O ingresso do PTN na base do governo do estado foi um estardalhaço na administração do prefeito ACM Neto (DEM). O cacique petenista, deputado federal João Carlos Bacelar, em entrevista à Tribuna, afirmou que o PTN agora seguirá a cartilha do apoio ao governador Rui Costa (PT) por acreditar que o petista traz novos ventos para a política local.
O rompimento com o prefeito ACM Neto é debitado na conta da quebra do acordo sobre a presidência da Câmara de Vereadores em Salvador, para a qual o democrata não apoiou o vereador Tiago Correia na disputa.
O cacique ainda classifica a condução política do prefeito como um erro maior. Segundo Bacelar, todo o partido foi consultado no ingresso ao novo grupo político, e afirmou que existem perspectivas de aumentar o leque de participação na administração, além da chefia do Detran.
Sobre as relações políticas municipais para municípios importantes como Salvador, Camaçari e Feira de Santana, no vislumbre das eleições de 2016, Bacelar foi taxativo: “O que não será natural e nem será admitido é que a gente vá fortalecer candidaturas que não sejam na base de apoio ao projeto político do governador Rui Costa. Onde Rui estiver, nós estaremos ao seu lado. Teremos lealdade. Abraçamos esse projeto com lealdade e com paixão”.
Tribuna da Bahia: O PTN surgiu e se estruturou do lado do prefeito ACM Neto (DEM). Como o senhor viu o rompimento que aconteceu há pouco tempo?
João Carlos Bacelar: Tem um ditado que diz que um grande avião não cai por uma única falha, é uma série de falhas que leva ao acidente. É o que aconteceu na nossa relação com o DEM. A relação se desgastou, é uma relação de 20 anos, mas que começou a ter problemas como as disputas locais, tivemos problemas com o DEM na eleição de Salvador, Camaçari e Esplanada. Existe uma necessidade de um maior espaço para o partido, e junto ao DEM esse espaço estava limitado, além da gota d’água que foi a falta de compromisso de cumprir o acordo da eleição da presidência da Câmara de Vereadores soteropolitana. Essa série de fatores nos afastou dessa parceria.
TB: Como o senhor viu as críticas por parte da bancada do prefeito de que o apetite do partido levou a esse distanciamento?
JCB: Primeiro que isso não é verdade, e segundo que eu tenho um grande respeito pela figura do prefeito ACM Neto, que foi meu amigo durante 20 anos, então a relação de amizade que tenho com ele, que eu tinha, não permitiria que eu fosse ao prefeito negociar cargos. Não teve de maneira nenhuma barganha, não teve pleitos, o que nós dissemos sempre ao prefeito foi que interessava ao PTN o cumprimento do acordo de 2012 da presidência da Câmara, e isso os cinco vereadores do PTN são testemunhas. Nós dissemos isso não foi em conversas reservadas com o prefeito, mas o vereador Tiago Correa estava presente quando dissemos a ele que para estarmos juntos a ele não exigiríamos espaço administrativo, mas o acordo do Legislativo. Sem a presidência não tínhamos mais como conviver politicamente com o grupo.
TB: A eleição da Câmara, então, deixou sequelas, mas o próprio prefeito se movimentou no sentido de ajudar na eleição de Tiago...
JCB: Há controvérsias. Em um programa de rádio, o vereador Claudio Tinoco (DEM), meu amigo e muito próximo ao prefeito, disse que o prefeito nunca pediu a ele que votasse na candidatura do PTN. Se não pediu a Tinoco, e pediu a outro... de maneira nenhuma.
TB: O senhor acredita que os vereadores do PTN vão se comportar como agora na Câmara, já que muitos são líderes comunitários e historicamente possuem relações com o prefeito ACM Neto?
JCB: A orientação do partido é que somos oposição à administração municipal, e é isso que vamos cobrar da bancada de vereadores do partido. Uma oposição criteriosa, dura, fiscalizadora, mas de alto nível.
TB: Como o senhor vê a possibilidade do vereador Tiago Correa continuar na base, já que ele próprio anunciou isso e deve, inclusive, ir para a Limpurb...
JCB: O vereador Tiago participou de todas as nossas reuniões. Quando eu recebi do partido a delegação para conversar com a administração estadual sobre o nosso apoio ao governo do estado, inclusive o vereador referido aprovou essa decisão. Eu vinha me negando a fazer esses contatos, a ter essas conversas até a eleição da Câmara. Quando houve o problema, em reunião, perguntei aos deputados estaduais e aos federais qual seria o nosso caminho e eles me disseram que procurasse o governo do estado. Foi uma decisão consensual, mas entendo as relações familiares que o vereador Tiago tem com o prefeito ACM Neto, e isso é uma questão que nós precisamos levar em consideração.
