Entrevistas / Política

"O Brasil já está sendo passado a limpo" dispara Lídice da Mata

Ex-adversária e agora aliada do governador Rui Costa, a senadora Lídice da Mata traça um perfil político do momento nesta entrevista à Tribuna. A socialista fala do seu retorno à base do governo após rompimento com o PT, quando, pressionada pelo ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), montou um palanque de terceira via no estado. Confira a entrevista completa:

Tribuna da Bahia - A senhora foi candidata ao governo e teve alguns embates duros com o então candidato Rui Costa. Por isso, não dá para começar a entrevista sem perguntar como a senhora avalia essa reaproximação com o PT no estado?
Lídice da Mata -
Até que não foi tão duro como vocês pensam. Eu acho que vim de outro tempo da política onde havia debate entre as forças de oposição. Me lembro que a Tribuna da Bahia colocava uma posição do grupo Novos Tempos, que era o inverso do comitê Conjunto, que uma vez era diferente do nosso que era o comitê Unificado do PCdoB da tendência popular. Então, nós nascemos em um ambiente de debate político, e esse debate era cada vez mais duro. Quando se discutiu a candidatura de Tancredo Neves, lançou-se a candidatura dele aqui e lembro que Marcelo Cordeiro foi um dos primeiros a defendá-la, e todos dizíamos que eram os conciliadores, dito, explicitado. Um momento de debate rico que deixou de ter na esquerda. Eu era uma candidata e Rui era outro candidato. Tínhamos entre nós uma história assemelhada, posições políticas também assemelhadas, e tínhamos que buscar uma diferenciação, então era necessário, em posições que pudéssemos nos diferenciar, certo conflito, senão não se justificaria estarmos em palanques diferentes. É claro que se na campanha a necessidade foi destacar o que nos diferenciava, às vezes até de forma pouco delicada, na pós-campanha a situação se inverte: nós precisamos destacar o que nos aproxima. Temos muitos pontos de aproximação do que de afastar.

Tribuna - Como a senhora avalia esse começo de gestão Rui Costa?
Lídice -
O começo de governo é muito difícil de ser avaliado. Eu, recentemente, vi um discurso duro de um colega contra o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg. Mas quanto tempo ele tem de governo? Ele não tinha nem três meses de gestão e isso faz agora. Qualquer governo tem, durante pelo menos três meses, a necessidade de que ninguém tenha nada a dizer dele. E o governo de Rui não é um governo que inicia ruim. Ele iniciou demonstrando preocupação com a máquina pública, fez uma reforma administrativa que diminui os gastos, que foi um tema do debate da campanha, e ele não prometeu e fez. Ele tem mantido uma centralidade no seu discurso de dar um novo salto na educação da Bahia e esse me aproxima imensamente dele, do governo dele. Ele tem demonstrado ter uma preocupação com o saneamento básico do Estado, tem participado das articulações dos governadores do Nordeste e deixando absolutamente firmado de que ele entende que uma posição de um governo da Bahia não pode ser um governo voltado apenas para dentro. Ele se relaciona bem com o país e com a região que ele está e coordena, lidera reivindicações em todo Nordeste. Estive recentemente com Rui na visita do ministro Armando Monteiro aqui com a Federação de Indústrias, e Rui fez um discurso extremamente coerente e objetivo. Creio que do agrado de todos os empresários que estavam lá, pois não prometeu o céu, mostrou que diante das dificuldades ele quer fazer o máximo possível. Eu avalio que seu governo vai bem, que seus primeiros dias demonstram uma ação em sentido correto.

Tribuna - Como a senhora avalia a divisão de cargos do governo estadual. O PSB está satisfeito com o espaço que foi dado?
Lídice –
O PSB não se aproximou do governo em função dos cargos. Eu disse isso no ato em que nós retornamos ao governo. Nós queremos voltar a debater um projeto para o nosso estado. Um projeto que dê continuidade a aspectos importantes que foram iniciados com o governo de Wagner. Mudanças de cultura, e quando falo dessa modificação cultural eu não quero dizer apenas de que Antônio Carlos [ACM] era perseguidor e Wagner não é. Não é isso, é uma mudança de paradigmas de uma política pública. A minha expectativa é que Rui possa mudar a política de educação. Mudar por dentro. Ele possa valorizá-la mais, tá a frente do comando das ações de educação junto com o secretário, pois isso destaca a pasta, revela a prioridade. Claro que isso não quer dizer que a gente concorde com tudo. Eu, por exemplo, acho que, no tema da Segurança, Rui tem buscado acertar, tem demonstrando o seu movimento, no geral, é um movimento positivo, pois é de assumir a responsabilidade, de chegar junto, de acompanhar, embora possa ter errado no discurso da história do bairro do Cabula, por exemplo. Mas quem não erra? Todos nós erramos. Alguém que está iniciando governo e está fazendo um esforço sincero para superar as dificuldades e os desafios da Bahia.

Tribuna - A grita dos aliados que não foram contemplados já começou a acontecer. A senhora acredita que o governador vai ter algum tipo de problema por conta disso?
Lídice -
A gente precisa ver a política de uma forma diferente. Não podemos dizer que queremos fazer reforma política e ficarmos repetindo posicionamentos que já são retrógrados, já são atrasados. A política precisa ser vista de outra maneira. A política tem um sentido muito pedagógico. Quem está no poder deve fazer diferente. Nós todos que fazemos parte do governo temos que fazer diferente. dos partidos políticos, e profissionalizar mais o estado. Isso tem consequências. É claro que existirão sempre aliados insatisfeitos, pois o estado não pode servir a todos os interesses dos aliados, mas servir aos interesses da sociedade.

Tribuna - O próprio governador admitiu que a crise financeira vai gerar problemas para o estado. Oposição diz que a crise vai inviabilizar o primeiro ano da gestão Rui. Como a senhora avalia esse momento e a dificuldade de atrair investimentos para a Bahia?
Lídice -
Eu acho que não vai ser um ano fácil. Toda expectativa da economia é que ela, pelo menos, consiga não ser negativa, o crescimento não seja negativo. Se conseguir, com todo esse ajuste que for feito, chegar a um crescimento de meio por cento já será uma vitória dentro do quadro que nós temos. Perspectivas dos juros tão altas, com as perspectivas de continuar subindo. A inflação tá acima daquilo que tava previsto, e temos visto o esforço do governo de enfrentar esse momento, de tomar as medidas e dar o remédio amargo. O governo não pode ser visto em curto prazo, mas num período de médio a longo prazo que são de quatro anos. O que vai acontecer e as dificuldades que Rui terá vão ser as mesmas dificuldades que os prefeitos vão ter, que outros governos terão e que o próprio governo federal vai ter. É um momento em que a economia está em dificuldade e todo país sofre e vai sofrer. É melhor que ele possa vivenciar isso no primeiro ano do que depois.

Tribuna - De que forma a senhora vê todos esses escândalos que envolvem o governo federal?
Lídice -
Vejo com tristeza, com profunda tristeza, pois nós que dedicamos a nossa vida à política, há mais de uma geração para derrubar a Ditadura Militar e conseguir poder também dar um legado de inclusão social, de políticas de transparência, mais republicana para o povo brasileiro. De um aprendizado democrático para o povo brasileiro. É claro que um processo desse como o que a Petrobras passa nesse momento é extremamente infeliz. Ninguém pode tá bem: nem governo, nem oposição. Ninguém! Esse escândalo não faz bem à imagem do país, à imagem do governo, à imagem do povo brasileiro, à economia do país, então não podemos ver isso que não seja como algo negativo. Retirar disso as lições, e às vezes a gente pensa que o povo não acompanha política, mas acompanha do seu modo. Minha neta, quando faz algo que não é direito, diz: eu tô fazendo do meu jeito, vovó. O povo, a seu jeito, vai entendendo as lições. Vai acumulando conhecimento.

Tribuna - No meio de corruptos e corruptores e de uma investigação em curso, acredita que teremos uma situação no país diferente daqui a algum tempo?
Lídice -
Quando a pessoa tá com raiva ou diante de um crime, as pessoas tendem a reagir emocionalmente.  Muitos, inclusive, reagem com ideias da vingança, que não leva a nada. Precisamos construir uma nova cultura. Eu acho que quando se diz que o Mensalão não deu em nada, eu discordo. Como não deu em nada? Todas aquelas pessoas que foram condenadas estão presas. Alguém deseja que outro fique preso por 20 anos porque é assim que a sua cabeça ou a propaganda da oposição exige. O rigor da Justiça foi total.

Tribuna - O País vai ser passado a limpo após essas investigações da Petrobras?
Lídice –
O Brasil já está sendo passado a limpo. O País hoje vive uma grande dificuldade. O que nós precisamos é encontrar um caminho para, mesmo identificando os culpados, punindo eles, não deixar que a economia do Brasil seja mais prejudicada do que já foi. Quem paga o preço da crise é o povo, os trabalhadores, e muitos já perderam o emprego em consequência da crise e da corrupção.

Tribuna - Qual seria a melhor forma para amenizar a atual crise do país?
Lídice -
Primeiro o diálogo. É preciso estabelecer e fortalecer o diálogo entre o governo, o Congresso e a sociedade. É preciso encontrar caminhos políticos, administrativos e econômicos. Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, as instituições precisam se debruçar para encontrarem uma saída que não torne o país prisioneiro da corrupção de alguns, dos erros de alguns. A economia do Brasil não pode parar toda. Somos um país com 200 milhões de habitantes e não podemos parar tudo porque um organismo, bastante importante, deste corpo está contaminado com uma bactéria. Temos que dar o remédio certo, matar a bactéria e recuperar a capacidade de viver.

Tribuna - O governo Dilma vive uma crise sem precedentes e a senhora, como líder do PSB, tem transitado muito pelo Congresso Nacional. Qual deve ser a maior preocupação da presidente nesse momento, e uma alternativa de saída?
Lídice - L
á atrás, quatro, oito anos atrás, nós alertamos para a questão de não ter o mesmo partido à frente da Câmara e Senado. Isso era uma prática que era positiva, pois colocava mais forças nas negociações, contrabalançava posição de um partido com outro no Senado e, infelizmente, o PT não teve a capacidade de impedir que isso se viabilizasse lá atrás. De maneira quando se estabeleceu e ficou normal, que o mesmo partido, o PMDB, pudesse comandar as duas mesas, nós fechamos mais o arco de debate político e diálogo com as representações da sociedade e dos partidos. O governo hoje tem uma crise em primeiro lugar com seu sócio majoritário que é o PMDB, que tem presidente na Câmara e no Senado e em confronto com o governo neste momento. É claro que o primeiro passo do governo é recuperar a capacidade de diálogo com o Congresso e seus próprios aliados. Oposição também! Oposição quer dizer o confronto, mas não quer dizer incapacidade de conversar.

Tribuna - O que a senhora tem visto e vivenciado? Vislumbra uma saída para crise? A situação preocupa?
Lídice -
A situação preocupa, mas eu acho que o governo tem se esforçado. A presidente, por exemplo, reuniu sua base, garantiu que vai manter o ritmo de diálogo permanente com a base dela, na qual não fazemos parte, mas tenho contato com ela. Acho que isso até tranquiliza mais, pois mesmo a oposição está muito preocupada com o fato do governo não ter tido condição de diálogo com a sua própria base. Ninguém quer a desestabilização do Brasil. Não vejo nenhum partido na lei do quanto pior, melhor.

Tribuna - Muita gente credita essa instabilidade na forma dura como a presidente Dilma se coloca na política. A senhora acredita que a primeira grande mudança tem que partir dela?
Lídice -
É caro que a responsabilidade maior é de quem está no comando. O vitorioso tem que ser mais generoso, mais dedicado a recuperação daquele que foi derrotado, daqueles espaços perdidos. Acho que essa é uma responsabilidade do governo e tem uma líder que é a presidente, pois ela precisa fazer uma mudança pessoal e todo governo também precisa.

Tribuna – Eleição de 2016. O nome da senhora é natural para o páreo. Qual será o posicionamento do partido? Terá candidato?
Lídice -
Acabamos de sair de um processo eleitoral. Estamos ainda vivendo os rescaldos, digamos assim, tratando das feridas que o processo fechou, principalmente as financeiras. Mas, obviamente, que o destino da vida de um partido é a luta, a afirmação de suas posições e projetos. O PSB vai iniciar seu debates sobre 2016, mas certamente não tomara nenhuma decisão de escolha de nenhuma candidatura agora.

Tribuna - A senhor acredita que o PT vai conseguir abrir de encabeçar uma chapa?
Lídice -
Olha, eu acho que o PT tem dificuldade de analisar esse cenário sem ter candidato. Creio que seria bom para a Bahia, para a política baiana, para o governo, para a oposição, para todos que esse esforço fosse feito.

Tribuna - Qual o principal erro e acerto da gestão ACM Neto?
Lídice -
Apesar de conhecer Salvador bem, a máquina política, a cidade mudou muito. Tenho 20 anos que fui prefeita. A dinâmica de Salvador é outra. Eu acho que diante da realidade que vivemos, pós-administração de João Henrique, qualquer governo que viesse e mantivesse os serviços essenciais em funcionamento estaria bem com a cidade. Acho que, como tenho posicionamento diferente do prefeito, ele faz bem dentro da sua visão de cidade. Ele busca fazer e executar bem o que ele pensa, embora a cidade precise de outras coisas. Na obra da Barra eu vejo uma enorme agregação de valor para a cidade, mas há muitas falhas. Uma obra que passe ideia de aridez, você perde espaços verdes da cidade. Eu sinto que o prefeito tem feito esforço de retomar as áreas, os passeios, muito positivo, pois o povo precisa ter onde andar.

Tribuna - E a situação com a prefeita de Cardeal da Silva, Maria Quitéria. O que acontecerá com ela e com o partido? Há mal- estar?
Lídice -
Da minha parte nenhum. Fico impressionada que o PSB tem 28 prefeitos e não tem só Quitéria de prefeita. Fizemos uma crítica dos socialistas que não votaram com o partido nas últimas eleições e compreendemos as ações de prefeitos. Somos um partido e temos que zelar por seu projeto política próprio. Se o partido não valoriza quem ficou com ele e diz que todos são iguais, ele tá sendo incorreto com quem foi correto com ele. Quitéria é minha amiga, admiro ela, tenho toda disposição. Não tenho nenhum desconforto com ela. O fato só foi que apoiamos Wilson e onde ele fosse iríamos. Passou a eleição e acabou o problema.

Tribuna - Qual é a meta do mandato para 2015?
Lídice -
Eu falei, na minha campanha, que queria ser a governadora da Educação. Não ganhei, mas estou satisfeita com as ações de Rui neste segmento e quero ajudá-lo neste projeto de transformar a educação da Bahia. Coloquei agora minha emenda concentrada para implantação de colégios em tempo integral na Bahia. Acho que  essa é uma meta. Preciso de desenvolvimento da indústria, comercio, emprego e renda, e para fazer isso bem precisamos priorizar a educação. Meu mandato, a nível federal, vai se pautar por isso. 

Colaboraram: Fernanda Chagas e Victor Pinto