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Relator da terceirização se preocupa com "fragilidade da CGU e do TCU"

Nesta entrevista, ele defende as investigações da Lava Jato

À frente da relatoria de um dos projetos mais polêmicos dos últimos tempos no Congresso Nacional, o deputado federal Arthur Maia (SDD) destaca a importância de se regulamentar a terceirização, numa briga contra aqueles que “desejam a continuação da insegurança jurídica”.

Nesta entrevista, ele defende as investigações da Lava Jato, mas questiona a “fragilidade” da CGU e do TCU na fiscalização com o governo. Ele prevê a continuidade do ambiente difícil entre a presidente Dilma Rousseff e as duas casas legislativas.

O deputado ainda diz que não tem expectativas positivas em relação à gestão do governador Rui Costa (PT) e elogia o prefeito ACM Neto (DEM), reforçando a aliança com a administração municipal.

Tribuna da Bahia - Como o senhor avalia essa lei das licitações que está relatando na Câmara Federal? O que o senhor conseguiu alterar no texto da legislação?      
Arthur Maia - Na verdade essa lei é inédita. Apesar de no Brasil existir 12, de trabalhadores terceirizados, por incrível que pareça não tem até hoje uma única lei que regulamente a matéria. Na ausência total, o Superior Tribunal do Trabalho criou a súmula 331, que basicamente diz que é possível terceirizar as atividades-meio e não terceirizar as atividades- fim, além disso, lista algumas atividades-meio, como transporte, segurança, limpeza, mas acontece que quando passamos para o mundo complexo da economia não existe nenhuma condição de distinguir o que seja efetivamente atividade- meio e atividade-fim. Quando nós vamos para uma empresa de automóvel, por exemplo, tudo que está lá é basicamente terceirizado porque numa montadora nós temos um início de uma produção, uma empresa monta o chassi, a outra monta o motor, a outra a cavidade do carro, e todas são terceirizadas, trabalham na atividade-fim e a Justiça do Trabalho permite. Em outros casos, entretanto, estamos vendo a ação da Justiça do Trabalho para impedir aquilo que o empresário considera lícito, mas em função desse conceito absolutamente fluido ele não sabe se é ou se não é, e aí temos sempre uma realidade de total insegurança jurídica. Esse ambiente de insegurança prejudica muito o Brasil. Em todos os países do mundo em que se pratica a terceirização, a regra é criar uma série de mecanismos que assegure que a empresa terceirizada vai pagar todas as obrigações que elas têm com seus trabalhadores. Aqui no Brasil, como não tem nenhuma regra, as empresas terceirizadas não têm nenhuma fiscalização, e isso prejudica muito os trabalhadores. Se uma pessoa numa segunda-feira acordar e decidir abrir uma empresa terceirizada, basta ele ir na Junta Comercial e pagar R$300 e começar no dia seguinte. Daqui a pouco essa empresa está com 300, 500, 1 mil empregados e não tem nenhuma fiscalização nem de quem contrata essa empresa, nem do governo para saber se os direitos dos trabalhadores estão sendo respeitados. Um belo dia, essa empresa que não tem nenhum patrimônio, nem faz nenhum provimento para pagar os seus encargos, a bomba explode, o dono desaparece e os trabalhadores ficam a ver navios. A lei que relatamos criou vários conceitos que garantem que o trabalhador não vai ficar sem receber seus direitos, conceitos e condições que qualificam a empresa. Acabamos com aquele tipo de empresa faz tudo que era um problema, mera intermediação de mão de obra. A partir da nova lei, toda empresa tem que ter um objeto social único. Quando a empresa é especializada, precisa dar treinamentos aos funcionários sobre aquilo que ela propõe a fazer. Mais importante que isso, a empresa tem que ter integralizado o seu capital social, não pode ser aquele negócio em que a pessoa diz: 'Eu tenho uma empresa que um capital social de R$ 1 milhão a integralizar em vinte anos'. Não pode ser assim, mas ter integralizado aquilo que diz que tem no capital social ou em dinheiro ou patrimônio. Mais ainda: a empresa, a partir da Lei, vai ter que ter, em todo o contrato que fizer, vai precisar o seguro garantia no banco de 4% no valor do contrato para garantir o pagamento do trabalhador terceirizado, e o mais importante é que a responsabilidade será solidária, onde tanto o dono da terceirizada quanto quem contratou tem responsabilidades sobre o trabalhador. Se a terceirizada não pagar, quem contratou vai ter que pagar. Portanto são benefícios que vão melhorar a vida do trabalhador.

