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Polarização faz com que eleitores não conversem sobre o segundo turno

Grupos de WhatsApp que só reverberam informações que confirmam suas próprias crenças

Foto: Pixabay/Creative Commons
"Bolhas" não se conversam no 2º turno

O segundo turno da eleição presidencial evidenciou a existência de duas "bolhas", dois grupos que não se tocam, que não conseguem se ouvir nem dialogar entre si. De um lado, eleitores e simpatizantes de Jair Bolsonaro (PSL); do outro, eleitores e simpatizantes de Fernando Haddad (PT).

Fechados no conforto de suas redes sociais, em grupos de WhatsApp que só reverberam informações que confirmam suas próprias crenças ou entre amigos que pensam de forma parecida, eleitores de Bolsonaro e Haddad parecem falar sozinhos ou de frente para os próprios espelhos. 

A reportagem do Estado se encontrou com um grupo de apoiadores de Bolsonaro que diz "não perder tempo com quem não quer conversar e é xiita", segundo a gerente de RH Priscila Wilbert.

No encontro com eleitores de Haddad, um sentimento parecido: "Não consigo conversar ou ter relacionamento próximo com 'bolsominions', com quem fala que o Brasil vai virar uma Venezuela com o PT", disse a publicitária Ana Carolina Macedo. Entre essas bolhas, existe ainda um terceiro grupo: pessoas que devem anular ou votar em branco. "Nenhum deles me representa. Em tempos de ódio o não posicionamento é se posicionar", observou a executiva Diane da Costa.

Bolsonaristas contra o 'mimimi'

A gerente de recursos humanos Priscila Wilbert, de 39 anos, diz ter colocado o Facebook no "modo soneca para não ler comentários desagradáveis de eleitores do PT". Ela também saiu de grupos de WhatsApp sobre comunicação não violenta e veganismo por ter sido chamada de racista. Agora, Priscila conta que 90% dos seus amigos e conhecidos votam em Jair Bolsonaro e que não perde tempo em conversar "com quem não quer escutar e é xiita". 

A reportagem do Estado encontrou Priscila e outros três eleitores de Jair Bolsonaro (PSL): o empresário Rogério Wilbert, de 49 anos, marido de Priscila; o analista de sistema Vinícius Souza Diamantino, de 21; e o gerente de projetos Luciano Ramos Junior, de 39. A conversa aconteceu em um lugar definido por eles: a praça de alimentação de um shopping center de São Paulo

Os amigos bolsonaristas dizem que o apoio ao candidato do PSL é um voto contra corrupção, valores distorcidos e o socialismo representado pelo PT. O medo de uma "venezuelização" do Brasil também está presente - assim como um senso de patriotismo. 

"Quero que a minha filha aprenda a cantar o Hino Nacional na escola como eu aprendi", comentou Priscila. 

Nada tem irritado mais Luciano Ramos do que ser chamado de fascista por eleitores de Haddad. "Quando falam que a gente é fascista, está na cara que não estudaram, não sabem o que estão falando e (nem) sequer sabem o que é o fascismo", disse. 

A questão religiosa também parece importante para o grupo de bolsonaristas. Vinicius Souza Diamantino conta que, como cristão evangélico, não pode se omitir - principalmente "pelo apoio à ideologia de gênero" que o PT representa. Segundo eles, o que existe contra Bolsonaro é "mimimi". "Eu sofro preconceito por ser liberal, quase branco, casado com uma mulher, cristão... Minha mulher ganha mais do que eu, e eu acho fantástico", afirmou Ramos. 

Para o grupo, as polêmicas em que o capitão reformado se envolve são "turbinadas" pelos opositores. "São coisas que meu pai falaria e que todo mundo ri. Não tem nada demais", disse.

Haddadistas criticam violência

A publicitária Ana Carolina Macedo, de 28 anos, confessa ser difícil ter empatia por quem vota em Bolsonaro. "Não consigo ter um relacionamento muito próximo com 'bolsominions'. Não dá match " Ela admite que só fala sobre política com pessoas de sua própria bolha e amigos. "Eu não sei como iniciar um debate com quem fala que o Brasil vai virar uma Venezuela se o PT ganhar. É tão absurdo que não tem nem como rebater." 