TB: Os vereadores do PTN estão criticando o prefeito ACM Neto pela demissão de mais de 300 funcionários na Educação. Como o senhor vê isso?
JCB: Tenho que lamentar que funcionários e trabalhadores humildes, porteiros, auxiliares de serviço gerais, auxiliares de desenvolvimento infantil, que prestam serviço há anos, e muitos anos, à Prefeitura estejam sendo demitidos sumariamente em função duma briga político-partidária.
TB: Há informação de que o número de indicados pelo PTN na Prefeitura passa de mil. Existia algum tipo de aparelhamento da pasta da Educação?
JCB: A administração municipal está no exercício do mandato há mais de dois anos. Eu saí da secretaria em agosto de 2013. Se isso continuou ou se havia e continuou, a culpa não é minha.
TB: Qual a expectativa do senhor para essa chegada e aproximação com o PT? Como acredita que será essa relação?
JCB: Em um projeto liderado pelo governador Rui Costa, que foi eleito com o apoio do governador Wagner, mas que é uma administração nova. É uma orientação com projetos novos, inclusive, que prioriza o cidadão e atende uma bandeira fundamental que é a educação pública de qualidade e um projeto muito novo na área política. A gente aposta no surgimento dessa nova liderança no estado da Bahia que vai oxigenar as relações políticas, uma liderança que veio das lutas populares, do trabalhador. Um governador que nesses primeiros dias tem me impressionado com a sua capacidade de trabalho e sua articulação. Um projeto civilizado, democrático, que vai fazer com que aquele início de transformação nas relações políticas da Bahia, que Wagner implantou, vai ser aprofundado.
TB: O secretário de Relações Institucionais, Josias Gomes (PT), falou que nem o Detran e nenhum órgão será entregue a algum partido de porteira fechada. Isso pode gerar algum tipo de problema na relação com o PTN?
JCB: Nenhum. Não fomos nós que escolhemos o Detran, pois foi uma determinação do governador. Ele pediu que o PTN apresentasse nomes. O PTN apresentou e fomos comunicados que pela análise dos currículos e perfis, ele achou melhor o Detran. A expectativa é que ocupemos outros espaços.
TB: O que está previsto nessa articulação?
JCB: A gente acha que pelo tamanho do partido, com um deputado federal, com três deputados estaduais, com cinco vereadores em Salvador, com sete prefeitos e etc, a gente vai ocupar – que é comum e natural num governo de base que a gente ocupe – espaço de administração. Eu não sei se só no Detran ou em outros órgãos.
TB: Bahiapesca? Bahiafarma? Existe alguma predileção?
JCB: A nossa área de atuação maior, 50% do peso do PTN, está concentrada na região metropolitana de Salvador. Eu acho que deve ser naturalmente atividades ligadas aonde nós temos essa base de atuação.
TB: O senhor comentou de Camaçari. Como ficará a situação no município diante do rompimento de Ademar Delgado com Caetano? Como o senhor acredita que vai ficar o cenário político lá?
JCB: Nós temos um acordo estadual. O que não será natural e nem será admitido é que a gente vá fortalecer candidaturas que não sejam na base de apoio ao projeto político do governador Rui Costa. Onde Rui estiver, nós estaremos ao seu lado. Teremos lealdade. Abraçamos esse projeto com lealdade e com paixão. Agora vai depender de cada município. Vai depender do PTN de Camaçari conversar com Ademar, com Caetano ou lançar candidatura própria. O que não será aceitável é o PTN se aliar à oposição.
TB: Como o senhor viu a pressão do partido em Feira de Santana, já que tem vereadores na base do prefeito José Ronaldo e eles continuarão com o DEM lá? Vão ser levados a aderir ao projeto do PT no município?
JCB: O PTN em Feira de Santana é um dos municípios em que o partido tem uma posição mais importante e fundamental nas relações políticas. Temos um deputado estadual forte de lá, temos três vereadores, e o mesmo discurso de Camaçari se aplica a Feira de Santana e nas demais cidades. A tendência é essa, mas também vamos levar em conta as conversas internas. Quando fomos em busca do governo do estado, fomos os respaldo do deputado Carlos Geilson. Ele é um líder do PTN lá na região e ele foi consultado. E na consulta dissemos que a situação de Feira se trataria em Feira.
TB: Acredita que Carlos Geilson, um dos grandes opositores do governo, vai aderir ao projeto do partido?
