Na disputa por mais um triênio à frente da OAB-Bahia, o advogado Luiz Viana Queiroz diz ter sido chamado por um grupo de advogados à frente da entidade. Apesar de contar apenas com um concorrente, o advogado Carlos Rátis, Luiz Viana diz que mais candidatos no pleito “seria melhor”. Segundo ele, todos seriam seus adversários, mas, já que todos têm o mesmo interesse, de manter a OAB como a entidade de maior credibilidade do país, “o que contribuiria para um debate mais profundo para a advocacia”.
O presidente ainda fez duras críticas à Justiça baiana, avaliada como uma das piores do Brasil. “Os números do CNJ confirmam o que os advogados baianos sentem no dia a dia: uma ineficiência gigantesca, sobretudo no 1º grau. Isso é fruto de má gestão de pessoal, falta de pessoal e pessoal mal remunerado. No ano passado, a Bahia tinha 636 magistrados, cerca de 13 mil servidores e gastou quase R$ 1,5 bilhão com a folha de pessoal, e ela é absolutamente ineficiente”, criticou, ao defender que o TJ-BA dialogue com a advogacia e com a sociedade como forma de reduzir o gargalo do Judiciário.
Confira entrevista exclusiva à Tribuna da Bahia
Tribuna da Bahia - Como o senhor avalia o Judiciário baiano, que é apontado pelo CNJ como um dos piores do país?
Luiz Viana Queiroz - Os números do CNJ, que faz uma estatística anual, confirmam o que os advogados baianos sentem no dia a dia: uma ineficiência gigantesca, sobretudo no 1º grau. Na área jurídica você tem o juiz de 1º grau, que é o juiz que está na vara, no juizado, e você tem os juízes do 2º grau, que são as turmas recursais no juizado e no Tribunal de Justiça. Em 2014, no Tribunal de Justiça, ou seja, no 2º grau, tinham pouco mais de 24 mil processos e foram despachados cerca de 75%, o que faz com que o Tribunal de Justiça da Bahia, no 2º grau, seja o terceiro mais eficiente do Brasil. Mas, quando você vai para o 1º grau, no ano passado havia pouco mais de 1,6 milhão de processos em andamento e não foram decididos nem 15%. É uma ineficiência gigantesca no 1º grau, e isso faz com que o Poder Judiciário baiano seja avaliado como um dos piores do Brasil. Quando você coloca a eficiência do 2º grau, ela desaparece diante da ineficiência do 1º grau.
Tribuna – O que fazer para tirar esse gargalo e por que a Ordem não é mais incisiva com relação aos desmandos praticados?
Luiz Viana - Isso é fruto de má gestão de pessoal, falta de pessoal e pessoal mal remunerado. No ano passado, a Bahia tinha 636 magistrados, cerca 13 mil servidores, e gastou quase R$ 1,5 bilhão com a folha de pessoal, e ela é absolutamente ineficiente. Tem algo muito errado. O erro é fruto de uma crise que se alastra há mais de 30 anos. Não é uma crise provocada pela atual administração do Tribunal de Justiça, mas a atual administração não consegue ser protagonista da solução do problema da ineficiência do Judiciário. Isso é uma questão de Estado, atinge a cidadania. Isso não é um problema apenas dos juízes, nem dos desembargadores, nem dos advogados, e isso é um problema que atinge o cidadão, sobretudo o mais carente. Essa é uma questão que merece um tratamento diferenciado. É preciso incluir o chefe do Poder Executivo e o chefe do Poder Legislativo. Isso transbordou os limites do Tribunal de Justiça e da sua capacidade para resolver a crise. É preciso que haja um grande esforço do Tribunal de Justiça, que deve ser o protagonista, mas com a participação do governador do Estado e da Assembleia Legislativa, e abrindo essa discussão para a sociedade civil.
Tribuna – O que a OAB faz para modificar esse cenário?
