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"Eleição direta para presidente não resolve a crise", diz Celso Castro

Confira entrevista exclusiva à Tribuna da Bahia

Em entrevista exclusiva à Tribuna, o diretor da Faculdade de Direito da Ufba, Celso Castro, avalia que a ‘vitória’ de Michel Temer no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não lhe garante a conclusão do mandato iniciado por Dilma Rousseff, em 1º de janeiro de 2015. “O presidente ganhou um balão de oxigênio, mas ele continua na UTI.

Não vamos imaginar que o presidente agora foi absolvido dos seus pecados. Há uma preocupação, por exemplo, com o deputado Rodrigo Rocha Loures, com o que ele possa revelar. Há preocupação com o inquérito que não foi respondido à Polícia Federal”, diz o jurista, que é doutor em Direito Administrativo.

Celso Castro disse ter ficado “perplexo” com a “impunidade” aos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, e algozes de Temer. “Acho que foi uma punhalada em todos os brasileiros. O ato de imunidade à denúncia é escandalosamente ilegal, porque a lei diz que não será concedida imunidade de denúncia, que foi o que aconteceu com os irmãos Joesley e Wesley”.

Tribuna da Bahia - Como o senhor está vendo o atual momento do país? Muito tenso?
Celso Castro -
Bastante tenso. Na verdade, os governantes perderam a legitimidade. A Lava Jato é um fator novo. O eleitorado do país está perplexo.
 
Tribuna - Como o senhor vê a postura do Tribunal Superior Eleitoral no julgamento da chapa Dilma-Temer?
Celso Castro - 
Não é uma coisa fácil de analisar. Do ponto de vista da permanência do presidente Temer, ele perdeu a legitimidade a partir do momento em que ele recebeu um empresário quase à meia-noite em agenda não oficial, para conversas pouco republicanas. Por outro lado, não cabe a um tribunal eleitoral sair cassando mandatos de presidentes da República. Isso terminaria por deixar o voto popular numa situação bastante fragilizada. Numa maioria apertada, de 4 a 3 de qualquer lado que fosse, poderia invalidar os votos dos eleitores. É preciso olhar também por esse lado. Não é possível dar um empoderamento tão grande a um tribunal eleitoral. Pelo menos boa parte da população compreende que o presidente Temer perdeu sua governabilidade. Mas não sei se é exatamente pela via da Justiça que nós podemos anular os votos concedidos pelo povo por via democrática. Isso, porém, não implica que os responsáveis sejam julgados criminalmente. Isso geraria precedentes.

Tribuna - Que precedentes seriam gerados?
Celso Castro -
Se nós pudermos, por fatos novos ou fatos que vão ocorrer a cada momento, cassar um mandato, nenhum mandatário teria segurança. Os responsáveis guardariam fatos para revelar no momento em que fosse oportuno para retomar o mandato. A Constituição dá 15 dias apenas depois da diplomação para que se entre com uma ação. Aí ia dizer: ‘Olha, os fatos revelados até aqui são os que importam para essa situação’. Pode não ser a verdade real, mas a verdade possível. Se não, nós geramos uma instabilidade muito forte. A Constituição é clara quando diz que somente 15 dias após a diplomação. E veja que no primeiro momento, esse processo foi arquivado. Houve grandes protestos, porque o quadro era outro, a situação era outra. A partir de 15 dias depois da diplomação, a Justiça Eleitoral não tem mais competência para julgar. 

Tribuna - O fato de a Justiça Eleitoral abrir mão considerar as provas, de certa forma, não frustra a expectativa da população?
Celso Castro -
Frustra muito a expectativa da população. Mas é exatamente esse, muitas vezes, o papel dos tribunais, de não seguir esse clamor popular, porque se não, ele perde o norte. Tem que obedecer as regras do jogo. Essa regra deve valer para todos. Isso é que às vezes a grande população não vai entender. Tem por exemplo as garantias de habeas corpus, garantia de julgamentos tem exceção. Aí vai dizer: ‘Ah, mais não é correto’. Essa é uma lógica que nem sempre é muito compreendida. Nenhum país no mundo consegue cassar tantos políticos quanto o Brasil.
 
