Foto: pxhere/Creative Commons
Tenho duas filhas, uma delas com Síndrome de Down. Obviamente, me preocupo com propostas de inclusão e políticas específicas para os mais de 24% (os dados do último censo são de 2010) dos brasileiros que, como a minha caçula, têm algum tipo de deficiência e, portanto, necessidades especiais.
No entanto, não posso deixar de considerar que minha filha poderia não estar viva se eu e meu marido não tivéssemos emprego e a possibilidade de pagar mais de R$ 500 de plano de saúde para ela (como dependente, fora o que pago como titular) e um valor próximo disso a cada consulta particular que teve que fazer com médicos que trataram de problemas específicos de saúde que ela apresentou pouco depois de nascer. E entre essas despesas se incluem as de três internações hospitalares, mais as da cirurgia cardíaca que ela fez aos 5 meses.
Acho importantíssimo discutir políticas que promovam a inclusão, seja de que natureza for, mas não podemos perder de vista que o direito à vida é prioritário, em qualquer circunstância.
Como mãe de uma criança com Síndrome de Down, o que mais me aflige são as questões relacionadas à saúde. Fico imaginando como é a vida de uma mãe que tem um filho com Down e depende única e exclusivamente do SUS.
Bianca também teve alergia à proteína do leite (APLV), e, mesmo eu tendo excluído totalmente leite e derivados da minha dieta e feito de tudo para continuar a amamentá-la, como os sintomas não desapareciam, quando ela tinha 4 meses, tive de substituir o leite materno por uma fórmula cuja lata custa R$190,00. Passados dois meses, consegui retomar a amamentação com a relactação, mas, ainda assim, até a alergia passar, precisei complementar com a fórmula especial.
Nesse período, conseguimos receber gratuitamente as latas da fórmula de que minha filha precisava graças a um programa público de saúde, em que esse fornecimento é feito de forma muito criteriosa. Tivemos de assistir a uma palestra que explicava tudo que poderia ser feito para garantir o aleitamento materno para as crianças que apresentavam a APLV, para que os pais tivessem certeza de que realmente precisavam da fórmula especial.
Depois passamos por entrevistas demoradas com uma enfermeira, depois com uma médica e, por fim, com uma nutricionista, para que se confirmasse o diagnóstico da APLV antes de ser feita a inclusão no programa.
E a cada mês, passávamos novamente por duas longas consultas com a médica e a nutricionista, que calculavam de forma precisa, com base no peso e na fase do desenvolvimento, a quantidade de latas que deveríamos receber e ainda davam uma série de informações importantes quanto à saúde e à nutrição da criança. Vale ressaltar que todas as profissionais envolvidas eram pessoas extremamente qualificadas.
Programas como esse são exemplos de boa gestão dos recursos públicos. Quantos deixam de existir, porque os recursos são mal empregados ou desviados?
Corrupção exclui da pior forma, mata. E não é exclusiva da classe política. Quanto se sonega nesse país?
Fora o fato de Bolsonaro ter despontado como a única alternativa ao PT, para mim, o mais estarrecedor dessa eleição foi ver Aécio Neves conseguir se eleger, ainda que como deputado, com todas as evidências de corrupção que pairam sobre ele.
A ideia do “rouba, mas faz”, no passado, se limitava a políticos como ACM avô e Maluf. Hoje atingiu os redutos mais improváveis e, sob o indulto do social, vem se tornando aceitável por aqueles que sempre a combateram.
Vejo artistas que vestem a camisa da inclusão e das causas sociais e nunca destinaram parte do seu dinheiro ou do seu trabalho em prol de nada disso. Pelo contrário, usufruem dos benefícios da Lei Rouanet sem gerar uma contrapartida para a sociedade.
Em vez de se criar Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, não seria melhor investir o dinheiro que seria gasto com isso, por exemplo, em creches de boa qualidade para que as mulheres tenham com quem deixar seus filhos para trabalhar?
Quantos homens que enchem o peito para defender as causas feministas abrem mão de seus afazeres, hobbies ou da bunda no sofá para dividir com a esposa as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos?
Quantos lutam por tolerância, pela não-discriminação e agem de forma excludente com quem manifesta uma opinião ou um posicionamento político diferente?
Não é só o país que precisa de reformas.
O meu partido é um coração partido e angustiado por não conseguir me posicionar, mesmo que no sentido de escolher o menos pior.
Só tenho a convicção de que votar num sujeito que diz o que diz e é chamado de mito por um tipo de gente que abomino seria uma violação muito grande dos meus princípios e da minha formação humanista. Mas ao mesmo tempo me custa muito dar um cheque em branco para quem traiu minha confiança.
Só me resta agora aguentar o fogo cruzado.