O presidente da OAB Bahia, o advogado Luiz Viana Queiroz, avalia que o Brasil está vivendo um momento “bastante grave”. Em entrevista à Tribuna, ele afirma que a única saída para a crise é consultar a população para encontrar uma solução democrática. A OAB-BA foi uma das 25 seccionais que votaram a favor do processo de impeachment de Michel Temer (PMDB), deliberado pelo Conselho Federal da ordem na noite do último sábado.
Apesar das graves denúncias reveladas pela delação da JBS e da Odebrecht, Viana acredita que as instituições estão funcionando e que é preciso promover algumas mudanças na Constituição. Ainda na entrevista, ele fala sobre a polêmica envolvendo o senador Aécio Neves (PSDB-MG), sobre o julgamento da chapa Dilma-Temer e a Operação Lava Jato, criticando o que ele chama de “abusos”.
TRIBUNA - Qual a avaliação que o senhor faz do encontro da OAB em Brasília, no último sábado?
Luiz Viana Queiroz - Diante da gravidade da situação do país, o Conselho Federal deliberou que existem elementos suficientes que configuram Crime de Responsabilidade e vai fazer o pedido de impeachment do presidente da República. É uma situação que ninguém estava feliz, mas cumprindo os seus deveres. A OAB atuou com ampla maioria. São 27 estados. Estavam 26 presentes porque o Acre não conseguiu chegar e apenas o Amapá que votou contra, considerando que era preciso mais elementos. Então, é um momento grave e importante. Acho que é muito importante basicamente três coisas: primeiro que as soluções das crises do país passam pela política e não fora dela; segundo que nem todos os políticos estão nesse mar de lama; e terceiro, fiz uma sugestão ontem que a OAB faça, junto com outras entidades da sociedade civil, tentassem estabelecer um diálogo com a sociedade política. Acho que seria uma das formas de a gente contribuir, não apenas pedindo o impeachment, mas efetivamente estabelecendo um diálogo mais objetivo. Sugeri, especificamente quando a OAB se manifestou contra a Reforma da Previdência, isso foi feito em conjunto com mais 190 entidades da sociedade civil, que se fosse possível estabelecer uma pauta mínima para o país. A preservação dos Direitos Fundamentais que estão na Constituição e os tratados de Direitos Humanos. Sugeri ao presidente Lamachia que esse diálogo fosse inspirado na OAB do Espírito Santo, na qual o presidente Homero Mafra propôs isso inspirado no Pacto de Moncloa. Quando houve o pós-Franco na Espanha, o país estava em uma convulsão muito grande e eles conseguiram sair daquele momento especificamente depois de um grande pacto nacional. A nossa grande diferença é que lá tinha um rei que foi, digamos assim, um fator de aglutinação e de unidade nacional. Nós hoje não temos isso, então é um desafio ainda maior. Mas acho que a sociedade civil pode ter um papel importante sem querer substituir a sociedade política.
Tribuna - A OAB Bahia pediu o impeachment do presidente Michel Temer e hoje defendeu novas eleições. Como foi construída essa decisão?
Viana - O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, convocou uma sessão extraordinária do Conselho Federal sábado, em Brasília, para deliberar sobre isso. E chamou as OABs dos estados para que tomassem as suas deliberações. Então nós aqui da Bahia convocamos uma sessão extraordinária e deliberamos. A decisão foi construída a partir de uma solicitação do presidente nacional da OAB e foi feita uma convocação extraordinária. Os conselheiros se reuniram e discutiram basicamente dois temas: a possibilidade de pedir o impeachment do Presidente da República e a possibilidade de eleições diretas. O relator do processo foi o conselheiro Marcos Sampaio, que emitiu um voto no sentido de que estavam demonstrados indícios suficientes de crime de responsabilidade do presidente e, portanto, indicamos aos nossos conselheiros federais que levem a posição da Bahia para pedir abertura do impeachment. Já existem indícios suficientes para a admissibilidade do pedido de impeachment. As provas serão produzidas ao longo do processo, mas hoje a unanimidade do Conselho da Bahia entendeu que há indícios suficientes, sobretudo a partir da quebra do sigilo do inquérito que corre no STF. O ministro Edson Fachin quebrou o sigilo e nós podemos ter acesso ao que está no inquérito. Foram essas informações que embasaram o voto do conselho.
