O presidente da Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), Ricardo Alban, diz ver os impactos da crise econômica no estado com preocupação.
O dirigente lembra que o setor das indústrias já vinha passando por um processo de perda ao longo dos últimos anos. “Se não fosse a indústria de transformação, a indústria extrativista, poderia dizer que a indústria brasileira como um todo teria perdido muito mais. A gente já vivia um problema crônico há muitos anos e que certamente a crise agrava muito mais e as estatísticas estão provando isso”.
Em entrevista exclusiva à Tribuna, o presidente da Federação também diz que nesse cenário faltam expectativas de futuro para que as indústrias tenham um planejamento no presente. “Em indústria, primeiro você precisa planejar. Não se faz indústria, não se pensa indústria, ou crescimento industrial, sem se planejar”, atesta.
Tribuna da Bahia – Como a Fieb tem visto a crise econômica e seus impactos na indústria da Bahia?
Ricardo Alban – Com muita preocupação, obviamente, com ansiedade, por não encontrar expectativas favoráveis. Afinal de contas, esse momento econômico torna muito mais grave para a indústria, porque ela já vem em um processo de perda ao longo dos últimos anos bastante significativa. Aos longo dos últimos dez anos a indústria de transformação perdeu a expansão representativa relativa ao PIB nacional em torno de 9%. Obviamente, o segundo semestre para a indústria tende ser ainda mais preocupante, uma vez que é sempre a indústria a última a tomar suas decisões, quer seja de redução do quadro de pessoal, quer seja redução de produção, de tomada de investimentos, e como são decisões de consequências de médio e longo prazo, a indústria tende sempre a retardar essas decisões que poderão estar se culminando ao longo desse segundo semestre se as expectativas não começarem a se reverter.
Tribuna – Há uma previsão de demissão acentuada?
Alban – Os números e as estatísticas já dizem por si só o quanto a indústria tem perdido e o que tem acontecido. Quando eu digo segundo semestre, é porque nós vivemos momentos delicados. Todos identificam os equívocos cometidos no passado e todos conseguem enxergar caminhos que podem ser alternativos. Mas em um momento que nós vivemos junto com essa crise econômica uma crise institucional, onde não conseguimos encontrar uma segurança, uma estabilidade, quer seja política, quer seja institucional para podermos começar a caminhar para um fim desse ciclo econômico. Porque a crise econômica são ciclos, seja no Brasil ou no mundo. Já passamos alguns momentos aqui e outros países no mundo já passaram. No momento que junto com isso vem a crise institucional, onde não conseguimos ter uma convergência de estabilidade política, de interesses nacionais, fica difícil você conseguir planejar. Em indústria, primeiro você precisa planejar. Não se faz indústria, não se pensa indústria, ou crescimento industrial, sem se planejar. Para se ter planejamento, precisa ter expectativa, condições visualizadas e mensuradas.
Tribuna – Como o senhor viu a iniciativa das Federações do Rio e São Paulo de pedir um pacto pela governabilidade do país?
Alban – As instituições têm demonstrado isso, mas nós precisamos de um posicionamento político. As instituições obviamente estão preocupadas com o desenvolvimento econômico, com a capacidade produtiva desse país, que está comprometida nesse momento de crise econômica, comprometida por uma crise institucional e também uma operação que está aí e deve ser apurada, depurada, tem que ser atribuída a quem deve, mas que não pode parar a economia do país. As instituições precisam ser preservadas. O patrimônio do país é um patrimônio do povo brasileiro, é um patrimônio da nossa nação com expertise acumulada. A engenharia brasileira hoje é reconhecida mundialmente, assim como é a nossa agricultura. E nós não podemos perder esse patrimônio. Então, nós temos uma crise econômica, obviamente sabemos das limitações orçamentárias dos cofres do governo que estão exauridos, mas temos essa crise oriunda da Lava Jato que está criando um impasse para o desenvolvimento econômico.
Tribuna – A Lava Jato traz impactos para a indústria da Bahia?
Alban – Traz e muito, porque ela envolve a maior investidora desse país que é a Petrobras e todos seus steakholders, isso afeta muito a Bahia. Desde a sua formação industrial, a formação do PIB, então tem um impacto muito representativo. E como todos sabem, as grandes empresas baianas estão sendo envolvidas nesse processo. O que nos preocupa, como Federação das Indústrias, é que as empresas, quer sejam baianas, ou as brasileiras, busquem convergir para uma solução que garanta a existência dela, a operacionalidade e garantam seus postos de trabalho. Porque é o setor produtivo que gera renda e trabalho. Se nós não nos comprometermos com isso aqui, e um patrimônio que nós temos hoje, o programa PIL, de investimentos em logística, precisamos dessas grandes empresas fazendo parte desse processo. Obviamente queremos atrair outros investidores, mas queremos essas empresas participando, pela sua tecnologia, pelo seu conhecimento e porque também se nossas próprias empresas não têm condições de participar, como é que vamos atrair outras empresas? Isso afeta principalmente o financiamento, nós temos uma situação onde a crise econômica já por si só faz com que o mercado econômico se retraia. Aliado a isso, com o envolvimento dessas empresas sem nenhum horizonte do que vai acontecer com elas, é natural que todo fluxo do mercado internacional também seja interrompido. Como é que nós vamos garantir a sustentabilidade?
Tribuna – Qual a saída para preservar os empregos e fazer com que a operação não pare o país? Acordo de leniência?
Alban – Tem que haver uma conscientização. O que é um processo que precisa ser apurado, volto a dizer que esse é um processo investigativo que precisa apurar as responsabilidade e ser destinada às pessoas, não a empresas. As empresas são gerenciadas por pessoas, as empresas podem ser chamadas a arcar com o ônus financeiro, mas não com a sua sustentabilidade. Temos que nos preocupar com isso, acho que é uma ação que deve ser coordenada pelas próprias entidades e pelo próprio governo e ter o entendimento do próprio Ministério Público, que é o ator principal e tem um papel fundamental daqui para a frente. Eles estão dando uma possibilidade de um novo tom ao conceito da sociedade brasileira. Esse momento de responsabilidade traz ônus e bônus.
Tribuna – A forma de gerir a coisa pública vai passar por mudanças?
Alban – Com certeza. Nós temos a expectativa que isso ajude a crescer as representações institucionais, por exemplo as federações das indústrias, dos comerciários. Ou seja, as entidades de classes podem e devem ser vistas daqui para a frente como um vetor de comunicação, de interlocução entre o ente público e o ente privado, mais legítimo, mais fluido e mais transparente. O que pode ajudar muito a tirar a expectativa de posturas, usos e costumes que talvez possam continuar enraizados dentro da nossa cultura. Esse é um caminho bastante razoável para ser explorado.
Tribuna – Como o senhor vê a prisão de grandes empreiteiros, coisa até pouco inimaginável. Há excessos na Lava Jato?
Alban – Acho que nós temos um Judiciário onde temos hierarquia. O Supremo [Tribunal Federal] deverá se pronunciar. O Poder Judiciário não poderá se mover por opinião pública, temos que ser movidos pela lei. Existe a primeira instância, que é a Justiça Federal, e está tomando as primeiras providências, e cabe ao Supremo julgar os processos. Agora, que o direito de ampla defesa deve ser exercido, deve ser porque isso é um preceito constitucional. Se existe excesso, a Justiça vai caminhar para determinar se esses excessos estão sendo extrapolados ou não, se a opinião pública está exercendo algum tipo de influência ou não, mas temos que seguir. O que não podemos é perder o estado de direito. Se existe necessidade de apuração, vamos apurar. Mas se existem evidências de que pode haver um mesmo processo com exacerbações do direito, nós podemos permitir que isso aconteça.