Tribuna - A OAB pediu impeachment de Temer. Como o senhor vê a situação do presidente? Até quando ele se mantém no poder?
Celso Castro -
O presidente ganhou um balão de oxigênio, mas ele continua na UTI. Não vamos imaginar que o presidente agora foi absolvido dos seus pecados. Há uma preocupação, por exemplo, com o deputado Rodrigo Rocha Loures, com o que ele possa revelar. Há preocupação com o inquérito que não foi respondido à Polícia Federal. Apesar de ter ganhado esse balão de oxigênio, o presidente Michel Temer continua gravemente doente na UTI. Nós imaginamos que esse processo se arraste por muito tempo. O presidente Temer já tinha a legitimidade baixa, e agora deve ter descido e quase caído no chão, quase a nível zero. Eu não sei até que ponto ele continuará nessa agonia.

Tribuna - O que mais causa perplexidade, na divulgação das gravações que foram feitas pela JBS?
Celso Castro -
O que me causa perplexidade nem é o que teria sido dito, é o que não foi feito. O presidente poderia ter expulsado o Joesley Batista do Palácio. Poderia ter denunciado que ele não tem nada a ver com essa situação. Caberia ao presidente se indignar. A postura dele pelo que ele não fez, e menos pelo que ele possa ter dito, é absolutamente incompatível com a honra e com o decoro para o cargo. Não há nenhuma dúvida nesse caso quanto ao cabimento do impeachment no presidente Temer.
 
Tribuna - Qual a saída jurídica para o caos instalado no país?
Celso Castro -
A democracia às vezes tem preço. Pior ainda é o presidencialismo. Por exemplo, na Inglaterra há também uma crise muito grande agora, com a convocação de uma eleição onde a primeira ministra obteve maioria, portanto não consegue se estabilizar. Mas o parlamentarismo resolve essas crises com mais rapidez. O presidencialismo, não. O presidencialismo tem um mandato certo. A não aprovação, a inviabilização do governo pode levar à queda do Temer. Embora haja notícias de que ele pretende deixar o Brasil sangrando. Nessas crises nós conseguimos as nossas soluções. Quem sabe numa pressão muito rápida se consiga um impeachment e um afastamento a curto prazo, sem as delongas todas como se deu no afastamento da presidente Dilma Rousseff. Como está, é muito ruim para o país, que se vê sem futuro, sem uma perspectiva. Tem à vista uma eleição indireta. Mas aí se perguntaria: a eleição direta resolve? Não muito, porque você vai gerar de forma direta o presidente da República. Mas você vai contra com o que? Com um Congresso fortemente de oposição. Ele vai se eleger sozinho presidente da República, e vai ter esse mesmo Congresso contaminado por processos e por corrupção. É uma situação em que a eleição direta para presidente não resolve a crise. A crise é mais profunda.

Tribuna - As últimas delações igualam Dilma, Lula, Temer, Aécio e toda a cúpula política do país?
Celso Castro -
As delações em si não são provas. A lei diz claramente que a palavra do delator deve vir acompanhada de provas. Mas há delações que na verdade são tão repetidas, que elas geram uma presunção muito grande. Nesse sentido político, não tenho dúvida nenhuma de dizer que estão todos nivelados. Está provado que havia um lamaçal que explodiu de uma hora para outra a partir dessa mecânica contemporânea que é de premiar aqueles que denunciam fatos de que tenham conhecimento. Embora o que JBS faz ajuda, mas querer sair sem punição... É rigorosamente incrível que alguém aposte para ganhar dinheiro dentro dessa situação. O país está vivendo um momento de assepsia, de limpeza. Eu acho isso muito importante. O preço é alto. Temos muito desempregos. Isso poderia ser evitado? Sim. Porque o dirigente não é a empresa. A empresa é o operário. Temos que ter também essa preocupação com a economia. O juiz da Lava Jato no seu ímpeto de punir pode estar cometendo exageros. Mas nós estamos vendo pela primeira vez uma crença na Justiça, quando pessoas muito ricas e muito poderosas acabam também sendo presas. É um recado muito claro de que ninguém está acima da lei. Não há nenhum sobressalto institucional. Ninguém cogita golpes militares. Há um momento de arrumação, há um grande terremoto, mas que vai varrer muita sujeira também, que vai na verdade sacudir muita coisa que está no subsolo. Por exemplo, o caixa 2 é tratado como algo absolutamente irrelevante, algo praticado por todos. Uma pessoa do marketing disse: ‘Olha, todos nós recebemos caixa 2’. Então, isso não é um problema partidário. Tem também a ineficiência. Na hora em que se abrir a questão do BNDES, onde bilhões e bilhões de reais, isso vai tornar a Petrobras uma coisa muito pequena. Os valores desconhecidos não abertos, não tornados públicos doados pela Petrobras, a Petrobras tomava dinheiro a 14% no BNDES, que emprestava a empresas como a JBS a 5%. O que a JBS fazia? Gerava emprego nos Estados Unidos, comprava empresas nos Estados Unidos. Ora, o Brasil financiava a compra de empresas nos EUA para gerar emprego lá. Então, isso é no mínimo uma ineficiência. O BNDES tem uma estrutura técnica e burocrática, mas as políticas governamentais e financiamentos em Angola, de financiamentos na Bolívia, na tentativa de o Brasil ser líder de um chamado eixo regional, terminou por comprometer seriamente a política de eficiência do País. Isso é uma questão que ainda vai ser aberta. Estamos tendo um raio X, estamos tendo um desenho da questão institucional.
 
Tribuna - É justo quem revela questões tão escabrosas da vida política do País sair livre, sem uma tornozeleira sequer, como os delatores da JBS?
Celso Castro -
Eu acho um absurdo. Acho que foi uma punhalada em todos os brasileiros. Tem um cantor que chama Wesley Safadão. Mas safadões na verdade são esses daí. Ele devia tomar de empréstimo esse nome para ser identificado. O ato de imunidade à denúncia é escandalosamente ilegal, porque a lei diz que não será concedida imunidade de denúncia, que foi o que aconteceu com os irmãos Joesley e Wesley. A qualquer pessoa, salvo os índios da Amazônia ainda não contatados, todos nós sabemos que Joesle1y e Wesley são líderes de quadrilha, e são proibidos de ter esse benefício que tiveram.
 
Tribuna - As delações da Odebrecht e da OAS colocam de certo modo tanto o Legislativo quanto o Executivo na berlinda?
Celso Castro -
Todos os dois estão emparedados. Executivo e Legislativo não têm voz para protestar, porque grande parte de seus representantes está na lista. É por isso que eu digo que não basta apenas eleger um presidente da República. O problema não está no Temer. Ele pode ter apresentado reformas que sejam adequadas, mas ele perdeu a credibilidade para propor qualquer reforma. Um novo presidente com este Congresso que está aí vai conseguir alguma coisa? Não. Não vai. Não vai porque ele vai encontrar uma estrutura... Para conseguir alguma coisa no Congresso, tem que ter alguém que pare a Lava Jato. Essa é a grande aspiração de boa parte do Congresso Nacional.

Tribuna - Sendo a corrupção uma questão endêmica, o que fazem nossos tribunais e controladorias nesse processo todo que parecem não ver esse mar de dinheiro sendo jogado agora à tona que está sendo através da corrupção?
Celso Castro -
Eles têm estruturas arcaicas. A verdade é que os mecanismos de corrupção se sofisticaram de tal maneira, e os órgãos de controle não têm tecnologia, não têm foco, saem buscando às vezes em lugares errados. Eu vejo a Receita Federal quando chega e manda alguém devolver um assalariado R$200, R$300, R$500 por um erro na declaração do imposto de renda. Eles deveriam estar se concentrando nos grandes volumes de corrupção, e não às vezes em pequenos erros ou em pequenas situações. Os órgãos de controle de corrupção não se prepararam, não estão na mesma velocidade, não estão tecnologicamente aptos a alcançar o nível de sofisticação que o modelo da corrupção tem. Hoje, por exemplo, nós avançamos bastante na chamada cooperação internacional. Os países quebram sigilos bancários e informam dados. Então, o Ministério Público Federal, por exemplo, viaja sempre para a Suíça, para os Estados Unidos, para a Inglaterra, onde há vestígios de dinheiro ocultado. Colocar dinheiro hoje numa conta suíça ou em qualquer outro paraíso fiscal, é apertar o dedo no computador. Não precisa alguém levar a mala de dinheiro. Ele transfere tudo. Nossos mecanismos sequer foram ensinados na universidade de direito. A turma toda com formação jurídica aprendeu a combater outro tipo de crime, homicídio, o indivíduo está lá com o revólver e mata o outro... Essa questão da organização criminosa ainda mão está alcançada pela nossa aparelhagem investigatória de modo suficiente, embora tenhamos avançado.
 
Tribuna - A morosidade da Justiça e os foros privilegiados estimulam o crime contra o bem público?
Celso Castro -
Sem dúvida nenhuma. A morosidade da Justiça, junto com os foros privilegiados, eterniza os processos. Ainda que nós tivéssemos um foro privilegiado, jamais, Supremo nenhum cuida de crime. Eles não têm aptidão, não têm vocação, eles têm um número pequeno, eles não têm traquejo nessa questão. É como se você dissesse: ‘Olha, eu tenho médicos que raramente atuam nesse caso’. Porque os ministros do Supremo chegaram a um ponto em que eles têm questões nacionais, eles têm decidido sobre anecéfalos, eles têm decidido sobre cotas raciais, mas eles não têm aparato. Então, é um processo que dura muitos anos, e nunca se chega a um resultado. Os advogados muito prestigiosos conseguem levar um processo até o nível da prescrição. Então, o crime acaba compensando. É preciso mudar essa estrutura do Judiciário, rever essa política de foro privilegiado. Isso é fundamental para ajudar no combate a essa criminalidade, que tem toda uma diferença daquela criminalidade comum. Ela é feita com organização de centenas, senão de milhares de pessoas.
 
Tribuna - Numa estrutura tão complexa quanto a do Estado brasileiro, como a sociedade pode fiscalizar mais e ajudar a combater a roubalheira que está aí?
Celso Castro -
Algumas experiências têm sido boas. Nas cidades, os conselhos municipais que possam investigar a fundo as coisas. Porque é muito difícil num país de dimensões continentais. Nós sabemos o que acontece com o orçamento em Brasília. Qual a definição de prioridades de ações do governo. Veja que, por exemplo, lá ninguém é acusado de corrupção, mas somente um país subdesenvolvido como o nosso teria feito uma Copa do Mundo. Em vez de gastar com o evento esportivo, nós podíamos ter gastado com creches, com hospitais, com escolas, com uma série de ações. Isso é de algum modo um sistema de corrupção. Quem me ga-rante que as empreiteiras não influenciaram pela opção chamada estádios ou pela opção Copa do Mundo? Quando a Constituição diz que a prioridade absoluta é a criança abandonada, por que a criança que até os dois anos de idade tem subnutrição, ela nunca mais vai se recuperar. Isso são dados da Organização Mundial da Saúde. Nós temos que garantir o futuro de nossas crianças. Não precisa de um estádio tão bonito e luxuoso para a Copa e depois ele não ter mais público para ocupá-lo. A opção de copa do mundo deve ser para países que têm dinheiro sobrando. A Suíça disse: ‘Eu não tenho dinheiro para fazer as olimpíadas de 2022’. Veja que é a Suíça. Imagine isso, um país com o capital e o desenvolvimento que tem neg ar isso, porque as prioridades deles são outras. A Suécia já tinha dito a mesma coisa. Quando digo que há corrupção, mas ineficiência também, isso é um fato real. As políticas públicas não são controladas. Faz-se uma estrada sem saber se é necessário, simplesmente porque alguém tem prestígio para pedir a construção dela. No Mato Grosso tem um estádio monumental, um estádio fantástico. Agora, você veja quais são os times de lá. São times da quarta divisão do futebol brasileiro. Então, não faz sentido uma coisa dessas. Quando você enfrenta escassez de recursos, estabelecer prioridades é o dever de qualquer governante.

Colaborou: Romulo Faro