Tribuna - Como o senhor avalia o momento do país, presidente? Tenso? Instável?
Viana - Eu avalio que é um momento grave da nação. O momento em que todos, a cidadania e as instituições precisam ter firmeza e serenidade para adotar as medidas constitucionalmente previstas para a proteção da própria República. É um momento grave, que não só envolve o Presidente da República, mas também boa parte da elite política de Brasília e de alguns estados. Portanto, devemos ter cautela, mas firmeza. Foi isso que fez o conselho seccional hoje. Teve prudência e cautela para tomar uma posição.
Tribuna - O que causa mais perplexidade na visão senhor?
Viana - O que causa mais perplexidade é, primeiro, a quantidade e os números dos valores envolvidos da corrupção. [Depois] a quantidade de pessoas envolvidas na corrupção, pelo menos no que aparece publicamente. Hoje se torna público, sobretudo a partir da delação da Odebrecht e agora com a da JBS, que a vida política e dos partidos em Brasília estão intrinsecamente ligadas a ilícitos praticados com dinheiro público. Isso gera uma perplexidade para todos.
Tribuna - Inocência, soberba ou certeza da impunidade na gravação do presidente Michel Temer?
Viana - Eu acho que é uma mistura. Eu não conhecia o dono da JBS, conheci agora que aparece todos os dias na televisão. Deu a impressão que é um misto das duas coisas: pareceu uma fragilidade impressionante de como é possível gravar um Presidente da República e, por outro lado, a facilidade de como o Presidente recebe durante a noite, no Palácio, um empresário que está sendo investigado. É um misto do que você falou. Um pouco de soberba e a coisa da impunidade. Por outro lado, as conversas pessoais gravadas demonstram muito a alma dos políticos que estão sendo gravados, porque eles se expõem na medida que não sabiam das gravações. É impressionante como se trata os negócios ilícitos da vida política como se fosse uma coisa corriqueira.
Tribuna - O presidente Michel Temer continuará tendo condições de governabilidade mesmo com o apoio de parte do Congresso e até quando ele se mantém no poder?
Viana - Essa é uma questão difícil de responder, porque não transito em Brasília e não sei fazer uma avaliação política. Mas a avaliação da OAB da Bahia é que ele perdeu legitimidade para continuar presidindo o país. Então, estamos indicando ao Conselho Federal o pedido de impeachment. Ao mesmo tempo, o Conselho da OAB Bahia, ao decidir pedir o impeachment, também decidiu em unanimidade recomendar ao presidente Lamachia que, uma vez protocolizado o pedido de impeachment, haja um ato público conclamando o presidente à renúncia para que seja abreviada a agonia do país. Mesmo ele dizendo que não vai renunciar, o conselheiro Rodrigo Magalhães, sendo acompanhando pelo conselheiro Domingo Arjones, fez essa proposição sendo acompanhado por unanimidade pelo conselho.
Tribuna - Qual a saída jurídica para esse caos que a gente vive no Brasil?
