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Secretário da Fazenda diz que situação financeira do Estado é difícil

Responsável por administrar os recursos financeiros do Estado, o secretário da Fazenda, Manoel Vitório, não esconde a preocupação com a arrecadação estadual e admite que a situação é ?muito difícil?

Responsável por administrar os recursos financeiros do Estado, o secretário da Fazenda, Manoel Vitório, não esconde a preocupação com a arrecadação estadual e admite que a situação é “muito difícil”.

Três dias após apresentar o balanço orçamentário do 2º trimestre deste ano, o chefe da Sefaz concedeu entrevista à Tribuna e garantiu que o governo da Bahia, mesmo com a crise que já afeta outros estados, mantém o equilíbrio fiscal.

“Conseguimos fazer uma estrutura financeira para não entrar na tentação de usar dinheiro, inclusive, de operação de crédito e de investimento, para cobrir despesas correntes, o que seria um crime, mas estamos com dificuldade”, revelou. Segundo o secretário, por conta do “momento muito tenso”, além de reduzir a “gordura” da máquina pública, se for preciso, terá que “cortar no osso”, para equilibrar as contas estaduais. Ele disse ainda que já há propostas sendo estudadas para racionalizar gastos e otimizar recursos públicos. 

Confira entrevista completa 

Tribuna da Bahia – A Bahia é uma das exceções em termos de finanças entre os estados brasileiros e a crise vem se agravando. O que foi feito e o que precisa ser feito para que impacte menos na máquina estadual?
Manoel Vitório –
Estamos em uma situação muito difícil. Mantemos ainda o equilíbrio fiscal, conseguimos fazer uma estrutura financeira para não entrar na tentação de usar dinheiro, inclusive de operação de crédito, de investimento para cobrir as despesas correntes, o que seria um crime, não é uma coisa possível, mas estamos com dificuldade. O governador fez desde o ano passado com relação a estrutura do governo, era preciso queimar gordura e se fosse preciso tirar um pedaço do osso, mas não estamos confortáveis. É um momento muito tenso. 

TB – O que tem que ser feito para que essa situação não se agrave?
MV –
São opções muito difíceis. Às vezes os segmentos não compreendem direito as nossas atitude. As pessoas encaram o Estado como uma grande vaca que se alimenta no céu e é ordenhada na terra. Tudo que passa por ali é mágica. Mas, na verdade, temos um arrecadação e, além das transferências que vêm da União, compõem o nosso orçamento. Não dá para pensar que vamos gastar a mais do que nós temos e depois se dará um jeito. Não tem jeito a dar. É importante que o conjunto de governo ter a consciência de que a crise não é fora das fronteiras do estado, não é uma coisa que não atinja todos nós, está atingindo a população baiana, e o que nós podemos e devemos fazer é, primeiro, o governador tem lutado para manter o ritmo bom de investimentos, mais obras de infraestrutura e de mobilidade urbana e tudo isso interfere na logística Bahia e pode no momento mais propiício atrair mais investimentos, gerar empregos. Estamos investindo na economia baiana. As obras também movimentam a economia do estado. Por outro lado, o governador, na reforma que fez, além de cortar e enxugar, ele criou dentro da Secretaria da Fazenda uma área que se dedica à qualificação do gasto público. Então, combater o desperdício passou a ser uma ação sistêmica permanente. O governador acompanha com muita atenção, mesmo nesse período que ficou fora, ele me ligava constantemente, fazendo o acompanhamento das finanças do Estado. 

TB – A crise de alguma forma paralisa a máquina do Estado?
MV –
Tivemos uma reunião de secretariado falando que temos que ter prioridades no que mais afeta a população. As secretarias sistêmicas, como a Sefaz, Saeb, Casa Civil e Seplan, a orientação do governador é buscar uma estratégia que não imobilize o Estado, que deixe o Estado continuar funcionando. Isso tem acontecido. A Bahia foi o único estado que manteve seu nível de investimento numa proporção igual à do ano passado, e isso foi uma decisão do governador e a disposição dele de cortar gastos e a priorização de despesas. E isso é um exercício de gestão e é diário.  A todo momento somos surpreendidos com notícias novas, às vezes não muito favoráveis, principalmente com relação às transferências correntes, por exemplo, o Fundo de Participação dos estados esse mês pode gerar uma frustação dentro do que havíamos previstos de mais de 100 milhões de reais, só esse mês. Tudo isso torna o desafio da gestão fazendária uma tarefa diária e o planejamento também tem que ser revisto diariamente e tem que se ficar fazendo pequenos ajustes.

