Helô Sampaio

A falta que faz tirar uma jaca madura do quintal do vizinho

E aprenda a fazer um charutinho de carne e arroz


Foto: pxhere/Creative Commons

Às vezes penso que estamos vivendo dias de cão. Gente, tá duro. Eu imagino quem vive em apartamento, que não pode nem descer para o playground por causa do tal ‘corona’, esse bicho que conseguiu assustar toda a humanidade. Não ficou um pé de gente sem medo dessa praga. Pior do que ter varíola, ficar pobre, ter que ler email de anúncio ou correr nu pela praça. Não sei qual é o mal maior. Tesconjuro!

Corro do noticiário da televisão da tevê aberta quando fala de covid, e isso é na maior parte; fico passeando pelos canais ou recorro às emissoras jornalísticas, ou busco socorro na Globoplay que tem coisas interessantes, variadas. Aliás, tem quase tudo da tevê. É uma mão na roda. Vou te contar, viu, neguinho, a tevê foi um milagre. Lembro quando eu era criança que só tinha rádio, assim mesmo para poucas e privilegiadas pessoas, com novelas, música e muita propaganda, era duro.

Para nós, crianças, não adiantava muito pois não aguentávamos ficar sentados ouvindo aquela baboseira por muito tempo. Ouvíamos um pouco, pela novidade que era, depois íamos pra rua correr picula, jogar gude  ou brincar de cabra-cega, de roda ou de esconde-esconde. Se fosse de manhã, e minha mãe não estivesse em casa, íamos tomar banho de rio, de preferencia na cachoeira. Quer melhor, neguinho? Então vamos atravessar o rio e ir para a fazenda de dona Joaninha ou de seu Lau para, escondido, saborear as frutas maduras que ‘desapropriávamos’ dos pés. Lula, meu irmão, já era profissional nisso. Fruta amadureceu e o dono não tirou, a gente dava em cima. Melhor do que deixar perder, ou não é?

E a gente dividia tudo: um ‘taco’ para cada um, igualzinho. Tanto o que subia para tirar, ou o que balançava o galho, ou o que arrumava um pedaço de pau para alcançar o fruto, ou o que informava onde tinha um fruto maduro ou ainda os que corriam para tentar apanhar antes de despedaçar no chão – quando era manga, cajá ou goiaba, fruta pequena. Era um sufoco danada para comer a frutinha madura das roças, fio, não era moleza, não. A gente tinha que suar muito, principalmente para os nossos pais não saberem destas ‘artes’.

Tão pensando o quê, que era fácil? Vai tentar tirar uma jaca madura sem os donos verem, vai, neguinho. E jaca ou abacate, então, que tinha que saber tirar ou subir no pé, para não despedaçar. As vezes, os donos da roça nos viam e gritavam ou corriam atrás de nós, só para nos espantar. Quá! Não adiantava nada.

A gente disparava na carreira mas quando amadurecia outra fruta, ‘ói nóis lá’ de novo. A gente sabia que ninguém queria nos machucar, era só para assustar. He-he! Tempo bom. E eu era a mais ‘bestinha’, a mais ‘lerdinha’ e nem era muito chegada a jaca. Mas gostava dessas ‘artes’, pela emoção.

O melhor era depois, quando juntava a turma pra gente contar as aventuras. É lógico que a gente aumentava as coisas, inventava outras pra dar emoção, mas quase sempre levávamos uma frutinha para a galera provar, mas também para verem que era verdade. Criança tem arte... Hoje, moça séria, se disserem que eu já fiz isso, digo que é mentira na cara. Imagina se eu ia entrar no sitio de dona Joaninha pra roubar uma manga madura, deliciosa, pendurada no pé... nem em sonho, velho. Sou moça direita.  He-he!

Fico pensando nesses meninos da capital que não tem roça pra correr, não podem brincar nas ruas por causa dos carros e da segurança, não podem correr na chuva, tomar banho de rio, ir pra casa dos vizinhos. Tadinhos. É só escola e televisão. Parquinho, só de vez em quando, se derem sorte do fim de semana ser de sol. Mas vida que segue, tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Nessa quarentena, minha alegria tem sido o zap, quando falo com meus quatro irmãos, contamos nossas vidas, o pouco que estamos fazendo e o muito que vivemos. Graças a Deus, a tecnologia consegue nos aproximar o papo é diário, quando a gente atualiza as fofocas da família. Trem bom demais é família, fio. Tenha certeza disso, é a melhor parte da vida da gente. Está do nosso lado na alegria e na dor, no aperto ou na bonança, e no carinho. Vale tudo. Só não vale ficarmos separados, sem comunicação. Mas, agora com zap, todos os dias a gente troca beijinhos, carinhos e, claro, fofoquinhas. 