Viana - Eu vou usar uma frase que aprendi com o meu avô, que foi aliado político e discípulo do governador Mangabeira: “Os males da democracia se curam com mais democracia”. As soluções jurídicas que precisam ser encontradas são aquelas que dizem respeito a recuperação da legitimidade democrática. Esse acho que é o grande desafio de todos nós hoje e das lideranças políticas: precisamos encontrar um arcabouço jurídico, que significa respeitar a Constituição e as leis do país, mas que permita uma governabilidade com mais tranquilidade. Isso exigiria um pacto pela nação, um pacto pelo país, a exemplo do que aconteceu na Espanha com o Pacto de Mocloa. A grande diferença é que na Espanha tinha um rei que era capaz de fazer isso e hoje nós não temos ninguém que seja capaz de unificar a nação para um grande pacto. Por isso, também entendeu a OAB da Bahia, que uma das formas de encaminhar a superação da crise seria chamar um povo para eleger um novo presidente e vice-presidente até a eleição de 2018. Para isso, seria preciso mudar a Constituição. A Constituição hoje, no seu artigo 81, afirma que em caso de vacância do presidente e do vice até a primeira metade do mandato, é previsto a realização de eleições diretas. Se for a partir da segunda metade, eleição indireta pelo Congresso. Então, nós entendemos que haveria um aumento de legitimidade e algo muito positivo para o país se chamássemos eleição direta agora até as eleições gerais de 2018. Com todas as dificuldades que isso significa, porque isso será um grande desafio se for aprovada a emenda constitucional, porque você vai ter todo o arcabouço legislativo para permitir uma eleição em 90 dias e com a ampla participação dos partidos políticos. Portanto, não é uma coisa simples e fácil. Não é uma coisa que vai se realizar sem traumas, mas o que a OAB da Bahia entendeu hoje é que um dos caminhos possíveis seria submeter ao povo a decisão através de uma eleição direta.
Tribuna - O senhor acredita que só com a pressão efetiva da população o Congresso Nacional vai alterar a Constituição para permitir novas eleições gerais?
Viana - Eu não tenho a menor dúvida que não só essa, mas todas as reformas sensíveis, sobretudo a Reforma Política, só acontecem com a pressão popular. Foi assim com a Ficha Limpa e com a alteração arcabouço legislativo das eleições no Brasil. Eu acho que é o que poderá acontecer. É preciso que a cidadania brasileira se manifeste, demonstre seus interesses e o Congresso Nacional possa, sensibilizado, encontrar o melhor caminho.
Tribuna - Como o senhor viu o vazamento da gravação do senador Aécio Neves e a situação dele hoje?
Viana - Eu estava desde ontem e até hoje (sexta) muito mobilizado para fazer a sessão do nosso conselho a partir da convocação do presidente Lamachia. Não acompanhei tudo. Vi algumas coisas na televisão e o que vi foram gravações estarrecedoras da relação do senador Aécio Neves, presidente de um dos maiores partidos da nação, conversando com um empresário e tratando de coisas chocantes com uma simplicidade e linguajar coloquial como se fosse uma coisa corriqueira. O que vai acontecer com o senador Aécio Neves eu não sei, não sou de Minas, mas me pareceu que a vida política dele vai ficar muito comprometida daqui para a frente. Mas como tudo na política temos que esperar para ver como vai ser o desenvolvimento desse processo político atual.
Tribuna As últimas delações igualam Temer, Dilma, Lula e Aécio?
Viana - Acho que as últimas delações demonstram que essa questão do tráfico de influência, do manejo de muito dinheiro e dos recursos públicos envolvidos, sobrepassam as diferenças partidárias. Mas não gostaria de emitir juízo de culpabilidade sobre absolutamente ninguém.
Tribuna - O senhor acredita que é justo que quem revela passagens tão escabrosas saia da história livre sem uma tornozeleira sequer?
Viana - Eu penso que essa questão da Justiça diz respeito ao cumprimento da legislação. O que é justo ou injusto depende do cumprimento da lei. Penso, não como jurista, mas como cidadão, que é algo que exige uma reflexão e uma ponderação. Me chama a atenção o fato de ser possível fazer um acordo com o Ministério Público em que se afaste completamente a incidência da legislação penal. Mas não sou penalista, não tenho conhecimento técnico. Apenas como cidadão, isso me impressiona. Penso que é preciso que as pessoas que cometeram ilícitos tão graves sofram alguma punição, que não seja apenas a punição patrimonial. Mas, para mim, a Justiça estará na medida do cumprimento da lei.
Tribuna - O sistema político em vigor no país hoje dá a comprovação de que está apodrecido?