JCB: Eu fui um opositor ferrenho à administração do governador Wagner junto com Carlos Geilson. Mas agora vamos para um projeto e um governo novo. O deputado nunca fez oposição ao governo Rui. Eu, por exemplo, votei em Aécio e fiz campanha a favor dele, pois eu não acreditava nos pilares da economia da presidente Dilma, e tudo indica que eu a apoiarei no Congresso, apesar de não termos conversado com a articulação do governo federal, mas a presidente mudou de posturas que sustentam o seu novo projeto econômico.
TB: Houve estelionato eleitoral praticado pelo PT nacional, deputado, já que tudo que eles prometeram estão fazendo diferente?
JCB: A situação econômica do país fez com que ela (Dilma Rousseff) revisse suas posições. É claro que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, levantou suas bandeiras: aumento na taxa de juros, autonomia do Banco Central, controle na torneira aberta do BNDES, o desejo de criar a CPMF, e, então, a equação na ponta do lápis ainda não fecha.
TB: O que o senhor considera de maior erro e acerto do governo ACM Neto?
JCB: Resgatou a autoridade do prefeito, melhorou as condições urbanas da cidade, a cidade vai bem neste segmento, mudou a cara da cidade... Agora, a condução política do prefeito é um erro maior.
TB: E do governo Rui? Qual expectativa?
JCB: A educação sofra uma revolução. Que ele coloque a educação como centro, pois no Brasil todos os males são causados por falta de educação. A educação é o único instrumento para reduzirmos as desigualdades sociais. A única forma do país ter desenvolvimento sustentável. Por um lado você tem uma pequena parcela da população que começa a estudar com dois anos de idade, no Brasil, uma escola linda, maravilhosa, com professor motivado, com carga horária de seis horas diárias; e do outro lado, grande parte da população que começa a estudar com seis anos de idade, com prédios que parecem prisões do século XVII, quando chove molha mais dentro do que fora, tem em média duas horas de aula e quando tem, professores mal remunerados, desmotivados, e na maioria dos casos essa criança sai aos 15 anos, enquanto o filho do rico nunca para de estudar.
TB: O senhor esteve à frente da Secretaria de Educação...
JCB: Em dois anos é impossível reverter esse quadro. Repito: impossível. A gente precisa ter prioridades. Eu tive duas: melhorar o salário dos professores, e eu fiz isso. Tivemos um dos mais altos índices de reajustes do Brasil. Nenhuma capital deu como demos. Quando saí, o salário inicial era R$ 3 mil e no final R$ 10 mil. Investi nessa área. Criei as bases para aprovação do Plano de Cargos e Carreiras, que foi uma medida altamente positiva do prefeito ACM Neto que foi a aprovação. Eu deixei isso pronto. E investi na recuperação da rede: reformamos mais de 200 e fiz a construção de 15 novas. Eu não tinha como atingir e fazer uma revolução em pouco mais de dois anos.
TB: Existia, além da política, uma relação de amizade e de laços com o prefeito ACM Neto. Ela foi abalada? Pode ser retomada?
JCB: Sem dúvida a relação de amizade também ficou abalada. Espero que as fofocas, os fuxicos e os interesses menores de pessoas que cercam a ambos não façam com que essa relação se deteriore mais ainda. Volto a dizer: como pessoa, tenho o maior respeito pelo prefeito, foi meu amigo, fomos parceiros em momentos decisivos da minha vida e da vida dele. Essa parceria era recíproca. E agora será uma nova página. Espero que essa amizade tão bonita seja respeitada. Essa é a imagem que quero levar.
TB: Existe possibilidade de novas filiações ao PTN? Foi cogitado que o deputado Marcos Medrado fosse levado ao partido e com projetos de assumir candidatura em 2016...
JCB: O PTN está aberto para novas filiações. O PTN vai fazer esforço para atrair novos quadros. Com relação ao Marcos Medrado, temos com ele relação de amizade, respeito e de uma longa convivência, mas nunca ele manifestou interesse de ingressar no partido. Apesar do que, estamos de portas abertas para todos. No PTN, também, ninguém vem com projeto pronto.
TB: Qual a expectativa do seu mandato em Brasília?
JCB: A gente chega num momento de grave crise econômica e política. Na área da política, pode ser a fotografia a eleição para a disputa da presidência da Câmara Federal. Quando é o momento da gente discutir os grandes momentos do país, a gente deveria discutir reforma política, proibição de reeleição, de membros do Legislativo ficarem à disposição do Executivo, financiamento público e etc... e a eleição fica parecendo uma eleição de ligas de futebol, de bairro, que vai pro lado pessoal e sem propostas. Vai ser um momento difícil para a área política.
Colaboraram Fernanda Chagas e Victor Pinto.