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"Governo Federal quer asfixiar a Lava Jato", afirma procurador

Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa, em Curitiba, afirma que cortes na PF são "estratégia de governo" para 'sufocar lentamente' investigações contra corrupção e atender 'interesses político partidário'

O procurador Regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, afirma que os cortes orçamentários e o esvaziamento da equipe da Polícia Federal fazem parte de uma “estratégia de governo” para “sufocar lentamente” as investigações contra a corrupção.

“O governo preferiu o método suave, o sufocamento lento”, diz Carlos Fernando, decano da equipe de 13 procuradores da República que integram a Lava Jato em Curitiba. Foram eles que iniciaram as apurações em 2014 e encurralaram Odebrecht, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros poderosos.

“Tirando a Polícia Federal, nós ficamos sem o braço operacional. Nós temos dificuldade de fazermos novas operações. Isso tem até se refletido já nesse ano com poucos operações e de menor grau.”

Carlos Fernando falou com exclusividade nesta sexta-feira, 26, ao Estadão sobre a ameaça silenciosa que ronda a Lava Jato, em Curitiba.

“O que eles estão dizendo, obviamente, é que a Lava Jato não é mais prioridade.”

Estadão: Os números do orçamento da Lava Jato mostram um corte em 2017 e houve redução de delegados em Curitiba. Querem frear as investigações?

Procurador Regional da República Carlos Fernando do Santos Lima: É uma estratégia clara de governo de atender interesses político partidário no sentido de sufocar a Lava Jato. Como custa muito caro, em termo de comunicação, as medidas que vão direto contra a Lava Jato, como o Congresso Nacional tentou fazer com o abuso de autoridade, ou a anistia do caixa 2, o governo preferiu o método suave. O sufocamento lento.

Tirando a Polícia Federal, nós ficamos sem o braço operacional. Nós temos dificuldade de fazermos novas operações. Isso tem até se refletido já nesse ano com poucos operações e de menor grau. E também temos dificuldade no apoio pericial, fica muito difícil dar conta de todo material de buscas e apreensões de operações anteriores que já estavam atrasadas com as limitações anteriores de pessoal. Agora ficou ainda mais complicado.

Estadão: Houve mudanças no ritmo de desencadeamento de operações, com alternância entre Polícia e Ministério Público nas deflagrações das fases ostensivas, para dar condições de fluxo aos inquéritos e aos procedimentos da Procuradoria. Isso foi alterado?

Carlos Fernando: Tínhamos um trabalho conjunto de investigações. Algumas eram conduzidas mais pela nossa equipe, outras mais pela equipe de delegados. E a medida do possível fazíamos reuniões para compatibilizá-las, mesmo porque temos que lembrar que o juiz é um só, então temos que manter um fluxo que seja capaz de passar pelo funil do Judiciário. Só que agora temos um problema que vai além disso, porque o estreitamento da capacidade operacional da Polícia Federal dificulta inclusive as nossas investigações que podemos conduzir lá. Sempre tem o aspecto de uma operação, sempre tem movimentação de pessoas, pagamento de diárias e tudo isso significa dinheiro.

Estado: A Lava Jato custa caro ao País?

Carlos Fernando: A Lava Jato é uma operação superavitária em termos de recuperação de valores para o Estado brasileiro. Ela custa infinitamente menos do que os valores dispendidos nela. Seja no Ministério Público, seja na Polícia Federal.

É incompreensível essa interpretação de que nós temos que ser contingenciados. O serviço público só tem a ganhar com esse tipo de investigação.

Estadão: O argumento dado pela direção geral da Polícia Federal de que as outras operações que estão surgindo nos outros estados e, por isso, a mudança de equipe é justo?

Carlos Fernando: É daquelas explicações que são fáceis de serem feitas, mas que quando você aprofunda um pouco a discussão, elas não tem o menor sentido, o menor cabimento.

O cobertor sempre é curto, nós vivemos em qualquer serviço público, em qualquer lugar do mundo, o cobertor é curto, isso é natural que seja assim.
Entretanto, serviço público e bem gerenciado é gerenciar prioridades.

O que eles estão dizendo, obviamente, é que a Lava Jato não é mais prioridade.

Existem outros crimes, que você tem que deixar talvez menos de lado, se preocupar menos, para se dar mais foco a outros crimes. Então esse gerenciamento de prioridades é o que falta. Ou então até que seja bem compreendido pelas pessoas que gerenciam o orçamento. Ao você destinar menos valores, você está dizendo que talvez moeda falsa e outros crimes menores, crimes contra os Correios sejam mais importante que a Lava Jato.
E isso é impossível de aceitar.

Estadão: Não a primeira contraofensiva política contra Lava Jato. Em 2015 na prisão dos Odebrecht, em 2016 quando chegou a Lula e ao PMDB foi assim e houve muita movimentação no Congresso. Agora o risco é interno das instituições de investigação. A preocupação é maior?

Carlos Fernando: Está acontecendo não somente na polícia, nos diversos órgãos públicos envolvidos com esses fatos. Ela se dá de uma forma sorrateira e travestida sempre com roupagem de legalidade, de conveniência, sempre com uma justificativa.

Entretanto, quando você vê que órgãos públicos ao invés de investigar e processar as pessoas que são reveladas pelos acordos de colaboração e leniência, como políticos e outras empresas, elas pegam as provas produzidas pelo próprio colaborador e vão contra o colaborador. Qual é a mensagem que elas dão? Elas dão a mensagem para que as pessoas não façam colaboração. E porque querem que não façam? Para que não se revelem outros fatos.
Um colaborador revela 10, 20 fatos criminosos. R$ 1 milhão que possamos perdoar dele trazem R$ 100 milhões de outras pessoas reveladas.

Estadão: Não é a reação natural do delatado?

Carlos Fernando: O que esperávamos era que o governo compreendesse isso, porque é o espírito da lei. O espírito da lei é ir contra as pessoas reveladas. No entanto, eles preferem entrar com ações, como a AGU (Advocacia Geral da União) contra colaboradores e tentar bloquear valores de empresas colaboradoras.

Na verdade, só tem como última razão impedi-las de colaborar, torná-las exemplo do que não deve ser feito, de que não se deve colaborar com o Estado, porque ninguém quer efetivamente essa colaboração, especialmente nesse tipo de crime.

Estado: Para o senhor esse recado vem do próprio governo, do Planalto?

Carlos Fernando: Isso é uma estratégia de governo. Não é no governo no bom sentido, é o governo partidário, interesse político partidário.
O Ministério Público está tentando buscar o interesse público do Estado brasileiro. E eles estão interessados no interesse político partidário.
O objetivo na verdade é impedir a continuidade das operações.

Matar a Lava Jato é matar as informações.