Tribuna - Como o senhor avalia as críticas de especialistas de que a PEC 4330 seja um remendo?
Arthur - Olha, eu não vi isso em lugar nenhum. Vi que tem pessoas que são contra na Justiça do Trabalho. Muitos desejam que continue sendo a legislação ambulante porque cada um leva na sua cabeça aquilo que vai decidir sobre atividade-meio e atividade-fim. É isso que querem, a insegurança para que o juiz decida achar da maneira que deve decidir, isso prejudica todo mundo. Agora existem especialistas da mais alta qualificação que defendem a matéria.

Tribuna - Não haveria um ataque aos direitos trabalhistas, como muitos setores estão falando?
Arthur - Quais são esses ataques? Aponte-me um único artigo da lei onde esteja sendo retirado um direito do trabalhador. A única coisa que eles se queixam da lei é o fim desse conceito esdrúxulo, de que pode terceirizar a atividade-meio e não pode terceirizar a atividade-fim. Essa é a única questão que realmente é polêmica na lei. O resto todo mundo concorda. Eu não concordo realmente com esse negócio de atividade- meio e atividade-fim. Isso cria uma situação de insegurança e prejudica - eu repito - as empresas e os trabalhadores.

Tribuna - Como o temor em se discutir a CLT e fazer uma ampla reforma trabalhista?
Arthur - Olha isso seria um tema bem mais amplo, não sei como essa questão seria tratada. Agora essa lei da terceirização é muito importante, pois representa 30% da força de trabalho no Brasil, ou seja, é muita gente. Tem uma repercussão muito grande. Agora, se você me perguntar por que alguns sindicatos são contra, eu lhe respondo. Eles acreditam que, quando acontecer a lei das terceirizações, vão surgir novas categorias profissionais, com isso surgirão novos sindicatos e consequentemente o bolo sindical vai ter uma fatia menor pra cada um, pois vai ser mais gente pra comer do mesmo bolo. Então a luta, pelo que eu estudei, posso assegurar que eu vi, é que existe uma luta dos sindicatos, uma preocupação para se manter a renda dos sindicatos.        Por outro lado eu acho que, com todo o respeito que tenho pelos sindicatos, o trabalhador é muito importante. A lei realmente atende ao trabalhador.

Tribuna - O senhor acredita que está havendo uma partidarização ou politização excessiva dessa discussão?
Arthur - Eu acho que partidarização apenas nesse ultimo momento houve, apenas porque o PT está numa situação muito constrangedora na Câmara com a votação dessas medidas provisórias que de fato tiram muitos direitos dos trabalhadores estão aproveitando a agenda da terceirização para dizer que ela é contra o trabalhador, o que não é verdade. Agora, do ponto de vista da colocação social, há essa posição dos sindicatos que são contra por causa de suas rendas, eu acho legitima, agora o trabalhador é muito mais importante. Eles têm essa ideia que a lei deve ser fluida, que o juiz decide, sem dar nenhuma segurança para ambas as partes. Eu discordo plenamente disso.

