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"Carnaval de Salvador continua forte e pujante", diz empresário

Confira entrevista exclusiva com o empresário Joaquim Nery

Apesar das críticas, o empresário Joaquim Nery diz que o Carnaval de Salvador ainda é “pujante” e “forte”. Na avaliação dele, é o maior evento popular do planeta. Segundo Nery, este ano, a festa momesca terá uma recuperação de cerca de 25% em relação ao de 2015.

“Muitos buscam opções de viagens e Salvador entra com grande vantagem, porque é protagonista neste aspecto de Carnaval. A gente vê um reflexo na rede hoteleira. Vários hotéis estão esgotados.

No circuito Barra-Ondina, são pouquíssimas as vagas. Isso é um termômetro importante”, analisou. Ainda na entrevista, Nery falou sobre a diversidade musical do Carnaval. Para o empresário, é muito positiva, mas ele reconhece que o axé music perdeu espaço para outros ritmos. “Isso, talvez, tenha mais a ver com acomodação dos nossos artistas e compositores do que com sucesso que vêm de lá de fora”. Confira a entrevista:

Tribuna – Como avalia o Carnaval na véspera da festa de 2016?
Joaquim Nery –
O Carnaval de Salvador continua sendo o maior evento popular do planeta. É um evento em continua evoluindo. Chegamos em 2016 com um Carnaval pujante, forte, e ocorre uma recuperação significativa das vendas em relação ao de 2015. Se nós tivermos a mesma performance que teve durante o ano, vamos recuperar em cerca de 25% em relação ao Carnaval do ano passado. Isso se deve a uma série de aspectos. No Carnaval de 2015, o nível de satisfação foi muito bom, fazendo com que as pessoas voltem. Segundo: com essa crise, a supervalorização do dólar teve um benefício, porque as viagens internacionais se tornam mais difíceis e os viajantes optam por ficar no Brasil. Muitos buscam opções de viagens e Salvador entra com grande vantagem, porque é protagonista neste aspecto de Carnaval. A gente vê um reflexo na rede hoteleira. Vários hotéis estão esgotados. No circuito Barra-Ondina, são pouquíssimas as vagas. Isso é um termômetro importante.  

Tribuna – A gente vive uma crise no país que tem impactado em todas as classes sociais. Isso está refletido na venda dos abadás, já que se percebe que não há a mesma pujança dos anos anteriores?
Joaquim Nery –
Claro que interfere. Agora, tem essa questão do dólar. Que trouxe de volta para o Carnaval um público que, talvez, tivesse outras opções de lazer e acabou ficando por aqui. No que diz respeito ao reflexo de venda, apesar de toda a crise, o Carnaval conseguiu se salvar um pouco.

Tribuna – Outro problema é que o Carnaval é muito caro. Muito turista e baiano reclama que é preciso gastar muito para brincar. Como avalia esse cenário? A intenção é realmente essa, de segmentar?
Joaquim Nery -
Não. É o contrário. Acho que o Carnaval é muito plural. Este ano a gente está vendendo 12 camarotes e 22 blocos. A gente tem bloco a partir de R$ 80 e camarote de           R$ 100. Este não é um preço caro para um padrão de festa. Agora, a gente tem bloco R$ 900 e camarote de         R$ 1000. Aí acaba tendo público para todos os preços. É claro que folião deve saber qual o orçamento dele e qual  o tipo que ele quer. Assim como tem opção de brincar o Carnaval sem o bloco e sem camarote. E essa opção é cada vez mais forte, porque a gente tem aí grandes artistas tocando em trio sem corda. Então, tem para todos os públicos e gostos. Por que um produto é de       R$ 1000 e outro R$ 100? Porque a gente faz aqui na Bahia algumas das melhores festas do mundo. Os camarotes da Bahia, se você comparar com qualquer evento privado do mundo, estarão entre o top five ou top ten. Recentemente, a gente estava em evento dos camarotes discutindo isso e só os investimentos que são feitos nos camarotes nos circuitos Barra-Ondina ultrapassam mais R$ 250 milhões. Não existe no mundo um investimento privado desse valor para fazer uma festa.

