Helô Sampaio

De quando um delegado me levou direto da cadeia para um convento

E depois aprenda como fazer um camarão com gorgonzola


Foto: pxhere/Creative Commons

Começo fazendo uma declaração: amo Salvador, a cidade que escolhi para viver, que elegi para minha vida. Acho a cidade mais bela do mundo e, até por força da profissão, conheço muitos lugarezinhos estranhos, exóticos e encantadores. E sempre fico espantada com as mudanças, com o crescimento da terrinha, com as melhorias (não vamos falar de problemas, pois as coisas boas superam).

Comecei no jornalismo de A Tarde, como estagiária, em 1972, ainda na Praça Castro Alves, época em que andava por aquele centro histórico todo ‘de a pés’ (como diria o povo da Palestina, a minha terra antes de virar Ibicaraí). Ainda tinha bonde por lá. Ganhei logo a simpatia de todos e fiquei sendo a ‘mascotinha’ da galera. Quando eles saíam, eu ‘colava na tabela’ e ia com eles para todos os lugares.

Durante a semana éramos comedidos. De vez em quando, esperando o carro para me levar em casa, eu dava uma escapulida com um colega e malmente uma cervejinha no Cacique – bar coladinho ao jornal e bem em frente ao monumento do poeta – antes de irmos pra casa.

Mas na sexta-feira, o grupo saía do jornal (eu, Silva Filho, Octacílio Fonseca, Sóstrates Gentil, Genésio Ramos, Fernando Rocha e mais alguns coleguinhas), para ‘visitar’ os bares dos amigos, começando pelo Cacique, depois o Ôce Que Sabe (de Jaime, na Rua Ruy Barbosa), coroando com a feijoada na casa de Octacílio Fonseca, na Ribeira, que era de lei. Carolina já nos esperava com toda simpatia e seus muitos filhotes, todos lindinhos.

No sábado, depois do fechamento da edição, o destino era o Rui (Ladeira da Praça), ou o Porto Moreira (Largo 2 de Julho), e todos os novos botecos que se instalassem na praça. Afinal, precisávamos ficar atualizados com as novidades da cidade. He-he. Tempo bom. Mas agora as opções são bem mais variadas. Tem boteco de todo tipo em toda esquina, com os mais variados frequentadores e tira-gostos.

Adoro ver esta galera nova, cabelo azul ou alaranjado, roupas incríveis, linguagem indecifrável, olhos ornamentados com as mais estranhas sobrancelhas. Muito legal. Se eu estivesse um pouco mais nova, iria aderir ao babado, como fiz na minha época: quebrei muitos paradigmas. Minha mãe ficava atônita quando via a doce filhinha dela metida numa calça jeans, sandália de pneus, blusa indiana e mochila nas costas chegando em Ibicaraí.

E ela não sabia que eu vinha dos lugares mais incríveis do Brasil, viajando de carona. Isso mesmo: nas férias, eu saía sempre com um colega e, com a simpatia e o dedinho na estrada, subia na boleia do caminhão, sem destino certo. Assim conheci do Ceará a Florianópolis.

Aliás, em Floripa tive uma aventura diferente, que me marcou. Eu viajava com o Márcio, um colega, e chegamos lá por volta das 15h. Pegamos um ônibus urbano para a cidade universitária para descolar a dormida. Mas a universidade estava em obras, era areia e cimento pra todo lado. Nem saltamos do ônibus, para economizar a passagem. No meio do caminho de volta para o centro, sentei perto de uma senhora e perguntei: Senhora, os jovens aqui costumam dormir na praia? Aí, ela me jogou o balde gelado: Ah! Minha filha, com meia hora a polícia vai lá e tira todo mundo.

Fazer o quê, fio? Se a polícia vai tirar, chamei o Márcio e paramos numa delegacia. “Quero falar com o delegado, meu lindo”. E entrei: “Doutor, faço faculdade em Salvador e viajo de carona com um colega. Não temos dinheiro para pagar hotel. E soubemos que a policia não deixa dormir na praia. O senhor arruma uma cela para nós dormirmos esta noite”?

O cara quase cai da cadeira: “Estou ouvindo direito? Universitária, bonita, baiana, pedindo para dormir na cadeia?”. Estava. Conversamos um pouco mais, ele pegou o telefone e conversou com uma pessoa: “É, irmã, é uma amiga de Salvador. É só esta noite. Ah! Muito obrigado, irmã”. Descolou, e eu fui dormir no melhor colégio de freira de Floripa, com o carro da policia me levando e indo me buscar no outro dia cedo. Ah! E o Márcio? Dormiu lá, numa cela, pois o colégio era feminino. Me diga, lindinha, tem coisa melhor do que viver? E a gente perde tempo com picuinhas, briguinhas, intriguinhas. A vida tem que ser bem aproveitada pois o tempo não para, velho, se viveu bem, aproveitou; se não, dançou.

E depois desta lição, fica a outra: viaje, sempre que puder. Conhecer lugares, pessoas, costumes, vidas, é a melhor coisa que nos acontece, nos faz engrandecer, nos torna melhores, mais compreensivos, mais humanos. Viaje sempre que puder, para qualquer e todos os lugares, para conhecer todas as gentes, todas as comidas, todos divertimentos, tudo de bom. Vai ver.

Enquanto isso, prove esta delícia. É o camarão com gorgonzola que Lucas, meu sobrinho, prepara quando quer agradar a titia ou a uma namoradinha. Ele mesmo vai para a cozinha. Eu custo a crer que o danadinho domine esta arte (também é o único prato que ele faz. Aprendeu com a necessidade. Diz ele que puxou ao papai Ordival que prepara maravilhas na cozinha). Experimente, lindinha, e veja se tá tudo certinho.  

Camarão com gorgonzola de Lucas

Ingredientes:
-- 1 cebola picada em cubos
-- 2 latas de creme de leite
-- 350g de queijo gorgonzola
-- 100ml de vinho branco
-- Pimenta do reino moída
-- 400g de camarão cozido descascado e sem cabeça

Modo de preparo:

-- Dourar a cebola picada em cubos na manteiga, acrescentar o queijo gorgonzola sólido cortado em cubos pequenos;

-- Esperar derreter o gorgonzola e adicionar o vinho branco até que ele evapore parcialmente;

-- Adicionar o creme de leite e mexer bastante para que o gorgonzola não grude na panela. A medida que o molho de gorgonzola fique consistente, adicionar pimenta do reino à gosto;

-- Em seguida, inserir o camarão cozido, descascado e sem cabeça no recipiente com o molho de gorgonzola ainda quente. Servir acompanhado arroz, purê de batata ou batata frita. Pode ser servido ainda com cogumelos em conserva. Bom apetite!