Tribuna - A denominação que existe hoje de atividade meio e atividade fim não vai fragilizar as relações de trabalho?
Arthur - Como isso pode acontecer? Primeiro eu já citei a você todos os direitos que serão assegurados que hoje estão desprotegidos, tudo são garantias para o trabalhador. Agora essas empresas terceirizadas mais fortes vão produzir relações muito mais consistentes, menos precárias. Eu enxergo esse processo exatamente ao contrário do que você me pergunta. Agora, tem o seguinte: as pessoas sempre enxergam a terceirização no seu pior aspecto, que é a terceirização das funções menos qualificadas. Outro dia eu estava em um debate e uma pessoa perguntou: 'Por que não tem mais concurso para copeiro no Tribunal de Justiça? Pra quê? O Tribunal de Justiça tem que ter juiz, tem que ter técnico judiciário, oficial de justiça, mas o copeiro tem que ser especializado. Certamente a empresa terceirizada se especializa naquela função e terá condição de colocar ali, num preço menor, pessoas que possam exercer aquele serviço melhor. Como é que o Tribunal vai treinar garçom? A mesma coisa é com a segurança do Tribunal. Eu vi muitas pessoas se queixando nas redes sociais porque tinha a empresa pública. Tudo bem, eu acho que é absolutamente legítimo que as pessoas sonhem em fazer concurso e ingressarem em um serviço público, mas será que é bom termos um país de concurseiros? Agora, é claro que as atividades de carreira jamais poderão ser terceirizadas. Tem uma coisa que, se fizermos uma pesquisa, uma consulta à sociedade brasileira, você ouvirá que o serviço público é ineficiente e grande demais. Esse é o conceito que o povo brasileiro tem.

Tribuna - A disputa entre os presidentes Renan Calheiros no Senado e Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados vai travar o projeto no Senado?
Arthur - Olha eu sei que o Eduardo Cunha colocou o projeto para votar a pedido do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal. Eu até tive uma oportunidade de participar de uma reunião entre o Eduardo e o Lewandowski em que o ministro disse: 'Olha, essa questão de atividade-meio e fim, ela está para ser votada agora no Supremo e o Supremo não quer mais uma vez levar a fama de que está legislando em lugar do Congresso Nacional'. Uma empresa entrou ano passado com uma ação no Supremo questionando a súmula 331 do Supremo Tribunal do Trabalho, dizendo que é inconstitucional, e é mesmo, porque ela interfere na livre iniciativa. No artigo 1 da Constituição Brasileira diz que o Brasil é um país que absolve a economia de mercado, não é socialista. Então se é assim, você tem empresas que têm a oportunidade de produzir bens e produtos dentro da nossa realidade econômica. Qualquer empresa para isso tem que cumprir uma série de obrigações, como tributos ao Estado, responsabilidades ambientais, e outras obrigações trabalhistas. Agora querer o Estado mais do que isso e dizer que uma empresa que já cumpre todas as obrigações vai construir uma mesa, olha, eu vou aqui construir o tablado, mas o pé direito eu vou comprar em outra fábrica porque tem expertise, e aí o Estado diz: 'Não. Você não pode fazer isso'. Isso é um absurdo, coisa despropositada. Isso é a sumula 331. Lá (Supremo) já tem votos suficientes que indicam a inconstitucionalidade da 331. Eu acho que se o presidente Renan Calheiros não querer decidir, como dizem, o Congresso Nacional vai ser atropelado.

Tribuna - Como o senhor avalia a crise entre a presidente Dilma Rousseff (PT) e o Congresso Nacional? O vice-presidente Michel Temer vai conseguir reverter essa fragilidade?
Arthur - Eu tenho uma admiração pessoal muito grande pelo presidente Michel Temer, me considero amigo dele, mas acho que ele assumiu um cargo extremamente perigoso. Não dá para o partido do coordenador político, sendo ele vice-presidente da República, não votar junto com a posição do coordenador político. Sinto que isso não vai acontecer várias vezes. O ministro Joaquim Levy me procurou várias vezes, e diga-se de passagem que só me procurou para tratar de aumento de impostos. Eles queriam aumentar a alíquota de cobrança da contribuição previdenciária e eu não aceitei. O vice-presidente Michel Temer fez algumas gestões para que se aceitasse essa posição, mas o presidente da Câmara junto com o líder disseram que não, e então o partido votou contra a posição do governo. Eu acho que essa dificuldade vai vir à tona permanentemente. Isso fragiliza o governo.

Tribuna - Como o senhor vê as investigações da Lava Jato?
Arthur - Eu acho que são muito graves e mostram que o Brasil é muito falho no seu acompanhamento de governança. Eu fiquei realmente impressionado em ver que o ex-ministro da CGU, Jorge Hage, não tinha conhecimento de nada daquilo. Onde estava a CGU que permitiu que se roubassem bilhões de reais? Qual o papel do Tribunal de Contas da União que não viu?

Espero que as investigações continuem e que os culpados sejam punidos, mas acho que o escândalo revela também a fragilidade dos órgãos de contas e de governança no país.