Tribuna – É uma tendência irreversível essa questão do Carnaval indoor?
Joaquim Nery –
Acho que nada no Carnaval é irreversível. O Carnaval é uma festa extremamente dinâmica. Houve época no passado em que elite brincava nos grandes clubes sociais. E poderia achar que essa era uma tendência irreversível. E não foi. Chegou um tempo em que a elite não quis mais os clubes sociais e foi para os blocos brincar na rua. Hoje, o camarote é um movimento contrário. A parte do sucesso dele está na perfeição, na qualidade, que exige mais investimento, que exige que o tíquete seja mais alto. Então, não acho que nada seja irreversível. Mas tem sido uma tendência nos últimos anos. Como vai ser daqui a alguns anos? A gente tem que esperar para ver. Mas o camarote é uma opção interessante.

Tribuna – No camarote o folião encontra o conforto que não tem no bloco. Isso não esvazia um pouco o bloco?
Joaquim Nery –
Sempre achei que os dois eram complementares. Tem alguma coisa de sociológico nessa questão. O Carnaval sempre foi uma festa de acasalamento durante a história de vida. E as danças de acasalamento juvenis dependem de um ambiente extrovertido. O camarote é um ambiente mais indoor, mais fechado e não tão extrovertido quanto um bloco. Então, o bloco atende um público mais jovem. Se nós conseguirmos fazer atrações jovens para este público com um preço que possa pagar, é uma forma de reverter esse processo. A gente vê blocos hoje, como as bandas oito7nove4 e Duas Medidas, que atraem públicos próprios deles, uma garotada de 16 a 18 anos, que é mais confortável ficar no bloco do que no camarote. No camarote, o jovem está sendo observado por todos e no bloco não. Ele está brincando com uma certa liberdade.

Tribuna – O prefeito ACM Neto acerta ao diminuir o excesso de cordas, abrindo mais espaço para o folião pipoca nas ruas? E para o empresariado esse é um movimento ruim?
Joaquim Nery –
Primeiro, não acho que isso seja um movimento do prefeito ACM Neto. Ele pode estar usando isso do ponto de vista midiático. Mas não é ele que tem feito isso. Este movimento existe há muito anos. E, por exemplo, Bell Marques toca em trio sem corda há mais seis anos, antes de ACM Neto. Então, não é uma história criada por ele. Apoiar esse movimento é um acerto? Claro que sim. Ele, como prefeito, precisa ficar atento a todos os movimentos do Carnaval. E é óbvio que o Carnaval sem cordas não pode ser um obstáculo e nem a morte para o com corda. Ambos têm que permanecer em paralelo. Senão, você mata o Carnaval. Não existe verba pública que sustente todas as atrações com tantos dias de festa como nós fazemos na Bahia. Quando o governador Rui Costa anunciou a contratação de Bell Marques e Ivete Sangalo para abrir o Carnaval, isso gerou uma polêmica, uma comoção muito grande. Claro que ele tem que fazer isso se quiser apoiar o Carnaval. Mas ele não vai conseguir contratar todas as atrações do Carnaval por seis dias de festa. Tem que se criar fórmulas alternativas. Essa convivência entre o público e o privado que o Carnaval de Salvador criou espontaneamente há quarenta anos é, talvez, a fórmula maior do sucesso da festa.

Tribuna – Como o senhor vê esses incentivos dados pelo governo e pela prefeitura aos artistas locais? Ainda existe muita queixa por falta de acesso ao patrocínio do poder público e da iniciativa privada.
Joaquim Nery –
O patrocínio normalmente é uma associação do artista com a empresa. Essa empresa pode ser pública ou privada. E essa questão do patrocínio depende muito da capacidade de entrega que o artista tenha. A empresa quando patrocina, sobretudo, a privada, avalia muito o retorno que vai ter daquele investimento. As empresas públicas têm um papel social maior. Então, muitas vezes, tem um outro olhar. Além do retorno, que precisa, elas às vezes são instigadas a ter que participar. E aí a gente vê grupos com Caixa Econômica Federal e Petrobras sempre participando. Isso é muito positivo. Se isso vai conseguir que o Carnaval todo seja bancado dessa forma, acredito que não, porque o volume necessário de investimento é muito grande.