TB – Quais os projetos de maior porte que estão sendo seriamente comprometidos por conta da queda na arrecadação?
MV –
Por enquanto, do que tem aí, nos organizamos para ter uma continuidade. Interrupção não, a não ser aquilo que era exclusivamente recursos da União. A decisão do governo federal é que haverá a continuidade, mas em um ritmo diferente. Mas, aquilo que mesmo com recursos da União tem recursos expressivos do Estado, seja do Tesouro ou de operação de crédito estamos mantendo. Aqui em Salvador, por exemplo, vemos a continuidade das vias do metrô.  

TB – De que forma mais dolorosa essa crise vai atingir o cidadão, através do Estado?
MV –
Na sua forma mais dolorosa será para a própria máquina. A população já sente os efeitos da crise, como desemprego e inflação. O governo do estado também terá que estar preparado para fazer um esforço de gestão, quer seja na qualificação e no combate ao desperdício do dinheiro público, quer seja também em opções difíceis. Não posso falar pelo governo, mas, por exemplo, será difícil se falar em reajuste salarial no ano que vem.

TB – O funcionalismo público está preparado para encarar um ano sem reajuste nos salários?
MV -
 As pessoas estão vendo jornal, TV, seus vizinhos perdendo emprego. As pessoas sabem que o clima está difícil. Servidores em outros estados com salários parcelados, mas isso não está acontecendo aqui. Não adianta prometer aquilo que não pode entregar. Eu durmo e acordo preocupado com o pagamento do 13º salário e no nosso horizonte não está o não pagamento do 13º, o parcelamento de salário. Agora, encaixar uma situação dessa, com uma política de reajuste de salários, de reformulação de carreira, simplesmente poderá não caber no orçamento. 

TB – Deveria reduzir secretarias e cortar pessoal? A máquina continua inchada?
MV –
Fizemos mapeamento de pontos de sombreamento, ou seja, superposição de atividades e demos uma enxugada grande. Evidentemente, se até em casa você pode olhar de novo e cortar mais uma pouco, racionalizar mais o custo, ainda mais em um máquina do tamanho do governo do Estado da Bahia. É sempre possível. Mas, estamos chegando a um ponto em que nada muito significativo pode ser feito em termos de reduções rigorosas. A gente vem discutindo outras alternativas. 


TB – O que vislumbra para 2016?
MV –
Temos que partir para 2016 com alguns desenhos e algumas ações, mas ainda iremos discutir com o governador. Precisamos ter algumas ações relativas a custeio e nós precisamos discutir alternativas para fontes de financiamento para projetos existentes e novos projetos. E como é que faremos isso, considerando que o Tesouro tem dificuldade, está comprometido com os custeios, e o Tesouro Nacional não tem aberto muita margem para operação de crédito. A Bahia tem um perfil muito bom de dívida, pode fazer operações, tem margem, mas o Tesouro não está dando o aval e isso se torna um problema muito grande. Temos discutido algumas alternativas, algumas até pioneiras no campo da administração pública, mas estão ainda no laboratório e precisamos, primeiro, conversar com o governador. 