Carmen, minha irmã primeira, me disse que conseguiu resgatar um caderninho de antigamente cheio de receitas da mamãe, deliciosas. Eu já disse que guarde para mim, pois dou uma dica culinária em toda coluna para facilitar sua vida, não é, minha leitora amadinha? Mas, como ela está em Vitória da Conquista, já me adiantou esta maravilha de sugestão para deliciar sua vida. É do charutinho árabe, que é feito com folha de uva, mas pela dificuldade, este é feito com a folha do couve.

Minha tia, Edelvira, irmã de meu pai, era casada com tio Fernando Zaidan, filho de libaneses. E vovó Hercília, sua mãe, fazia um charutinho... até hoje sinto o gosto, de tão saboroso que era. Vamos provar esta delícia, lindinha, e deixar o nosso amadinho todo dengoso. Aventais a postos, rumemos para a cozinha, que a receita é bem detalhada, pra não ter erro.

Charutinho de carne e arroz

Ingredientes:

-- 20 folhas pequenas e tenras de couve verde (se conseguir folhas de parreira – uva – dobrar a quantidade, pois serão cortadas ao meio; escolher sempre as mais novas e tenras
-- 300g de carne moída (miolo de patinha)

1 ½ xícara de arroz cru, lavado e escorrido
-- 2 colheres (sopa) de manteiga
-- 1 colher (chá) de pimenta síria e pimenta do reino
-- 1 colher (chá) de canela em pó
-- 3 dentes de alho amassados com uma colher (chá) de sal e uma colher (sopa) de folhas de hortelã seco moído ou verde picado.

Modo de preparar

1 - Lavar as folhas de couve em água corrente e escorrer bem. Retirar os talos e reservar. Partir as folhas ao longo dos talos e também reservar. Escaldar os talos e as folhas em água fervente até amolecerem (ficarem flexíveis) e reservar.

2 - Numa vasilha, colocar a carne moída, lavando-a com água filtrada e espremendo bem. Acrescentar o arroz cru, os temperos e uma colher (sopa) de manteiga. Misturar bem com as mãos.

3 - Numa taboa, abrir uma folha já cortada ao meio, sem o talo, e colocar uma colher (sobremesa) do recheio no centro. Alongar o recheio com os dedos no formato do charuto, sem ultrapassar os limites laterais da folha. Dobrar a borda inferior da folha sobre o charuto com o recheio, apertando um pouco para arruma-lo. Dobrar então as duas pontas laterais por sobre o charuto, fechando as laterais para não permitir que o recheio escape pelos lados. Enrolar o charutinho sobre si mesmo, apertando um pouco com os dedos para dar firmeza. Enrolar até o fim e reservar.

4 - Preparar o molho numa frigideira pequena, derretendo uma colher (sopa) de manteiga e acrescentando o amassado de alho com o sal e hortelã. Mexer até dourar o alho. Reservar.

5 - Armar o prato arrumando os talos aferventados no fundo da panela média e funda, formando uma rede (trama); colocar um por um, os charutinhos sobre os talos, de forma a acomodá-los todos, uns sobre os outros. Na segunda camada, cruzar os charutinhos em relação aos primeiros, acrescentar água filtrada com uma colher (chá) de sal até começar a cobrir os charutos. Então, cobrir tudo com uma folha de couve grande ou com um prato emborcado, pois isso evita que os charutinhos subam e se desarrumem ao ferverem. Deixar ferver e abaixar o fogo, cozinhando em panela com tampa.

6 - Quando estiverem cozidos (mais ou menos 30 minutos), destampar, retirar o prato ou a folha, e jogar suco do limão, deixando ferver por mais 5 minutos;

7 - Retirar o prato de cima dos charutinhos e acrescentar o molho de alho e hortelã ainda quente. Deixar levantar a fervura, apagar o fogo e deixar tampado até servir. Arrumar os charutinhos num pirex e acrescentar um pouco do cald0, servindo quente.

Vai ver, lindinha, que os beijinhos e abraços de agradecimentos vão lhe deixar toda serelepe, cheia de si por um bom tempo. Prá começo de conversa, vai receber um xero no cangote do amorzinho. Depois... só o tempo nos dirá...