Tribuna – Você é um dos principais empresários do axé. Tem uma visão que, muitas vezes, antecipa o que vai acontecer. O que falta neste momento para o Carnaval ficar ainda mais grandioso?
Joaquim Nery –
Acho que o grande desafio é a normatização do circuito e dos funcionamentos públicos. É uma festa gigantesca. A gente já consegue muitas vitórias que não sei se outros lugares do mundo teriam, do ponto de vista da segurança pública e da saúde. Mas a cada ano é um desafio para essas estruturas, que têm que se desdobrar para fazer um Carnaval melhor. Não existe fórmula mágica. No próximo teremos um Carnaval dez vezes melhor do que esse. É um processo espontâneo. E é uma luta anual para gente melhorar a cada ano.

Tribuna – A diversidade musical que se encontra no Carnaval na Bahia é boa ou ruim? Acho que acaba atraindo outras tendências musicais que não preservam um pouco as nossas raízes. O axé está sendo sufocado pelo sertanejo. Qual é a sua opinião?
Joaquim Nery –
Acho que é positiva. A gente tem que aprender com o sucesso. Nós que fomos protagonistas por muito tempo, hoje, talvez, a nível nacional não estejamos com esse protagonismo. Mas temos que aprender e temos todas as condições, porque temos raízes culturais que nos possibilitam isso. O Carnaval da Bahia, se a gente for observar, sempre foi muito plural. Se a gente pegar o ranking das melhores músicas do Carnaval, a gente teve “Ana Júlia”, pop rock do Los Hermanos. Tivemos “Mulher de fases”. A ideia é ter músicas para dançar e fazer as pessoas felizes. Do ponto de vista nacional, houve uma perda do axé em relação ao sertanejo e outros ritmos. Isso, talvez, tenha mais a ver com a acomodação dos nossos artistas e compositores do que com sucesso que vem de lá de fora. Mas muitos dos sucessos foram criados aqui. A gente tem condições de retomar. Houve também uma mudança comportamental da indústria da música. Lembro que Wesley Rangel na época áurea da WR chegava na gravadora e tinha 10, 20 compositores, que vinham de bairros populares e formação cultural e econômica muito pequena. E eles conseguiam chegar em um nível de ascensão rapidamente. Naquela época, os artistas baianos vendiam dois milhões de discos. Um compositor conseguia com uma música em um disco ter uma condição social muito melhor. Então, passavam o ano compondo e daí conseguíamos uma pérola. Isso acabou. Um artista como Ivete Sangalo vendia dois milhões de discos, hoje vende 100 mil DVDs.

Tribuna – Quem sofre com isso?
Joaquim Nery –
O compositor, porque o artista perdeu na vendagem do disco, mas continua ganhando no show. E o compositor não. Ele vive do direito autoral, mas não é tão rentável.

Tribuna – O ritmo axé music precisa ser repensado? O lúdico está em falta na avenida?
Joaquim Nery –
Talvez, sim. A gente teve uma época áurea que foi instigada pelo Neguinho do Samba, do Olodum. Foi um gênio musical com a criação do samba reggae, que foi muito bem usado por Daniela Mercury. Ganhou ares internacionais com Michael Jackson. Foi muito usado por outros artistas baianos, como Bell Marques com Chiclete com Banana. Era um ritmo novo e contagiante. Acho que a gente se rendeu um pouco ao sucesso fácil do pagode, de letras mais simples e isso acabou prejudicando um pouco o axé music, que tem coisas belas e complexas. Tem letras maravilhas da época áurea, com Carlinhos  Brown. Eram pérolas maravilhosas.

Tribuna – O formato de festas como Furdunço, que tem carros menores e o público fica mais perto do artista, poderia ser mais valorizado?
Joaquim Nery –
Acho que não. O sucesso do Furdunço está no fato de ser em um dia alternativo. Ele não surporta o volume do Carnaval de Salvador. É um formato fácil de fazer, porque depende da espontaneidade interpessoal. Costumo dizer que fazer um Furdunço, qualquer um faz. Belo Horizonte  e São Paulo fazem, tem Furdunço no Brasil inteiro. Qualquer cidade brasileira que valorize a marchinha faz um Furdunço. Mas fazer uma festa com mega- trios e com 40 atrações desfilando, aí só a Bahia faz.