Luiz Viana - Quando eu assumi em 2013, criei uma mesa de articulação sobre o Judiciário baiano. A gente se reúne mês a mês, com a presença da advocacia, da magistratura, dos servidores, do Ministério Público e da Defensoria Pública. Nos reunimos para discutir a questão macro do Judiciário, os problemas do Judiciário. Fizemos um seminário em setembro do ano passado no auditório do Tribunal de Justiça, onde foram levantados os grandes problemas do funcionamento da Justiça na Bahia. O problema número um é a falta de gestão de pessoal. Mas tem outros problemas como o mau funcionamento do processo judicial eletrônico, falta de aparelhamento nas comarcas do interior, ausências de juízes nas comarcas do interior. Elencamos 16 problemas como sendo os mais importantes e pedimos uma pauta com o presidente do Tribunal de Justiça, mas o presidente sequer nos recebeu. Em nome dessa mesa, me dirigi e fui recebido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, que preside o Conselho Nacional de Justiça, e também pela corregedora nacional de justiça, ministra Nancy Andrighi. Levei a eles o resultado do seminário com a sugestão que fosse feito um plano de reestruturação do Judiciário. Um plano sustentável de reestruturação. Ou a gente para, os três Poderes juntos, a sociedade civil junta, para fazer um plano porque daqui a dez anos estaremos da mesma forma. Primeiro, temos um problema estrutural de gestão. Por uma razão que parece simples, mas é complexa. Na história do Judiciário brasileiro, os juízes são chamados para administrar as varas e os desembargadores são chamados para administrar o Tribunal. E os juízes são homens e mulheres formados para julgar e não para administrar. Quando você encontra, eventualmente, um desembargador ou um juiz com habilidade pessoal para administração, as coisas melhoram, mas não é o que acontece corriqueiramente. São homens e mulheres que não são preparados para gestão. O próprio Tribunal de Justiça tem uma crise que remonta mais de 30 anos, tem um caráter político que as pessoas não percebem, porque o Tribunal de Justiça foi sendo sucateado e hoje está com o pires na mão pedindo ao governador do Estado que faça suplementação orçamentária. Tem um problema político na origem, mas isso não é o fundamental hoje. Não interessa muito ficar buscando culpados. Para a OAB não interessa culpabilidades individuais.
Tribuna – Como avalia a gestão do presidente do TJ-BA, Eserval Rocha?
Luiz Viana - A gestão do desembargador Eserval Rocha teve aspectos positivos, como a criação dos juizados especiais da Fazenda Pública. Alguns aspectos positivos em criação de varas específicas, mas na gestão do pessoal e na gestão política é uma coisa que merece reflexão, seja do Tribunal de Justiça, seja de todos nós. A gestão Eserval está fechada em si mesma. A presidência não dialoga com a advocacia, com os magistrados, com os servidores e não dialoga com a sociedade civil, e isso é muito complicado. O Tribunal de Justiça é a cúpula de um Poder e, portanto, a função do presidente é uma função política no sentido macro, não política partidária, e você só faz política dialogando com as pessoas, contrapondo posições e chegando à construção de consensos possíveis. Diria que a gestão do presidente Eserval tem aspectos positivos, mas o grande problema é não protagonizar a solução da crise.
Tribuna – O que fazer para solucionar diante de um orçamento curto, uma folha de pessoal que está à beira de estrangulamento?
Luiz Viana - É preciso construir um plano de reestruturação, aberto ao debate, ao diálogo com os outros poderes e com a sociedade civil. O mais importante é sentar na mesa, o que não acontece hoje, veja a greve dos servidores, ninguém conseguiu sentar na mesa com o presidente do Tribunal. A questão orçamentária, a OAB já se colocou à disposição do corregedor para fazer uma discussão sobre esse tema. A Lei de Responsabilidade Federal estabelece que o Judiciário só pode gastar até 6% da receita corrente líquida do Estado. Então, temos hoje um paradoxo. O Tribunal tem mais de R$ 350 milhões em conta e não consegue fazer concurso para juiz e nem para servidor. Por quê? Porque está no limite desses 6%, depois que passa dos 5,4% entra no limite prudencial e não se podem fazer mais contratações. Esta não é uma questão jurídica apenas. É um erro de visão do problema. Se o acesso à Justiça é garantido pela Constituição e é um direito fundamental de cada cidadão, e mais do que isso, um fator de diminuição de violência, porque é uma forma pacífica de solução de conflitos, essas regras constitucionais não podem ser limitadas por uma lei complementar. Estamos propondo uma discussão séria, do ponto de vista jurídico, do questionamento da constitucionalidade deste artigo. Mas, para isso, tem que ser construído dentro de um plano. Se for construído um plano para que daqui a dez anos saiamos da crise e daqui a dez anos tivermos um Judiciário muito melhor do que a gente tem hoje, talvez possamos questionar e levantar esse limite para 7%, 8% ou 9% durante cinco anos, durante sete anos, dez anos, mas isso só pode ser feito se você tiver um plano e as pessoas saibam que isso é provisório.
