principal preocupação sobre o caso, indica Massei. Tendo em vista que somente assim poderão agir para cessar o envio de resíduos para o oceano e evitar mais danos.
“É como a pandemia. Por mais que você esteja cuidando das pessoas doentes, se não encontrassem a fonte, no caso da pandemia, o vírus, não pudessem isolar… É muito similar a forma de se fazer esse controle. Encontrando a fonte, vamos conseguir prevenir que isso continue a acontecer”, explica.
A bióloga e coordenadora da ONG Guajiru, Daniele Oliveira, conta que uma equipe com 23 voluntários tem acompanhado a retirada de resíduos nas praias de Ponta de Campina e Praia de Intermares, em Cabedelo, na Região Metropolitana de João Pessoa; e também em Jardim Oceania e Bessa, na capital João Pessoa, locais com maior incidência de desova de tartarugas-marinhas.
Nestes locais, Oliveira relata que há profissionais das prefeituras atuando na limpeza e que é preciso haver um cuidado na separação dos resíduos para analisá-los e entender de onde estão vindo e quais os possíveis impactos deles no mar.
Até domingo (25), pelo menos duas tartarugas foram encontradas encalhadas junto aos materiais. Todavia, a bióloga ressalta que ainda não é possível atribuir os acidentes com os animais aos resíduos, tendo em vista que ainda é necessária a realização de necropsias.
Ao G1, a Secretaria de Meio Ambiente de João Pessoa (Semam-JP) confirmou desconhecer a origem dos resíduos e afirmou que o material pode ter chegado em decorrência das marés altas que têm ocorrido nesse período.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) também respondeu ao veículo afirmando que a responsabilidade sobre a retirada dos resíduos é dos municípios, mas mantém duas frentes para atuação na limpeza e prevenção nas praias. Uma delas é o Programa Lixão Zero, que tenta evitar o envio de resíduos para rios e mares, e a recuperação ambiental, que trata sobre a limpeza dessas praias e rios. Os mutirões de limpeza, todavia, não estão sendo realizados em decorrência da pandemia, mas continua o trabalho de fiscalização, indicou o Ministério ao G1.
“Encontraram material que veio de Pernambuco e de Alagoas. Temos muitos rios urbanos, onde se despeja lixo e, nos momentos de muita chuva, desaguam no mar e a corrente de deriva litorânea termina distribuindo isso pelo litoral. Essa é a minha hipótese. Mas isso necessita de averiguação”, afirma o professor Saulo Vital, do Departamento de Geociências e Coordenador do Núcleo de Estudos e Ações em Urgências e Desastres (Neud) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
No dia 23, o Saiba Mais já tinha tinha publicado uma matéria sobre o problema nas praias do litoral Potiguar: