Guilherme Bellintani chegou como um estranho da política da Prefeitura de Salvador. Indicado por terceiros e com boas referências no setor empresarial, segundo o prefeito ACM Neto (DEM), o novo secretário de Educação topou o desafio dado pelo democrata.
Tido como um dos homens de confiança do prefeito, Bellintani ganhou destaque na gestão da Secretaria de Desenvolvimento, Turismo e Cultura e conduziu o Carnaval de Salvador e outros projetos na cidade.
Apesar de destacar que não tem interesses políticos, por ora, o secretário avalia que o Carnaval de Salvador não passa por crise e o problema está em uma “entressafra” musical no cenário artístico local.
Ele quer instituir um novo modelo de gestão no sistema educacional com a implementação de um modelo pedagógico próprio e aproximar as políticas públicas de educação a toda população.
Tribuna da Bahia - Que balanço o senhor faz do Réveillon de Salvador? Os bjetivos foram alcançados?
Guilherme Bellintani - Foram sim. O Réveillon ainda é novo, não atingiu um grau de maturidade necessário e só virá daqui a três, quatro anos. Qualquer “produto” que a gente concebe na dimensão desse evento demora um tempo para amadurecer. No segundo ano, ele já obteve uma dimensão muito além do que esperávamos. Se a gente lembrar que há dois anos, na transição, estava ameaçado de sequer ter um mínimo de estrutura da festa, pois não tinha dinheiro, dois anos depois temos um Réveillon de imagem nacional e como uma grande entre as maiores do país, com presença enorme de público. É um projeto que ficou grandioso, mas ainda precisa se consolidar para ampliar sua capacitação turística. Fizemos história este ano, pois o preenchimento das vagas hoteleiras foi alta e, claro, fruto desse trabalho.
Tribuna - O senhor foi uma das apostas do prefeito ACM Neto na renovação de quadros da gestão municipal. Sua primeira experiência no setor. Qual leitura o senhor faz do serviço público e o que mais difere da iniciativa privada?
Bellintani - Eu estou aqui hoje por conta de uma aposta pessoal do prefeito e que muita gente não entendeu na época. Nós não tínhamos uma relação pessoal e muito menos política. Numa cidade que só tinha 12 secretarias, ele entregou uma delas a um completo desconhecido dele e do meio político. Eu via esse momento e vejo como algo de aprendizado e momento de participar de áreas da cidade que sempre mexeram, incomodaram, e eu sempre fui inquieto... Eu vejo que é equivocado colocarmos rótulos de que o setor público é mais difícil de realizar do que o setor privado. Eu não acho que seja isso. Eu acho que tem dificuldades diferentes, mas numa dimensão muito aproximada. O setor privado tem um grau de risco muito maior, depende muito de capital financeiro acumulado do empresário ou de ousadia para acertar o produto. O setor público, por outro lado, tem um risco menor, pois tem um histórico de estrutura, pessoal e todo um sistema por trás, mas ele é mais lento. Eu diria que são graus de dificuldades de uma mesma proporção e dimensões, e focos diferentes.
Tribuna - Implantou uma dinâmica de trabalho em que colocou Salvador em destaque no cenário nacional. Qual o maior desafio nesses últimos dois anos para tentar reposicionar a capital baiana?
Bellintani - O maior desafio foi conceber e criar projetos que até então era inexistentes na cidade. Se você perceber, a secretaria tinha a dificuldade de criar políticas públicas nessas áreas. Existia a Saltur, que era uma empresa reconhecida por fazer o carnaval e mais alguns eventos isolados, mas uma empresa muito mais voltada para a área carnavalesca. A Saltur passou a gerenciar todo um calendário de eventos. A Fundação Gregório de Matos praticamente não existia e projetos maiores da secretaria como um todo, que não existiam na cidade, pois não tinha cultura e não tinha turismo. O maior desafio foi conceber projetos a partir do zero, do nada. Isso demorou seis meses: entender o que a cidade precisava e discutir o que estava em nosso alcance. A partir de julho, agosto do ano passado e setembro, com festival da Primavera acontecendo pela primeira vez, começamos a mostrar o resultado dos seis primeiros meses de trabalho e hoje temos um número positivo de eventos no calendário da cidade: Festival da Primavera, Festival da Cidade, temos avanços em outras esferas com valores que vão mudar a configuração da cidade e vamos conseguir investimentos para o setor turístico. Do lado da cultura, nós conseguimos avanços, como os editais de Cultura, que a cidade nunca havia lançado, recuperação de espaços públicos, como o Teatro Gregório de Mattos que será entregue agora em fevereiro, Espaço Cultural da Barroquinha, a Casa do Benin, a Casa de Jorge Amado e tantos outros. Todo esse movimento fez com que a secretaria ganhasse uma robustez maior.
