O superintendente de Trânsito de Salvador, Fabrizio Muller, concedeu entrevista exclusiva à Tribuna da Bahia, onde falou sobre as ações da Transalvador na capital baiana e a modernização do órgão na gestão de ACM Neto.
Contou ter encontrado o órgão sucateado e sem infraestrutura alguma para atender a peculiar realidade do tráfego da cidade, terceira metrópole do País, formada por ladeiras e vales. Segundo Muller, já é perceptível uma melhora no trânsito da capital. Questionado sobre o fato de haver uma reclamação generalizada entre a população de que há um excesso na cobrança de multas, o superintendente afirmou que elas ocorrem porque as pessoas estão infringindo as regras de Trânsito. “Em Salvador, inclusive é piada até, se descumprir muito o Código de Trânsito.
Até por uma questão cultural. Estacionamento em cima de passeio é cultural e não pode ser. Temos que mudar esse cenário e tornar nossos motoristas melhores, conseguindo melhora no trânsito e na segurança. A fiscalização é uma das ferramentas que se tem para educar o povo”, disse.
Confira entrevista completa à Tribuna da Bahia:
Tribuna da Bahia - Superintendente, quando você pensa no trânsito da cidade, pensa no motorista, no pedestre ou em aumentar o caixa da prefeitura através de multas?
Fabrizio Muller - A prioridade é sempre a segurança viária, e em segundo momento, a fluidez. Essas são as principais preocupações de um gestor de trânsito. Primeiro a segurança das pessoas, a diminuição de acidentes, a segurança de pedestres e motoristas, a melhora da fluidez. A arrecadação não é uma prioridade.
TB - O rigor das multas é a única forma que se tem de disciplinar o trânsito?
FM - Eu diria que não. Diria que é uma delas. A Transalvador não faz leis. Ela é obrigada como órgão de fazer cumprir fiscalizar o Código de Trânsito. Em Salvador, inclusive é piada até, se descumpre muito oCódigo de Trânsito. Até por uma questão cultural. Estacionamento em cima de passeio é cultural e não pode ser. Temos que mudar esse cenário e tornar nossos motoristas melhores, conseguindo melhora no trânsito e na segurança. A fiscalização é uma das ferramentas que se tem para educar o povo.
TB - Hoje a Transalvador contribui com a arrecadação municipal? E quanto cresceu nesses três anos?
FM – Nada da arrecadação vai pro caixa do município. Todos os recursos arrecadados, sejam eles por estacionamento sejam por leilão de veículo e apreensão de veículo. E sobretudo por taxa de prestação de serviço que é cobrado em eventos e obras, esses recursos ficam no caixa da Transalvador e são revestidos para o próprio órgão. Salvo engano, número aproximado, em 2012 se arrecadou o total entre infrações e estacionamentos, algo em torno de R$ 49 milhões. Esse valor se repetiu em 2013, ano de chegada e reestruturação do órgão e ano passado chegamos a R$74 milhões. Como disse, não só com multas, o fundo de arrecadação aumentou em função de um trabalho de reestruturação.
TB - Com tanta multa porque o trânsito continua tão caótico?
FM - Trânsito de qualquer grande metrópole no Brasil é um problema. Um dos principais problemas das grandes metrópoles. Você veja que a frota de Salvador cresceu exponencialmente e as vias ficaram as mesmas. Tem lugares que não tem o que fazer. Nem grandes obras vão resolver determinadas situações. Temos trabalhado forte em pontos críticos e históricos da cidade, como o Iguatemi e a melhora ali é inegável e é visto a olhos nus. Era um problema que usamos a engenharia de trânsito. Agora resolvemos um pedaço.
Em 20 dias finalizamos uma obra que tenho certeza que vai melhorar muito aquele cenário caótico. Quando falamos de mudança ampla e macro não é só engenharia de trânsito. Parte, principalmente, de uma melhora no transporte coletivo. Infelizmente nas ultimas décadas o Brasil todo focou seus esforços em melhorias do sistema rodoviário, individual, quando na verdade o grande foco deveria ter sido o transporte de massa. Veja que você tem aqui um sistema coletivo que foi preterido pelo sistema individual e essa administração de forma muito sábia percebeu isso.
