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Arqueólogos podem ter localizado antigo teatro na praça Castro Alves

As suspeitas iniciais são de que os resquícios identificados podem ser as fundações do antigo Teatro São João

Foto: Secom
Restos do que pode ter sido o Teatro São João

A equipe de arqueologia da obra de requalificação da Avenida Sete de Setembro e Praça Castro Alves encontrou uma estrutura de concreto durante as escavações.

As suspeitas iniciais são de que os resquícios identificados podem ser as fundações do antigo Teatro São João, que foi construído a partir de 1806 (inaugurado em 13 de maio de 1812, para comemorar o aniversário de D. João VI) e demolido em 1923 após um incêndio. Uma possível fonte de água do teatro também foi localizada no local. 

As estruturas foram descobertas em uma escavação de 20 metros por 10 metros após prospecção arqueológica e o uso de um georradar para identificação de materiais no solo. O material ainda está em estudo. Um levantamento bibliográfico mais apurado será realizado para confirmar a origem da construção.

As estruturas da Igreja de São Pedro e uma fonte de água foram outros itens encontrados durante as escavações na altura do Relógio de São Pedro. Uma bola de canhão, uma imagem de Nossa Senhora do Rosário ou da Saúde e a primeira urna de sepultamento indígena tupi-guarani na capital também foram descobertos durante o trabalho da arqueologia. 

Segundo o secretário municipal de Cultura, Claudio Tinoco, “a Praça Castro Alves será interditada, ainda que parcialmente, mas em grande parte, para o Carnaval de 2020”. Tinoco adiantou que, “ao contrário dos nichos arqueológicos existentes na Praça da Sé, cercados e disponíveis apenas para visualização, a estrutura do Theatro ganhará intervenção contemporânea, no sentido de adequá-la urbanisticamente à praça”.

De acordo com o secretário, as intervenções, da Avenida Sete à Castro Alves, têm custo de R$ 2 milhões, obtidos junto ao BID-Banco Interamericano de Desenvolvimento através do Prodetur-Programa Nacional de Desenvolvimento do Turismo. Cerca de 20% do montante, R$ 400 mil, são destinados aos trabalhos de prospecções arqueológicas, 77% das quais já concluídas. Iniciadas em fevereiro e com prazo de conclusão previsto para 14 meses, as obras deverão estar concluídas em maio do próximo ano. Mas os estudos arqueológicos, por causa da nova descoberta, serão prorrogados, agora, por mais 15 a 30 dias. O novo calçamento da praça será em pedra portuguesa e piso intertravado.

O diretor geral do Iphan na Bahia, Bruno Tavares, esclareceu que, por lei, “obras de escavação em sítios históricos exigem acompanhamento de equipes de arqueólogos, desde antes de iniciadas e durante as intervenções”. Tanto ele quanto Tinoco fizeram alusões a outras descobertas de peças históricas nas escavações feitas em trechos da Avenida Sete, como a de uma urna funerária indígena, do período pré-colonial.

Amostras de materiais descobertos nas escavações são encaminhadas a laboratórios, no próprio canteiro de obras e em Paulo Afonso, no Norte do estado, para estudos que permitirão detalhar aspectos históricos e culturais, teor das composições e datação.

O arqueólogo Claudio Cesar Silva, da Secult, detalhou procedimentos prévios, como o uso de GPR-Guia Por Radar, que permitem a localização de corpos estranhos ou estruturas sob o solo, a exemplo das descobertas ocorridas na Avenida Sete e Praça Castro Alves. “Nós já sabíamos, há cerca de um mês que nos depararíamos com um aglomerado de estruturas aqui. Mas não imaginávamos que seria tão bonito e relevante esse achado”, afirmou.

Mais de 10 mil artefatos históricos foram encontrados na Avenida Sete durante as escavações. Dentre os achados recuperados estão faianças (cerâmicas) portuguesas do século XVI, cerâmicas de produção local e importação, moedas, cachimbos, contas de colares, ossos e até mesmo garrafas de vidro de produção industrial e artesanal. 


Fachada do Teatro São João (à direita o prédio do jornal Mercúrio. No local, foi construído, no século 20, o prédio do jornal A Tarde)

Por mais de 100 anos o Teatro São João foi a maior casa de espetáculos de Salvador. Construído a partir de 1806, foi erguido seguindo o modelo instituído pelo Marquês de Pombal aquando da reconstrução de Lisboa e pela constituição de teatros públicos. Sua construção deu-se no governo do João de Saldanha da Gama Melo Torres Guedes Brito, Sexto Conde da Ponte (1805-1809), mesmo antes de se cogitar na transferência da Corte Real para o Brasil, em 1808, data em que começou a funcionar.

Sua capacidade era estimada em 800 lugares, embora fontes registrem que 2 mil espectadores pudessem estar ali presentes. Sua localização era a mais central da capital baiana no período, ao final da Avenida Sete de Setembro, e começo da atual Rua Chile.

As madeiras de lei utilizadas eram jacarandá e cedro. Havia várias pinturas ornamentais em grandes tamanhos e esculturas.

A área urbana, com monumento a Cristóvão Colombo ao centro (onde seria instalado depois a estátua de Castro Alves), após a inauguração e durante longo período, era denominada Largo do Theatro. Mas também dispôs de designações como Largo da Quitandinha, onde ocorria, semanalmente, uma feira livre.

Em sua primeira temporada o teatro empregou uma companhia portuguesa de artistas, uma orquestra, dançarinas e cantores italianos, além dos técnicos cênicos. Depois, vários artistas baianos passaram a integrar o quadro.

Segundo relato do Visconde de Taunay, “tinha uma infinidade de janelas e mesquinha fachada. Do seu terraço, para o mar, o panorama era lindíssimo”.

Tonellare, em 1928, elogiava o Teatro São João, mas fazia reparos: "O jogo das máquinas é tão completo quanto se o pode desejar fora da ossa ópera; todos os movimentos são aí executados, exceto o de palácios que se elevam debaixo da terra; o seu funcionamento, porém, é imperfeito: vi anjos e os santos ficarem suspenso no ar pela máquina que devia descê-los do céu, e a parede de uma choupana ir misturar-se com as nuvens douradas do Paraíso. Aliás, esses contratempos também ocorrem na Europa".

Interior do Teatro São João

Muito do que se sabe sobre o antigo teatro foi relatado pelo engenheiro e escritor baiano Sílio Boccanera Júnior (1863-1928), um de seus diretores, autor de livros sobre a história do teatro nacional.