Tribuna - O que tem de projeto engatilhado para este ano?
Bellintani - O grande guarda-chuva disso são os recursos do Prodetur, cujo gestor é o novo secretário de Cultura, Érico Mendonça. Foi ele que começou a gerenciar esse projeto. Esse recurso é para infraestutura turística, que vai desde intervenção nas ilhas, como a ilhas dos frades e de maré, e até intervenções na Orla e investimentos em capacitação turística. É um projeto bem amplo, que vai ter reflexo no final de 2015, começo de 2016, mas é uma proposição ampla. Outro projeto grande que também deve começar em 2016 é o projeto do museu da Música, que entendemos como estruturante para o turismo da cidade. A Casa de Jorge Amado pode ter sido um pequeno ponto referencial para esse grande projeto que vem mais na frente.
Tribuna - As praias seguem sem estrutura e os restaurantes são sempre criticados quando o assunto é a prestação de serviço. O que fazer para mudar essa realidade?
Bellintani - Eu vou discordar de você. Eu não acho, de fato, que o serviço dos nossos restaurantes fique muito aquém dos serviços médios de restaurantes do mundo, não acho. Eu não tô falando de restaurantes tops, os mais caros, não incluo esses, mas os medianos de todo o mundo não diferem dos nossos aqui. Não é nem algo sofisticado, mas também não é uma tragédia. Eu acho que a gente acompanha a média das cidades do mundo. Cada um com suas características: seja aquele que não quer receber bem, pois tá na cultura do sujeito não ser muito educado, seja outro porque tem dificuldade de infraestrutura. Eu acho que começamos a mudar isso. A história de “pra onde levar as pessoas” eu lembro muito, há quatro anos, quando chegava um amigo para passar um dia e uma noite: de dia você levava para Praia do Forte e de noite para jantar no Bahia Marina. E uma cidade, com todo respeito à Bahia Marina, que foi um projeto inovador e importante, que tem um equipamento como aquele como principal elemento turístico, aí nós temos algo errado. Aquilo não tem elemento para ser atração principal de uma cidade como Salvador, e acho que trazemos uma perspectiva avançada, seja com a Barra, seja com o Rio Vermelho, seja com a melhoria com a estrutura da praia com um ordenamento melhor, mesmo sem uma infraestrutura com quiosques, mas estão mais limpas e organizadas e há obras na Orla. Tudo faz com que a cidade se torne referência.
Tribuna - O Carnaval sempre foi referência nacional, mas passa por problemas, já que abadás e blocos não vendem como antes e os camarotes são cada vez mais elitizados. O que fazer para reinventar a festa?
Bellintani - Eu acho que o Carnaval passa por um momento que é reflexo de uma entressafra musical. Eu acho que existe uma lacuna de uma inovadora produção musical. Há dez, quinzes anos nós tínhamos, na véspera, milhares de músicas disputando para saber qual seria a música do Carnaval. A cidade vivenciava aquele caldo musical de Verão e pré-Verão como os ensaios, bandas novas surgindo... Vivemos essa entressafra, o que é normal. Se você for olhar nos movimentos musicais brasileiros, o chamado pop já passou por isso. Você tem o sertanejo que se destaca nesse momento, mas também é cíclico. Encaro com normalidade e acho que vai voltar o movimento musical daqui a uns dois anos. Do ponto de vista do produto comercial, a escolha foi feita pelos próprios empresários. Os abadás vendem menos, pois o produto foi substituído pelo camarote. Se você for quantificar a venda de abadás somados há 20 anos e hoje os camarotes vendidos, hoje se vende mais. O valor econômico é muito maior que há 20 anos. Esse processo de migração do abadá para o camarote foi escolha dos empresários. É legítimo? Não é um problema da prefeitura cuidar dessa crise. É problema nosso é saber da programação cultural, da programação artística, quais são as escolhas que a gente faz do Carnaval com a participação de trios, minitrios, mas a partir do momento que grande parte dos empresários prefere investir no camarote, porque o consumidor dele tá pedindo isso, paciência.
