Cassiano Antico

Da 'maldição' que se abateu sobre Tóquio à paz de minha casa


Foto: pxhere/Creative Commons

Para o atual ministro das Finanças e vice-primeiro-ministro do Japão, Taro Aso, há uma explicação clara para a não realização dos Jogos de Tóquio: "maldição". É um problema que acontece a cada 40 anos. É a maldição das Olimpíadas, "isso é um fato" - afirmou Aso, segundo o jornal The Guardian, da Inglaterra. Uma rajada maligna e "sazonal" sobre as Olimpíadas de Tóquio. Me pergunto qual dos 12 Deuses Olímpicos, que formam o panteão grego, levanta o bundão da poltrona a cada 4 décadas e lança tal praga. Seria Zeus? Hera? Poseidon? Atena? Ares? Deméter? Apolo? Ártemis? Hefesto? Afrodite? Hermes? Dionísio? Ou seria Bento Carneiro, o Vampiro Brasileiro?

É o mesmo absurdo que dizer que os japoneses criam as próprias catástrofes com mantras diários, ou melhor, "sazonais", com os dizeres "terremoto, terremoto, terremoto". E os prédios chacoalham, caem, o chão racha. E, por tédio, por vontade de uma boa ducha, às vezes, alteram o mantra para "tsunami, tsunami, tsunami".

O tal poder da mente criando a realidade horripilante. A arrogância humana não tem limites!

A arrogância humana em pensar que a natureza está sob o seu controle, e não o contrário. A terra treme na Croácia e as pessoas dizem que é por causa do sexo antes do casamento, dos gays, dos ateus, das tachinhas que os maus elementos colocaram na cadeira do professor.

Se você olhar com atenção, vai reparar com mais clareza que o primeiro-ministro japonês, que o ser humano nunca foi tão legal assim. Nunca! Escravizou, dominou, dizimou, praticou genocídios, especulou, roubou, manipulou, mentiu, praticou nepotismo, superfaturou, sonegou, traiu, foi pego no doping, foi pego no pulo; são rastros de sangue, vergonha e pouca generosidade até agora. Resumidamente: as "olimpíadas contra o Covid-19" só serão vencidas com mais de um humano na linha de chegada, pelo menos.

Temos uma oportunidade. Uma grande oportunidade de virar a mesa a favor de todos ou de chutar o balde em nome do eterno campeão egoísmo. O que faremos? O que estamos fazendo? Vamos matar os velhos? Vamos matar os pobres? Vamos nos livrar de quem? De nós mesmos? Noé não está aqui com a arca. Moisés não vai abrir o mar para ninguém passar. Só depende da gente.

Se estou aqui confinado num apartamento com minhas filhas e minha mulher é pra eu não estar em nenhum outro lugar. Aceito minha condição. Faço desse espaço o nosso mundo. Fazemos um circuito pela casa, superamos barreiras que podem ser a escada, a boneca, um livro, ou passar debaixo da mesa; balanço minhas filhas no balanço do corredor.

Procuramos manter uma rotina. Depois de acordar, tomamos banho, escovamos os dentes, regamos as plantas, abrimos todas as janelas, colocamos roupas para ficar em casa, fazemos faxina, lemos histórias. Nunca estive tão próximo de minhas filhas como hoje. Arremessamos bolinhas num balde velho e rimos da forma mais inocente do mundo. Ajudamos os vizinhos. Isso é a nossa superação.

Não precisamos escalar o Everest para provar coisa nenhuma. Muito menos ser a porcaria do "number one". Têm momentos que perco o chão, como quando minha filha de 3 anos diz que não quer morrer antes do seu aniversário de 4 por causa de "colona vilus". Repreendo as lágrimas mais rebeldes e tristes de um pai - que queimam as faces -, e digo a ela com uma serenidade desconhecida que terá filhos, netos, bisnetos, conhecerá muitos lugares bonitos, irá enterrar o papai cansado, um dia. Ela ri e me pede para colocá-la em meus ombros. Seus dedos alcançam o teto como se tocassem o céu. E têm meditações que poderíamos chamar de verticais; quando se está no fundo, é necessário tempo para voltar à superfície.

A gente desce num desses devaneios fantásticos, aprisionando os próprios olhos como entre quatro paredes. O livro de ficção parece mais real que a realidade, o zumbi mais humano que o nosso governante, o porco mais limpo que o cartola. Mas nem por isso permito que minhas filhas deixem de sonhar ou que deixem de sorrir. Não permito!

Os olhos delas brilham como o sol. E serei para elas a corda sobre o abismo; serei o chão do castelo ou da cabana, serei o tronco firme da casa da árvore. A gente desenha a Via Láctea, a galáxia espiral, pinta unicórnios, a gente dança sobre os escombros da bolsa de valores e sobre os especuladores.

Vivemos sem aspas. Estamos em paz.