Escritos

Ciência e sabor num frango desfiado

Poderíamos ter alunos mais felizes se aplicassem o que aprendem na escola, por exemplo, auxiliando papais e mamães

Numa rede social um jovem jornalista e radialista afirmou, entre incrédulo e algo abismado, que ficava “absolutamente chocado” com o que ele chamava de “mágica”: o modo como se desfia um frango utilizando a panela de pressão.

Um aprendiz de cientista e mestre cuca de araque retrucou em seguida que não era mágica, e sim o resultado de uma manifestação da ciência: resumidamente, ao esquentar na panela de pressão, eleva-se a temperatura e comprime-se as fibras da carne.

Após cozinhá-lo, diminuir a pressão da panela e retirar o caldo, as fibras, que estavam comprimidas devido ao alto calor e pressão, relaxam. Desta forma, ao chacoalhar ainda quente a carne dentro da panela, as fibras do frango se desprendem facilmente.

Em termos científicos, há uma lei que estabelece uma condição muito simples e relevante para a questão do cozimento sob pressão que resulta no frango desfiado.

Ao se considerar um volume fixo, como o volume da panela de pressão, variações de temperatura acarretam variações de pressão num gás.

Em outras palavras, a pressão e a temperatura tendem a aumentar ou diminuir proporcionalmente. Esta lei dos gases é creditada aos franceses Guillaume Amontons (1663 - 1705, inventor) e posteriormente a Joseph Louis Gay-Lussac (1778 - 1850, físico e químico), sendo o último mais conhecido.

No caso em questão, temos vapor de água, além de pedaços de frango (e demais ingredientes, como condimentos e temperos) imersos numa certa quantidade de água (i.e., líquida). Logo, dentro da panela temos basicamente três substâncias em três estados clássicos da matéria: sólido (frango), além de água em estados líquido e vapor (i.e., quase um gás ideal). De acordo com esta lei, se a temperatura do vapor de água aumenta, a pressão também, e o cozimento ocorre mais rápido.

A carne é feia de proteínas, muitas na forma de fibras, que são feitas de células componentes destes músculos. Tais fibras são unidas por um tipo particular de proteína chamada colágeno. Basicamente, é o colágeno que torna a carne rígida e dura.

Para amaciar a carne, pode-se dissolver o colágeno na água. Quanto mais quente a água, mais colágeno passa a ser diluído e decomposto no líquido, formando um caldo. A pressão auxilia na remoção do colágeno do interior das fibras, pois estas ficam cada vez mais pressionadas à medida que a temperatura aumenta.

Após remover a pressão e extrair o caldo da panela, a carne ainda quente, após sacudida, começa a desprender suas fibras devido à remoção do colágeno, além do que as mesmas estavam muito comprimidas e a ação mecânica promove tanto o desprendimento quanto o relaxamento das fibras.

As leis cientificas da natureza são por demais simples, embora em quantidade, e talvez por isso, assustem algumas pessoas. Não deveria. Por certo, “há mais fenômenos na cozinha do que pode imaginar nossa vã (e deliciosa) gastronomia”, afirmou certa vez o físico-químico francês Hervé This (n. 1955) em seu livro “Um Cientista na Cozinha” (Editora Ática, 1996). Para ele, um bom cozinheiro e seus ingredientes em nada difere de um pintor usando sua paleta de cores ou um músico tocando seu instrumento nota por nota.

A função básica da escola visa garantir a aprendizagem de conhecimento, habilidades e valores necessários à socialização dos jovens enquanto futuros cidadãos(ãs). Infelizmente o saber escolar nem sempre é bem aproveitado fora da sala de aula, especialmente o científico.

Poderíamos ter alunos mais felizes se aplicassem o que aprendem na escola, por exemplo, auxiliando papais e mamães ao darem dicas no preparo de alimentos, como um fricassê de frango ou ainda o recheio de uma deliciosa coxinha...

Certamente, alguns conceitos de física e química poderiam ser apreendidos mais facilmente numa cozinha, que também poderia ser vista como um divertido laboratório. E seus resultados, saborosamente degustados.

No vídeo
Como fazer um frango desfiado na panela de pressão