TB – Onde o Estado é mais perdulário?
MV –
Sempre dá para rever gastos. A boa política tem que racionalizar gastos e otimizar recursos públicos. Quando se está à frente de uma secretaria finalística, a economia não é o seu primeiro pensamento, e é natural que seja. O primeiro pensamento é como efetivar uma melhor política, como abranger e como ser mais efetivo. Trouxemos para o centro da discussão como valor de governo a qualificação do gasto público, e isso é um trabalho que não se resolve apenas com uma canetada. É uma gestão diária. É difícil precisar. Mas, melhoramos muito o monitoramento e controle nos gastos comuns, como energia e água, o que não se fazia. Outros estados estão vindo conhecer nosso modelo de acompanhamento de custeio, mas, perdulário, é difícil dizer. Podemos discutir mais sobre otimização. 

TB – Redução de frota, mobiliário, equipamentos como computadores são itens que estão fora do orçamento de 2016?
MV –
O governador já encomendou e estamos discutindo um pacote de medidas, mas não posso adiantar nada. Ele tem um traço técnico que é muito importante e é muito comum que nas conversas com Rui [Costa] ele pontue outras coisas que incrementam. Já fizemos algumas rodadas e ele fez algumas encomendas e vamos fazer outras. O que posso adiantar é que a preservação do funcionamento da máquina pública e os investimentos dentro do estado é uma prioridade de governo e do governador. 

TB – Até onde o Legislativo e Judiciário serão atingidos por essa crise e se falta esses dois Poderes entender a grave situação que o Estado atravessa?
MV –
No Estado da Bahia, diferente do que está acontecendo em outras unidades da federação, está havendo uma união para combater uma crise. A crise é uma guerra e a primeira coisa que se faz numa guerra é se unir. Estou sentindo neste momento que os Poderes estão juntos. Já temos com o Tribunal de Justiça, através da Corregedoria, assim que for aprovada a lei na Assembleia Legislativa, a prefeitura também está dentro desse projeto, que é o Concilia Bahia, uma oportunidade de arrecadar e resolver pendências jurídicas. E o Legislativo tem conseguido aprovar leis importantes. Estamos conseguindo montar uma agenda e estamos tendo uma colaboração porque, sem isso, a nossa situação seria muito mais difícil, e vamos precisar um pouco mais desses Poderes para conseguir vencer esse desafio. 

TB – A falta de repasses para o governo ACM Neto sempre foi uma crítica do secretário municipal da Fazenda e até do próprio prefeito. Aonde está o problema? Com a crise isso se agravou?
MV –
O que repassamos para os municípios todos está acontecendo normalmente. Há uma frustação porque a receita caiu e eles podem estar sentido um pouco. A mim não chegou nenhuma demanda pontual.

TB – Prefeitos serão impactados diretamente pela crise? Temos uma previsão difícil em 2016?
MV –
Não tenho dúvida. A Bahia em 2013 e 2014, das maiores economias, foi a que teve maior crescimento e isso acaba refletindo positivamente para as prefeituras. Só que temos um estado muito grande, com população muito carente que precisa de muita coisa. Mas temos que reconhecer que nossa situação política é até menos confusa do que outros estados, sabemos que com relação à variação de arrecadação está no segundo ou terceiro lugar que caiu menos. Estamos conseguindo fazer de 5 a 6% de incremento na arrecadação. Agora isso é insuficiente para um estado que é tão carente. A estrutura ainda é pequena. Se compararmos ao Rio de Janeiro tem uma arrecadação infinitamente maior que a nossa, uma população parecida com a nossa, numa área muito menor, mas os municípios têm uma arrecadação maior também. Quando se pensa na Bahia, os municípios ainda não têm essa condição. Portanto, a Bahia não pode se dar ao luxo de desperdiçar um Real sequer. Para superarmos os problemas, teremos que ser os pioneiros na melhor gestão do recurso público.
 