TB - Existe expectativa de rodízio na cidade?
FM - Ainda não está sendo discutido, não há essa pretensão de se criar um controle de demanda, ainda não.
TB – Como vê as críticas da oposição ao prefeito ACM Neto e do próprio cidadão de que a cidade e a Transalvador se transformaram em uma fábrica de multas?
FM - Se eu pegar um carro com vocês agora e rodar dez minutos eu vou ser capaz de pontuar e mostrar 200 infrações de trânsito. Não pode haver (fábrica de multas). Só se tivéssemos inventando multas e isso não ocorre. Nem por agentes nem por meios eletrônicos. Não acho que essas críticas devem ser levadas a sério.
TB - Muita gente diz que os agentes passaram a receber melhorias através da produtividade. E que agiriam mesmo sem estar a serviço. Isso procede?
FM -Não existe isso e até porque é ilegal e não está previsto no Código. Se tivesse essa prerrogativa seria feito, mas se não é, não é feito. Não há benefício nenhum. Se houvesse, haveria excessos que não podemos admitir. Não existe benefício, bonificação ou prêmio por produtividade.
TB - Você falou que o valor da arrecadação quase duplicou. E falou de intervenções.
FM - A gente ainda tem muita capacidade e essas intervenções não são tão tímidas. Em Cajazeiras estamos construindo ligação da Cajazeiras 5 com a Cajazeiras 10 e quem passa por lá sabe que vai melhorar muito. Acabamos de licitar uma obra que vai reconfigurar todo o traçado da Suburbana. Melhorando pontos críticos de engarrafamento e segurança viária. Teve a Paulo VI, que foi uma melhora expressiva, tem pessoas que... eu moro no Pituba Ville, levo meu filho pro Anchietinha, levava 35 minutos e hoje eu levo cinco.
TB - A Paralela é um grande gargalo da cidade principalmente quando ocorre colisão. O que fazer enquanto não temos uma via alternativa para minorar o problema?
FM - Já começamos a fazer. Com a implantação do Núcleo de Operação Assistida, a Transalvador não tinha nada parecido. Não tinha central, tinha uma central de rádio, uma pessoa falando, e quando chegava para o 118 vinha num papel escrito e a pessoa entregava. No dia 2 de janeiro de 2013 meu primeiro dia na Transalvador quis conhecer a central. Quando cheguei lá encontrei dois metros quadrados, uma pessoa no rádio, sem visão de câmera e de nada. E aí chega uma pessoa bate na porta com um papelzinho dizendo que teve uma colisão. Aí a pessoa mandava uma viatura que não estava próxima do local, enfim, não tinha controle nenhum. O Núcleo vem para contribuir nessa melhora da gestão do trânsito. Hoje sabemos onde estão os guinchos, as viaturas, temos câmeras cedidas pela Secretaria de Segurança Pública, pelo secretário Maurício Barbosa, a quem eu agradeço imensamente porque nos deu essa possibilidade de enxergar a cidade. Consigo verificar se a via tem redução rápida, e isso gera alerta. E consigo alocar recursos que estão mais próximos e em menos tempo consigo resolver o problema e diminuo esse problema. O que acontece na Paralela se quebrar um carro no horário de pico, na esquerda, em menos de dez minutos causa engarrafamento, se for no sentido rodoviária, chega no aeroporto.
TB - É inegável a importância da gestão do trânsito pelo novo Núcleo. E a questão da invasão de privacidade com as câmeras, que muito se discutiu isso?
FM - Essa questão da privacidade foi discutida lá atrás. Me lembro que em 2005 foi o primeiro grande projeto de segurança e houve essa discussão. Existem ferramentas que lhe permite garantir a privacidade de edifícios. A fiscalização é focada nas vias. Essa questão de invasão da privacidade não existe.
TB - Voltando à Paralela, não seria o caso de buscar alternativas para minimizar o problema como saídas alternativas?
FM - O núcleo vem para reduzir esse tempo. E em 15 minutos da visualização do veículo até a retirada por guincho são 16 minutos. Nos horários de pico alocamos guinchos e equipes que estão ali de prontidão para uma intervenção rápida caso seja necessário. Agora eu concordo, tem áreas que deveriam ter recuo e escape. Isso é algo que podemos pensar em determinadas áreas.