Viana - Depende do que você está chamando de sistema. Eu, como sou da área do direito, tendo a olhar as coisas a partir do que eu entendo da parte jurídica. Mas, nesse momento, a parte jurídica não é a mais importante. Acho que o sistema jurídico está apodrecido, acho que é preciso aperfeiçoá-lo. A Constituição Brasileira atual é aquela que nos deu o maior período de democracia da história do nosso país. Não é uma coisa de se jogar fora. Agora, a vida política e a sociedade polícia brasileira, sobretudo as nossas lideranças eleitas, precisam ser revistas. É preciso que o Brasil se encontre consigo mesmo, se olhe no espelho e faça as reformas democráticas que a gente precisa. Lhe diria, citando o governador Mangabeira, que é preciso ampliar a participação popular para que haja maior controle a partir do próprio povo.
Tribuna - Como o senhor avalia os últimos acontecimentos da Operação Lava Jato e o depoimento do ex-presidente Lula na última semana?
Viana - É preciso, ao mesmo tempo, reconhecer que a Operação Lava Jato tem desnudado o país e que, portanto, remexido as estranhas da forma como o dinheiro público vem sendo utilizado indevidamente pelos partidos políticos nas eleições. Mas ao mesmo tempo é preciso fazer uma crítica jurídica pertinente quando acontecem abusos. Eu, como dirigente da OAB, penso que é preciso reconhecer o aspecto positivo da Lava-Jato, mas penso que é preciso realizar um juízo crítico dos abusos. Vou dar um exemplo: conduções coercitivas sem que haja negativa daquele que foi conduzido, não vejo amparo na legislação penal apesar de ser utilizado amplamente pela Operação Lava Jato. Prefiro ter uma posição de reconhecer aspectos positivos e me permitir ter uma visão crítica em aspectos jurídicos sobretudo no processo penal.
Tribuna - A delação da Odebrecht e da OAS coloca legislativo e executivo na berlinda?
Viana - Acho que coloca setores significativos da sociedade política. Mas não acho que comprometa os poderes, acho que isso é importante destacar. Acho que compromete bastante setores que exercem mandatos, mas não tem impedido o funcionamento das instituições. Temos todas as instituições funcionando no país. Precisamos reforçar o funcionamento independente, livre e democrático das instituições e, no caso específico que você perguntou, de dois dos principais poderes do país.
Tribuna - A gente tem a possibilidade de mais delações de outros nomes da cúpula política do país, como do ex-ministro Antônio Palocci, que chegou a ameaçar nomes e detalhes de pessoas envolvidas nos esquemas do PT. Isso tem mais combustível para queimar a Lava-Jato por mais um ano?
Viana - As coisas estão acontecendo tão rapidamente no país. A gente não consegue tranquilidade em relação a esses fatos por mais de 24 ou 48 horas. Em relação a futuras delações, temos que esperar para ver o que vai acontecer e acompanhar essa dinâmica desse processo político muito rápido no Brasil.
Tribuna - Qual a expectativa para o julgamento da chapa Dilma-Temer? Esses acontecimentos pressionam o próprio Tribunal Superior Eleitoral para que se posicione...
Viana - Eu, como sou advogado da área eleitoral, não tenho condições de fazer um juízo sobre o processo. Acho que seria, de certa forma, leviano da minha parte fazer juízo. O que conheço é o que vejo na imprensa. O que espero é que o TSE tome uma decisão estritamente amparada no direito, sem que haja contaminação política, e que decida aquilo que a legislação e a Constituição determina, que é preservar a legitimidade das eleições e punir aqueles que tenham cometido efetivamente abusos.
Tribuna - Qual a mensagem que o senhor deixa para a população nesse momento de tensão, de instabilidade e de descrédito nos políticos do país?
Viana - Uma mensagem de esperança. Acho que nesse momento temos todos que ter prudência e firmeza para enfrentar esse momento de crise, mas os momentos de crise são uma oportunidade para que possamos avançar. Tenho a firme esperança de que, dentro do processo democrático, nós haveremos de fazer uma reforma profunda nos costumes políticos do Brasil, ampliando a participação popular e a vida democrática do país. O Brasil precisa de mais e mais democracia.