TB – O rebaixamento da nota do Brasil impacta na vida do cidadão? De que forma isso atrapalha no estado?
MV –
O rebaixamento, na forma que está ainda, não é suficiente, por exemplo, para uma migração dos fundos. Normalmente para a migração de fundos internacionais, para aplicação de recursos, precisam duas agências declararem que não estão em grau de investimentos. O que não aconteceu no Brasil. Uma vez que isso aconteça, aí sim, você tem uma recomendação para fazer a retirada daqueles fundos. Referente às consequências, o que acontece é a movimentação de expectativa. Isso está contaminando muito. A economia tem um lado real, mas é muito influenciada pelos agentes econômicos. Se tenho uma expectativa e continuo com essa expectativa, provavelmente seu cenário será negativo. Na Bahia, o governador está conseguindo ter uma forma de condução diferenciada. Não dá para falar só da crise, é preciso apontar quais são as ações e o que queremos para frente. Toda crise é cíclica, mas vamos demorar mais para recuperar se não fizermos aquilo que é necessário para se recuperar. E em segundo lugar, se não acabarmos com esse pessimismo generalizado. É preciso se concentrar em dois elementos importantes: a política de juros e a política cambial. Não sei se é sustentável um cambio abaixo de R$ 4. Falando como economista, o ajuste cambial é necessário, não dá para reter o ajuste e depois soltar de uma vez só.

TB – O senhor acredita que a presidente Dilma vai conseguir reverter essa crise financeira, política e, sobretudo, de confiança da população?
MV –
O Brasil é um país de muitos recursos e acho que sim. Os agentes econômicos precisam parar em algum ponto e ter uma indicação do que fazer para frente. A instabilidade é muito prejudicial para o planejamento e execução. Há um horizonte de política cambial, por exemplo, então vamos fazer uma rearrumação na atividade econômica? Esses questionamentos precisam ser respondidos. Lançar um olhar de discussões a curtíssimo prazo não é salutar. É preciso um olhar para política fiscal, de política de investimento. Ela [presidente Dilma] precisa ter visão mais de médio e longo prazo, pelo menos para os próximos três anos.

TB – O senhor que participou do governo de Jaques Wagner e agora de Rui Costa, qual a diferença entre os dois, sobretudo, na forma de condução do governo?
MV –
Costumo dizer que o ex-governador e atual ministro da Casa Civil é um dos homens mais brilhantes que já conheci na minha vida. Ele tem uma inteligência espantosa. Diria que a diferença de Rui para Wagner é o estilo. Rui é um homem de estar em cima de todas as coisas, de tomar conta. Ele tem um traço técnico muito relevante. Wagner pega as coisas muito rapidamente e tem uma postura mais de envolver, de convencimento, mais político, mais de aglutinação. Rui é aquele que sai, manda, quer saber, exige que as coisas aconteçam naquela hora. São perfis diferentes. Rui Costa, além de ser brilhante e inteligente, ele tem uma vantagem de ter atuado nos dois governos, visto que deu certo e conhece o Estado todo. Ele sabe exatamente o que quer do governo, de cada área. Essa vivência dele o torna o homem mais adequado para este momento que estamos vivendo. 

TB - Além da qualificação dos gastos, o que pode ser feito para minimizar os efeitos da crise?
MV –
Temos apostado muito no combate à sonegação. As pessoas vêem o fisco como aquele agente que fica cobrando. É importante, em determinado momento e em qualquer segmento, que todas as empresas tenham as mesmas condições. Se um conjunto de empresas pagam seus impostos com regularidade e um deixa de pagar, ele acaba tendo uma condição competitiva diferenciada. Estamos mais abertos e dialogando mais com o conjunto das entidades empresariais e elas mesmo têm nos apontado em diversas ocasiões quem está sonegando, até porque para o conjunto da atividade não interessa a quem sonega porque acaba tendo uma vantagem competitiva desigual. O combate à sonegação fez com que nossa arrecadação crescesse muito. Entre 2013 e 2014 foi 25%, muito acima da inflação do período e ganho real bastante expressivo. Este ano está nos ajudando a ter os efeitos tão dramáticos da crise. Devemos continuar intensificando o combate a sonegação, a malha fiscal. Uma das coisas que nos preocupa muito é a judicialização dos processos fiscais. Isso atinge a nossa arrecadação porque se o contribuinte acha que pode judicializar um tema e levar dez anos discutindo, isso interfere diretamente em nossa caixa. E com o excesso de processos que a Justiça tem nas mãos, dificulta muito que haja celeridade no julgamento.