TB - Quantos radares temos em Salvador?
FM - Nós não temos radares móveis e isso é bom que se explique por uma questão conceitual. Temos radares estáteis, que são no tripé. Da mesma forma que o fixo, é automático então não precisa da intervenção do agente. Só fazemos ligar ele. Pelo Código, pela resolução do Denatran, existe essa diferenciação. Mas é algo conceitual porque o móvel precisa obrigatoriamente ser operado por um agente. O estátil não. Pode ser feito por uma empresa. Houve até uma situação que foi enviado para o Ministério Público de que empresas terceirizadas estavam operando radares móveis. Mas isso foi esclarecido. Temos dois do tipo estátil operando na cidade, inclusive temos um site onde divulgamos os possíveis locais e a intenção é dar transparência. E o fixo preciso me atualizar. Tínhamos algo em torno de 200 já instalados. Quando chegamos não existia equipamentos de fiscalização eletrônica. O contrato tinha acabado e a antiga gestão por problemas de pagamento não renovou o contrato. E quando chegamos, tratamos e refazer o processo.
TB - A questão da instalação de quebra-molas sempre foi uma forma de ordenar um pouco o trânsito. Na Waldemar Falcão, por exemplo, existem quatro sem sinalização. O que fazer para que esse tipo de serviço seja benéfico e não prejudicial?
FM - As ondulações não são ordenamentos de trânsito. É para evitar acidentes próximos em escola e locais de travessia. Todo quebra-mola é feito baseado em estudo, ou pelo menos deveria ser assim. A população faz quebra-molas fora dos padrões e sem especificações e sinalizações o que pode gerar acidentes. Fazemos um estudo técnico do local, se é adequado, se permite a instalação do quebra-mola.
TB - Quais os três maiores gargalos em Salvador e o que será feito?
FM - Temos gargalos e vou citar um que sempre me incomodou muito ali na Feira de São Joaquim, que é consequência de outros fatores. Há um desordenamento grande, até das próprias pessoas que chegam estacionam irregularmente, a população andando na rua e atravessando fora do sinal. Fizemos um projeto onde levamos tudo isso em conta. Já nos alinhamos com a Secretaria de Ordem Pública, com os próprios frentistas, obrigando-os a se organizarem... outro ponto de gargalo histórico é o Largo do Luso. A população ali sabe o que é sofrer de manhã e a tarde. Estamos também finalizando a execução da obra e acredito que vai ter uma melhora muito grande. E o terceiro é outro problema que esta sendo tratado que é o de Cajazeiras. Ali não tem dia e hora para engarrafamento, sobretudo na famosa Rótula da Feirinha. Vamos mudar a dinâmica que vai passar a ser sentido único e vamos fazer uma grande rotatória.
TB — Muita crítica em cima da terceirização das Zonas Azuis. O que o motorista ganha e o que esperar?
FM - Esse processo não está sendo conduzido pela Transalvador. E sim pela Casa Civil e pela Semob. Mas o que existe de fato hoje ainda é estudo. Não há definição concreta do que será feito. Foi feito uma PMI, onde empresas concorreram num chamamento para apresentar propostas e fazer estudos técnicos, desde estudo econômico até quantitativo de vaga, solução tecnológica que pode ser apresentada, parquímetro, aplicativos de celulares... Enfim. O que está sendo feito agora é um estudo e pode ser que lá na frente a prefeitura resolva não fazer nada ou fazer uma parte do estudo. Falando com sinceridade de quem conhece outros sistemas de vagas rotativas, o serviço de Salvador é mal avaliado. Mas não é de agora. Ele foi criado em 83 de forma errada. Existe hoje um monopólio do sindiguarda de vender as cartelas, onde outras capitais você chega na banca do jornal e compra. Acontecem das duas formas: existe uma orientação ao setor de estacionamento. Ao chegar no local não havendo guardador esses carros podem ser multados. Outras vezes a pessoa colocou e não viu o guardador... e quando chega a fiscalização, ele está lá. Mas voltando, é um serviço que precisa evoluir. Fizemos no início da gestão uma portaria que dava o direito dos pequenos comércios revenderem as cartelas. Mas isso não foi pra frente. Nem o local se interessou, e isso acabou não indo para frente. Disponibilizamos hoje no setor de estacionamento a venda da cartela. Existem duas, seis horas e multi-horas. Nos locais com grande demanda e pouca oferta, você coloca duas horas para promover uma rotatividade porque beneficia, inclusive o comércio. Quando chegamos na prefeitura, na Avenida Sete existia estacionamento dos dois lados. Tiramos de um lado e eu comecei pessoalmente ir cedo na Avenida Sete e via que antes do comércio abrir os estacionamentos já estavam repletos. Então, não são clientes. São bancários, comerciantes, que ocupavam a área do cliente.