Tribuna – Por que a Ordem não denuncia juízes corruptos, já se os advogados são vítimas dessa ação deles... Existe algum tipo de conveniência para não indispor?
Luiz Viana - A OAB, todas as vezes que recebe as informações, promove as representações. Uma coisa que precisamos discutir seriamente no Brasil é acabar com o sigilo de processos disciplinares contra advogados que correm em sigilo. Sugeri ao Conselho Federal a mudar isso. Não faz mais sentido, tendo em vista que o sigilo, quando a gente faz as representações, a gente não pode colocar na imprensa, porque está protegido pelo sigilo. Quando o presidente Eserval Rocha tomou posse, o então corregedor nacional de Justiça, hoje presidente do STJ, ministro Falcão, veio à Bahia e deu uma entrevista coletiva que existiam sete desembargadores do Tribunal de Justiça investigados pela Polícia Federal e pela Receita Federal. Não faz nenhum sentido porque ele tinha que dizer o nome dos sete, porque tem 50 desembargadores e você coloca todos em suspeição e as pessoas ficam na dúvida. Então, o sigilo dos processos disciplinares, que envolvem juízes, advogados e Ministério Público, é uma coisa que precisamos repensar e ter cuidado com a honorabilidade das pessoas. Todas às vezes que a OAB recebeu reclamações com indícios ou provas da má atuação de juízes, ela representou. Agora, o que eu não faço é atuar, representar, atuar ou reclamar com base em boatos, porque aí você começa a entrar num campo minado de conveniências subjetivas, mas nós na OAB trabalhamos com interesses públicos objetivos.
Tribuna – Já está em curso a disputa pelo comando da OAB. De alguma forma a candidatura de Carlos Rátis ameaça os seus planos de reeleição?
Luiz Viana - Quanto mais candidatos, melhor. As disputas na OAB são oportunidades para homens e mulheres, advogados e advogadas, que compartilham dos mesmos interesses em manter a OAB uma entidade de maior credibilidade do país. A campanha é o momento para mostrar que podemos fazer política de alto nível, que podemos nos contrapor nas ideias e nas propostas, e que a classe possa fazer a sua escolha. Todos os colegas que queiram têm legitimidade para pleitear a presidência da Ordem. Fui chamado e conclamado pelo meu grupo e pelos advogados para ser candidato novamente, porque a gente defende um projeto, um programa e ideias. É fundamental e muito importante que apareçam programas e ideias contrapostos ao nosso para que possamos, nesse debate, encontrar uma síntese que seja o melhor para a advocacia. Todos que sejam candidatos contribuem para a gente fazer um debate mais profundo para a advocacia e que vença aquele que seja capaz de convencer a classe que tem o melhor projeto e proposta.
Tribuna – O senhor é herdeiro de uma família política. Nutre alguma pretensão política, já foi citado como possível nome a vice na chapa do PT em 2016?
Luiz Viana - Isso é uma coisa muito curiosa. Na última eleição para governador, fui convidado por cinco partidos para sair candidato e isso gerou uma conversa enorme na minha classe e disse que na minha tradição católica, a gente aprende que tudo tem seu tempo. Isso para dizer que eu era e sou presidente da OAB e tenho interesse em continuar contribuindo na política da minha classe, na política da advocacia. Não tenho nenhum interesse político partidário nesse momento, não tenho filiação partidária e não trabalho com essa lógica. A Bahia, durante muito tempo, viveu a lógica binária do: você é meu aliado, você é meu amigo. Você é meu adversário, você é meu inimigo. Na política partidária isso está mudando, e nós da OAB não trabalhamos com essa lógica binária, ou seja, aqueles que eventualmente se contrapõem a uma ideia, programa ou projeto não se tornam meu inimigo. Eles podem ser meus adversários e continuar tendo uma convivência pacífica comigo. Em relação à política partidária, a OAB é uma entidade que faz política macro, mas não faz política partidária. No nosso conselho atual, temos pessoas da esquerda, da direita, de todos os partidos políticos, eu não faço parte de nenhum partido político e, agora, estou preocupado apenas em conduzir a minha gestão, até 31 de dezembro deste ano, e me apresentar ao debate dos colegas para as eleições em novembro.