Tribuna – O que fazer para as empresas terem menos impactos no setor produtivo?
Alban – Tem que entender toda a ambiência desses processos. Uma coisa que eu tenho plena convicção é que as empresas precisam ser preservadas. Se o acordo de leniência for a ferramenta mais adequada, se a ambiência desse momento que estamos vivendo, quer seja nesses processos de investigação criminal, quer seja nesses processos de ambiência política ou econômica, pode ser o melhor caminho? Vamos verificar se é, sem radicalismos, sem excessos. Se essa é a ferramenta adequada, eu não tenho condições de avaliar se o acordo de leniência é o adequado. Mas, qualquer que seja o remédio, a ferramenta, utilizada para que possa preservar todo esse patrimônio que nós temos, empresarial, que é quem garante emprego e renda, agravados ainda por uma crise no sistema econômico, isso acho que toda a sociedade brasileira tem responsabilidade em pedir e clamar para que esse caminho seja seguido. A grande preocupação que temos também, com relação a essa situação toda, é que nós temos um caminho que o setor produtivo precisa de expectativas. Temos, daí, uma situação de indefinição política que pode levar a que essas expectativas se prolonguem ao longo de um tempo e obviamente a economia não pode viver com expectativas sem nenhum vislumbre durante muito tempo. Não podemos correr o risco de uma eventual argentinização, onde a situação econômica da Argentina se perdura por muito tempo, sem uma clara definição, e nem podemos correr o risco de um agravamento endêmico, como a situação da Grécia. Precisamos identificar o fim desse ciclo. Isso que é muito mais importante. É preciso unir esforços para sair da crise. Até porque, o ciclo econômico precisa ter um começo, um meio e um fim. Nós estamos em um meio sem conseguir enxergar claramente o fim, e todas as medidas econômicas que podem ser tomadas, essa é outra preocupação, elas foram tomadas com uma expectativa, o resultado gerou um impacto muito forte no setor econômico de tal forma que ela por si só não está sendo suficiente. Vamos ter uma segunda onda de ajustamento econômico, ela é necessária, talvez sim.
Tribuna – O ajuste, da forma como está sendo posto, é frágil?
Alban – Não é nem que é frágil, é que ele foi muito calcado no setor produtivo. Essa eu acho que foi a grande falha. Uma parte desse ajuste econômico é mais importante para quebrar as expectativas do que o resultado em si. As expectativas são um fator preponderante para a economia. Contingenciar o orçamento não é uma postura definitiva, radical, concreta de redução de custos, de enxugamento da máquina, etc. Foi feito um pré-contigenciamento que normalmente cai em investimentos, e isso não ajuda um ciclo econômico a se encerrar, mas uma tentativa de recuperação da receita com o entendimento de excessos dados no passado em incentivos, desonerações, entre outros. Só que isso vem em um momento de quadro recessivo na economia e só vai agravar ainda mais o quadro recessivo. Aliado a isso você adota uma política de juros exagerada, ao meu ver. A política de juros é muito eficiente quando a expectativa inflacionária vem de uma pressão de demanda, não é o caso que o Brasil está vivendo efetivamente. Toda a inflação que estamos vendo vem de preços administrados e essa é consequência na cadeia produtiva, mas a cada dia a demanda no país está reprimida. Vimos ainda uma constante, se aumenta os juros, como ferramenta de política monetária, muito mais voltada para a expectativa futura da inflação do que por uma ação efetiva sobre uma origem composta por pressão de demanda. Eu acho um grande equívoco. Esse resultado de expectativa viria muito mais favorável se atuasse até sobre coisas muito mais simbólicas do que efetivamente representativas em termos de valor econômico e financeiro. O grande exemplo que há algum tempo o Congresso vem dizendo que é enxugar a máquina, isso é muito mais representativo do que o resultado financeiro, mas vai de encontro a tudo aquilo que tanto se precisa para quebrar as expectativas. Se nós temos exemplos, nós conseguimos quebrar as expectativas de forma muito mais eficiente que às custas de juros elevadíssimos, porque essa conta chega. A conta dos juros elevados está acelerando um processo de desaceleração econômica e, mais do que isso, comprometendo ainda mais o problema da nossa dívida interna. Ela tem ônus, estamos com dificuldade de conseguir o superávit primário, já tivemos a redução de orçamento, não ajuda nas expectativas, principalmente as internacionais. O grande embate quando começou esse ajuste econômico, a primeira vontade que se existia quando o [Joaquim] Levy assumiu era diminuir aquele risco iminente de um downgrade no Brasil. Esse risco está voltando a acontecer. Não é à toa que o dólar está voltando a se elevar, o que favorece a exportação, mas é um efeito de médio e longo prazo, mas que traz outros efeitos de curto prazo bastante agravantes. Inclusive, alimentar um pouco o processo inflacionário. Um downgrade significaria uma compulsoriedade de uma série de investimentos de risco que estão aqui no Brasil, especulativos, que teriam que se retirar. Os grandes fundos de investimentos que aplicam seja no mercado de renda fixa, seja no de renda variável, eles são obrigados a se retirar do país.