TB - O que fazer em Salvador sendo que há um rigor na cobrança, mas não há vagas?
FM - Isso não é só em Salvador. Em grandes capitais você tem dificuldade de estacionar até porque áreas que eram residenciais, viraram comerciais, e são limitados os números de vagas. Eu não tenho problema de estacionar, porque não me incomodo de andar cem metros do meu carro ao meu destino.
TB - Na Barra, muitas críticas que a obra melhorou o aspecto, mas prejudicou o comércio e as pessoas não têm onde parar. O que dizer disso?
FM - Hoje não há problema de estacionamento na Barra. Convido vocês a irem, e vocês vão estacionar. Vocês não vão parar na frente do restaurante que vocês vão. Mas vão encontrar vaga. Fui num sábado retrasado ver um show de música popular no Farol e parei no estacionamento em frente ao camarote de Daniela. Só tinha meu carro. Então pode ser que você não consiga estacionar na frente do seu estabelecimento, mas você vai encontrar.
TB - Uma lei foi criada para ordenar e normatizar a questão dos guardadores de carro. Porque tanta dificuldade em organizar essa questão, já que a população é intimidada por essas pessoas, sobretudo a noite?
FM - Temos que separar guardadores de carro, os flanelinhas, daqueles que são sindicalizados. Esses que comercializam a cartela, os sindicalizados, existe o registro dele, o endereço dele, para ser sindicalizado precisa entregar a certidão de antecedentes criminais e ele trabalha com a cartela da Zona Azul. Não estou dizendo que não pode haver trabalho indevido, mas podemos suspender se soubermos. Já o clandestino, esse aí, é um trabalho que deve envolver polícia. O que cabe a Transalvador, estamos fazendo, regulamentando como Zona Azul. Às vezes vejo reclamação de alguém dizendo que tinha cartela da prefeitura a R$ 10. Mas se eu não regulamento e não coloco o sindicalizado vendendo cartela, estou dando espaço para os flanelinhas extorquirem as pessoas e ameaçarem as pessoas.
TB -O que Fabrízio Muller não conseguirá fazer para acabar com os gargalos de trânsito? O que é impossível de ser resolvido na cidade?
FM-Existe uma percepção de melhora de trânsito e isso é inegável. Talvez não conseguimos sentir isso tanto porque a cidade virou um grande canteiro de obras. Mas eu acho que a percepção é de melhora. Então, o que queremos fazer, não digo que não vou conseguir, o que quero conseguir é trabalhar nesses pontos críticos e fazer o que estamos fazendo, que é modernizar a gestão de trânsito. O Núcleo de Operação Assistida... Nos últimos 20 anos não se investiu em soluções tecnológicas para auxiliar a questão do trânsito. Tudo era muito boa vontade dos agentes, expertise dos agentes, e não tínhamos ferramentas para auxiliar esses agentes de forma inteligente.
TB - O endurecimento da Lei de Fiscalização de Cargas e Descargas melhorou a fluidez do trânsito ou ainda não consegue ser cumprida na sua totalidade?
FM - Infelizmente ainda há muito desrespeito. A gente tem notificado, fiscalizado, e vamos começar a fiscalizar circulação de grandes caminhões através dos radares. Ainda não foi, não iniciou em função de informações que são necessárias vindas do Detran e isso vai ajudar muito. Temos apertado cada vez mais a fiscalização de cargas e descargas, mas sabemos que ainda tem muito desrespeito. Melhorou em alguns pontos, em outros precisamos apertar ainda mais.
Colaboraram Fernanda Chagas e Hieros Vasconcelos Rego.