Tribuna - O que você criticaria no Carnaval de Salvador hoje? O que precisa imediatamente ser mudado?
Joaquim Nery –
As dificuldades que as entidades carnavalescas têm para sobreviverem e realizarem seus desfiles. Principalmente, aquelas que têm um poder mercadológico menor conseguem sobreviver. Boa parte da redução dos blocos está associada a isso. Nós temos taxas altíssimas que são pagas ao poder público. Cada órgão público se acha no poder e no direito de, em um período como Carnaval, taxar a festa e pegar uma parte disso. Então, quando a instituição tem uma força de venda, consegue ir junto. Mas tem muitos blocos pequenos que não conseguem. Essa é a principal dificuldade que temos hoje. Aí a gente  mata quem não tem sucesso na venda do abadá.

Tribuna – Luiz Caldas criticou na semana passada a falta de equilibrio entre a criação e a comercialização. A balança, segundo ele, pesa totalmente para o lado comercial e não há nenhuma vontade de mostrar algo novo. Você concorda?
Joaquim Nery –
Não concordo. Luiz sempre teve uma história musical polêmica. Ele foi o mais genial de todos para a faixa de idade que ele se lançou. Continua sendo até hoje com sua genialidade espetacular. Mas ele fez essa opção de fugir do comercial. E quando fez essa opção, a carreira dele como artista não teve sustentação do nível de imagem e exposição que tinha. Foi uma opção dele. Mas não acho que a criatividade seja inimiga do comercial. É o contrário. Os exemplos que vemos no mundo interior são de que os mais criativos são os mais bem-sucedidos. E muitas vezes o sucesso ajuda na criatividade.

Tribuna – Mudando de assunto para falar um pouco de política. Qual a avaliação que o senhor faz da gestão do prefeito ACM Neto em relação à prestação de serviço e à melhoria da qualidade de vida das pessoas?
Joaquim Nery –
Neto foi um cara que se elegeu e partiu para fazer. E isso teve um reflexo muito rápido na cidade. Ele foi muito corajoso, competente, conseguiu os meios para isso. A gente entende que ele herdou uma cidade muito prejudicada, em um período desconfortável para os gestores porque entraram períodos de crise, e ele conseguiu superar tudo isso. Então, a gente vê a cidade mergulhada em obras. Acho que não só os lugares turístico e bairros nobres que estão em obras, se pegar um carro e for para periferia vai ver que tem em tudo que é canto, como Pernambués, no Subúrbio. Em todos os lugares, ele tem trabalhado muito. Ele entrou com vontade, coragem e muita competência. O resultado tem sido brilhante. A consequência é a aprovação que ele tem tido.

Tribuna – O governador Rui Costa tem tentado imprimir um ritmo célere também, inclusive, competindo com o prefeito. Essa competição beneficia o cidadão? Qual a avaliação que faz deste início do governo?
Joaquim Nery –
Esse não é o nosso campo. Mas, para mim, Rui Costa foi uma surpresa muito positiva. Eu não o conhecia como gestor e confesso que não acreditava tanto na capacidade de gestão dele. Acho que parte do sucesso dele é a convivência com a prefeitura de Salvador, porque a gente sabe que são adversários políticos. Ambos têm feito muito pela cidade, em um momento que a gente tem visto cidades parando. Ambos têm conseguido fazer muito pela cidade. A Bahia está ganhando, mas Salvador, sobretudo, está ganhando muito. Essa competição entre eles tem sido positiva para a cidade. Até no Carnaval a gente vê essa competição.

Tribuna – A gente tem vívido um momento de crises no país. A presidente Dilma vai ter fôlego para virar essa página?
Joaquim Nery –
Acho que não. O Rui Costa, como governador, está ausente desta polêmica por um milagre. Talvez, até por competência dele. Mas o PT, como partido, não sairá ileso em hipótese nenhuma. Muito menos a presidente Dilma. Ela está muito próxima da Petrobras e de tudo que aconteceu aí.

Tribuna – É chegada a hora de o Brasil ser passado a limpo e as pessoas encararem com mais seriedade o assunto da corrupção?
Joaquim Nery –
Acho que já está sendo. Por um lado mágoa, mas por outro nos deixa com uma esperança muito grande.

Tribuna – Para finalizar, que mensagem você deixa para quem vai curtir o Carnaval?
Joaquim Nery –
Vou até ajudar o prefeito: aproveitem essa cidade miscigenada e que é linda de morrer.
 

 Colaborou: Rodrigo Daniel Silva