A reportagem do Estado encontrou Ana Carolina e outros três eleitores de Fernando Haddad (PT): os também formados em publicidade Thiago Guimarães, de 32 anos, Dandara de Carvalho, de 26, e Mariella Nascimento, de 27. A conversa aconteceu em um lugar definido por eles: um bar no bairro Santa Cecília, no centro de São Paulo.

Os amigos haddadistas dizem que o apoio ao candidato petista é um voto "em favor da democracia e contra o discurso do ódio". Embora afirmem que nem todo eleitor de Bolsonaro "seja fascista", eles atribuem à postura do candidato do PSL uma onda de violência nas eleições. "Existe agora o medo de apanhar na rua", disse Thiago Guimarães. "E o kit gay que o Bolsonaro tanto fala? Eu não recebi."

Nada irrita mais Guimarães do que os ataques sistemáticos ao PT. "O antipetismo é bizarro", afirmou. "Muita gente, muito empresário ganhou dinheiro no governo do PT e agora vêm com esse papo de Venezuela", completou. Para ele, o partido lançou luz sobre a corrupção existente e deixou a Polícia Federal investigar como nenhum outro partido fez. 

Para Mariella Nascimento e Dandara de Carvalho, o brasileiro é "preguiçoso" para discutir política - e isso fez com que Bolsonaro crescesse. "Os bolsonaristas dominam melhor as ferramentas de internet. Jogam esse jogo melhor. Eles atuam de forma muito forte e até a exaustão", disse Mariella.

Os eleitores do Haddad também consideram o discurso sobre segurança pública e violência repetido por Bolsonaro algo "fácil" e sem profundidade. "Falar que vai acabar com a bandidagem não é plano de governo", afirmou Ana Carolina.

'Nenhum lado quer entender o outro'

Além de não dialogar entre si, as "bolhas" que apoiam Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) não conseguiram, pelo menos até agora, conversar com eleitores que pertencem a um terceiro grupo: os isentos - aqueles que pretendem anular o voto ou votar em branco no segundo turno. "Nenhum deles me representa", disse Diane Alves da Costa, de 27 anos, executiva de contas de uma rede de hotelaria. 

Esse grupo é formado, em sua maioria, por eleitores de Geraldo Alckmin (PSDB) e João Amoêdo (Novo). Ainda assim, é possível encontrar gente que votou em Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) e outros candidatos no primeiro turno. 

Além disso, são eleitores que, em sua maioria, abdicaram de "bater boca" em redes sociais e grupos de WhatsApp - evitando até conversas mais profundas com seus parentes mais próximos. 

"Em tempos de ódio, o não posicionamento é se posicionar", afirmou Diane. Para não se posicionar, a executiva preferiu não ter em seu celular nenhum grupo de discussão sobre eleições. "Não tem diálogo. Nas redes sociais, um não quer entender o outro", disse. "Tem fanatismo dos dois lados. Já ouvi discursos inflamados de bolsonarista e de petista", completou.

Para o engenheiro agrônomo Caio Cugler Siqueira, de 25 anos, os políticos não entenderam os protestos de 2013 e o efeito da Lava Jato. "O desejo por uma renovação no sistema político foi subestimado."

Clichês

"O País se perdeu em um debate de clichês entre segurança pública, armas, ameaça comunista e Lula, enquanto temas como economia, desemprego, reforma tributária, política e previdência são ignoradas ou superficialmente discutidas", disse Siqueira. 

Ele também não acredita que Haddad nem Bolsonaro sejam capazes de encerrar a polarização, considerando que ambos têm os maiores índices de rejeição entre todos aqueles que se candidataram. 

Na opinião do empresário Afonso Soares Trigo, de 32 anos, eleitor de Marina Silva no primeiro turno, petistas e bolsonaristas agem com arrogância e parecem donos da razão. "É impossível conversar com os dois lados. Eles simplesmente querem impor uma visão de mundo", afirmou. Por enquanto, Soares pretende votar em branco. "Vai ser a primeira vez que vou fazer isso. Ainda não bati o martelo, mas essa é a tendência", afirmou o empresário. 

"O WhatsApp da minha família virou um campo de guerra. Quando não tem ofensa direta, tem alfinetada. Já bloqueei e avisei que nem vou votar", disse a estudante de publicidade Amanda Dias, de 21 anos.