Tribuna – Caso seja eleito, não poderá ser um trampolim para uma possível candidatura política em 2018?
Luiz Viana - Primeiro não gosto de falar se eu for eleito. Eu sou candidato. Não gosto de marcar com antecipação comemoração de vitória. Eu vivenciei isso em 2012, quando sai atrás na disputa e venci como candidato da oposição. Com isso, aprendi a ter humildade diante do processo eleitoral. A gente tem uma participação importante, mas às vezes ele vai sendo construído pela vontade difusa das pessoas que estão lá. Hoje, tenho a construção de uma plataforma de campanha com os meus colegas, mas não estou trabalhando ainda com a próxima gestão. Não fico fazendo projeções futuras e não tenho nenhum interesse partidário. A OAB da Bahia, por si só, dá visibilidade àqueles que estão à frente da sua direção e eu, humildemente, dou minha contribuição, mas isso não faz com que esteja credenciado a pretensões que não sejam essa de contribuir com a minha classe, e contribuir com a advocacia é contribuir um pouco com essas discussões mais amplas, como essa questão da crise do Judiciário, que tem sido uma preocupação nossa.
Tribuna – É chegada a hora de se ter uma discussão mais aprofundada sobre o exame da Ordem? O senhor é a favor?
Luiz Viana - Sou a favor do exame da Ordem. Pelo contrário, ele deve ser mantido. Fizemos uma audiência pública na OAB para discutir alguns dos projetos de lei que estão em tramitação no Congresso Nacional e que envolvem a estrutura jurídica da Ordem, como a proposta do fim do exame, do controle externo pelo TCU e as eleições diretas para presidente nacional da OAB. É lamentável que isso possa ser utilizado como instrumento de pressão. O Congresso Nacional tem toda a legitimidade para mudar a legislação da OAB, na hora que entender que tem que ser mudado, portanto, não retiro a legitimidade do Congresso para fazer essa discussão sobre o estatuto da OAB, que é da sociedade. A OAB é do Brasil, não apenas dos advogados. É legítimo que seu estatuto, que é uma lei federal, possa sofrer mudanças. Mas não é legítimo que a proposta das mudanças seja para atacar, enfraquecer e coagir a OAB, em um momento político específico. É altamente reprovável. Dito isso, sou a favor da manutenção do exame da Ordem porque o exame é uma garantia para a cidadania. Estabelecemos limites mínimos de qualidade para alguém que vai lidar com a proteção da vida, da liberdade, da honra, do patrimônio. Aquele que vai tratar dos direitos dos cidadãos deve ter uma qualificação mínima. Se você pegar a Europa e os Estados Unidos o exame para entrar na OAB é muito difícil. No Japão, se você perder três exames, você tem que voltar para a faculdade se quiser fazer o quarto. No Brasil não tem isso, você pode fazer quantos exames quiser. Calcula-se que a gente tem hoje 1,2 milhão bacharéis no Brasil que não passaram no exame da Ordem. Isso significa que, se acabar com o exame, entra no sistema OAB por ano quase R$1 bi. Do ponto de vista financeiro, seria muito melhor abrir as comportas para essas pessoas entrarem e pagarem anuidade na OAB. Mas, o interesse da OAB é se ter uma qualificação mínima para garantir àqueles que são defendidos pelos advogados. O exame não garante 100%, mas é o mínimo do mínimo. E a gente faz um esforço enorme para, dentro dos limites do processo, disciplinar, punir os advogados que não correspondem às necessidades mínimas de qualificação e ética. Nesta gestão já suspendemos 285 advogados. A gente tem uma preocupação com aqueles que, mesmo passando no exame da Ordem, não tem qualificação ética para continuar na profissão.
Colaboraram: David Mendes e Fernanda Chagas