Tribuna – O que fazer para reverter esse cenário, vontade política?
Alban – Tem que haver um entendimento político. Esses sinais que demonstram para os formadores de opinião, os atores econômicos, quer seja internos e internacionais, essa falta de entendimento institucional, não dá para conviver. Não podemos ter uma política econômica que está, obviamente ainda está voltada para o lado da receita, mas contenção de gasto como temos no Congresso Nacional aprovando aumento de gastos. Isso não é convergência de interesse nacional. Não faz bem para o país. Começam cada vez mais as expectativas ficando difíceis. Com expectativa negativa, você não toma decisão.
Tribuna – O que fazer para minimizar os impactos dessa crise e tentar usá-la até como janela de oportunidade? Isso é possível?
Alban – Sempre se diz que a crise traz consigo oportunidades. Isso parece um pouco de filosofia, mas obviamente traz. Mas estamos mudando um pouquinho a nossa cultura, principalmente de gestão pública. A gestão pública precisa entender que precisamos ter política de estado e não políticas de governo. As políticas de estado nos permite entender o depois, não o agora, nem aquele período de tempo. Precisamos ter a conscientização de que precisamos de políticas industriais, assim como tivemos muito sucesso na política agrícola desse país. A agricultura, mesmo com a adversidade de logística enorme, ela é uma das mais produtivas.
Tribuna – Valorização e incentivo à pequena e microempresa é uma alternativa para driblar essa crise?
Alban – Claro. Com esse aumento de desemprego, você reduz também as expectativas de emprego de realocação. Agora, uma das oportunidades que surgem, certamente, esse profissional que ficou escondido no mercado de trabalho com o setor recessivo, começa a pensar em opções. E talvez opções que antes não pensasse por estar em uma área de conforto, não querendo empreender ou arriscar. Agora, tende a surgir um mercado de novos, micros e pequenos empresários que, por falta de expectativa em suas carreiras, tendem a empreender. Essa é a capacitação que busca o Sebrae e certamente poderá ajudar a movimentar um pouco a economia. Não significa estimular o consumo. Como encabeçamos essa campanha que o Sebrae está fazendo, com insumo ao pequeno produtor. Não é uma política ante a política econômica de estimular o consumo. Primeiro, nossa inflação não vem de uma pressão de demanda. Compromete-se investimentos com a promessa de capacidade produtiva e qualquer melhoria que possa se dar pelo estímulo do consumo, você vai cair na famosa lei da oferta e da procura. Vai ficar com a oferta que ficou represada e que não tem capacidade de resposta imediata, e o consumo pode responder mais rápido do que a capacidade de oferta. Então aí corremos o risco de o futuro gerar uma pressão de demanda.
Colaboraram: Aparecido Silva e Gerson Brasil