Tribuna - O senhor acha que essa investigação vai obrigar a todos a uma nova forma de fazer política no Brasil?
Arthur - Eu acho que vai ser preciso fazer uma discussão, sobretudo em relação a gastos de campanha. A discussão, entretanto, é muito complexa porque alguma forma haverá de se ter para financiar as campanhas eleitorais. Hoje você tem um financiamento de campanha – os empreiteiros não financiam tudo, pelo contrário, acho que eles não são os maiores financiadores no âmbito geral, podem ser os maiores individualmente, mas os setores da construção civil não creio que sejam os que mais investiram em campanhas, até porque a JBS, por exemplo, que é de setor de alimentos, gastou sozinha 350 milhões. Eu acho que é preciso que se veja com mais atenção e propriedade onde é que vamos parar. De um lado há uma posição de muitos, inclusive correndo processo no Supremo de proibição de financiamento privado. Não passou a valer ainda. Agora vimos essa questão do aumento do fundo partidário. E ainda teve a grita geral das pessoas porque se passou para os partidos R$ 800, R$ 900 milhões para os partidos e você imagine quando tivermos uma eleição paga com o dinheiro do contribuinte que custe R$ 5 bilhões, 6 bi, dinheiro que poderia está indo para a segurança, educação, saúde, etc. Não vai ser explicável para a sociedade brasileira. Estamos diante de uma encruzilhada que não sabemos onde vai dá.

Tribuna - O que senhor considera imprescindível na reforma política?
Arthur - Na reforma política acho que precisamos limitar os custos de campanha. Hoje o céu é o limite, então uma pessoa mais rica pode gastar o que quiser. Não pode ser mais assim. Em segundo lugar, diminuir o tempo de campanha para 45 dias e mudar o formato da campanha eleitoral. Acabar com esse negócio de computação gráfica, produção, cenas externas e uma série de coisas que maquiam e mudam a verdadeira feição do candidato. Acho que tudo isso diminuiria consideravelmente os custos da campanha e transformaria os candidatos em um produto mais fácil de ser avaliado pela população. Outra coisa seria a coincidência de mandatos. Que tivéssemos na próxima eleição um mandato de seis anos para prefeitos e nos encontraríamos todos, de presidente da República a vereador, em 2020. Essa eleição ano sim e ano não é muito custosa para o Brasil em todos os pontos.

Tribuna - Qual a sua avaliação do governo Rui Costa nestes primeiros meses?
Arthur - Olha, o governo Rui Costa é uma continuação do governo Wagner, só que em uma situação mais difícil do que o governo Wagner. Você não vê uma obra. Estou aqui hoje em Guanambi e a noticia que chega é que todos os funcionários estão sem trabalhar na Fiol e empreiteiras com suas obras paralisadas. O que existe hoje é uma falta de segurança absurda, com casos escabrosos, que revela a incapacidade crua de combater a criminalidade. Eu não tenho maiores expectativas em relação ao seu governo, infelizmente piorado em comparação com o governo federal. Minha Casa Minha Vida também está parado, o Porto Sul está no mesmo ponto em que estava, a ferrovia parada, e é por aí. Não vejo nenhuma mudança em relação ao que tínhamos ano passado.

Tribuna - Como o senhor avalia a gestão do prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM) e qual a expectativa do Partido Solidariedade?
Arthur - O prefeito ACM Neto está sendo muito bem avaliado. Não há dúvidas quando comparamos a administração que está sendo feita em Salvador e no Estado. É realmente algo que nos deixa muito felizes saber que estamos do lado certo. Apesar de toda a perseguição que ele sofre do governo e da União, as pesquisas apontam ele como o melhor prefeito das capitais no país. Eu acredito que o prefeito merece ser reeleito e nós da oposição trabalharemos sempre para aglutinar essa força nas principais cidades. Nós do Partido Solidariedade vamos lançar um grande número de candidatos a prefeito e vereadores e pretendemos levar esse discurso de oposição ao que está aí, numa forma diferente de governar a Bahia e os municípios, contra a roubalheira e incompetência do PT.

Colaboraram: Fernanda Chagas e Lilian Machado.