Tribuna - O que vai acontecer com o Carnaval?
Bellintani - Eu continuo achando que ele tem o brilho que sempre teve. Acho que tem problema musical aí, o que não é problema de gestão e nem de ida de pessoas para rua. Se você parar para observar, isso a gente já acompanha, um dos elementos mais imediatos que é o índice de consumo de cerveja no Carnaval, esse consumo vem crescendo ano a ano. Eu uso índice de consumo por ser um dado mais objetivo que a gente tem para identificarmos o número de pessoas na rua. Ao mesmo tempo em que o circuito do Campo Grande é apertado, tem gente que diz que tá acabando: tá acabando coisa nenhuma. Quem desfila lá domingo, segunda e terça e vê aquele povo todo na rua se pergunta: cadê a crise do Carnaval? Quem vai pra Barra-Ondina vê a quantidade de gente na rua. Há, de fato, repito, uma entressafra musical.
Tribuna – O senhor vai gerir a pasta da Educação e continuará à frente do Carnaval. Como conciliar e atuar lá e cá?
Bellintani - Ainda não está definida essa questão do Carnaval. Eu acho que o Carnaval está pronto, praticamente. E só fica alguns pequenos ajustes para serem feitos pelo próximo presidente da Saltur. Toda estrutura feita, poucas licitações em fase final, conceitualmente ele está pronto sob o ponto de vista econômico e operacional. As pessoas treinadas, contratadas, enfim, quem vier tem toda condição de tocar o Carnaval e absorver tudo.
Tribuna - Caminha para um novo desafio no campo administrativo: será secretário de Educação. O que levou o prefeito para deslocá-lo para essa pasta e o que lhe espera pela frente?
Bellintani - Eu acho que foi mais um movimento de escolha pessoal do prefeito. De ele identificar e ouvir sempre os partidos e as pessoas que estão em torno, porém, ele é muito próprio nas decisões. O que ele busca com isso é me colocar numa secretaria que ele entende que precisa de avanços que eu posso fornecer. O que eu posso fazer é trabalhar como venho trabalhando. É difícil eu trabalhar mais do que eu trabalho, eu trabalho 12 a 13 horas por dia, e mais do que isso é muito difícil. Eu sei que a forma do meu trabalho será outra.O que eu posso dar de volta é muito trabalho, seriedade no que eu posso fazer e sempre um pouco de ousadia: pés no chão e cabeça nas estrelas. Sonhar bastante, mas ter a noção que precisamos trabalhar com algo real.
Tribuna - O que fazer para transformar a Educação numa referência no país e estimular jovens a estudar, frequentar a escola? Por onde pretende começar na pasta?
Bellintani - Tem um lado concreto e objetivo que é a qualidade da gestão. Isso é mais palpável do que a gente precisa fazer. A estrutura precisa tá bem organizada. O suporte e a rede precisam funcionar, as escolas precisam ter vagas ampliadas e serem reformadas, necessidade de um sistema pedagógico próprio e que evite cometer os mesmos erros de outras prefeituras... Enfim, eu acho que esse é o lado mais objetivo. Mas tem o lado mais abstrato que pode ser mais relevante: o encantamento, que é você fazer com que as pessoas voltem a acreditar em um projeto de transformação por meio da educação, pois é um tema universal, que está na boca de todo mundo, mas que as pessoas têm uma análise superficial. O maior desafio é que as pessoas se envolvam com projetos de educação no município, como as pessoas da classe média que não se importam com esse processo porque seus filhos não estão na rede municipal, mas só que elas são profundamente afetadas no dia a dia da cidade, quando temos um ambiente pobre e uma formação educacional deficitária e quando temos problemas sociais que nascem por conta dessa dificuldade.
Tribuna - O sistema Alfa e Beto fracassou? Será extinto?
Bellintani - Não. As informações que eu tenho é que os resultados das escolas que adotaram o sistema Alfa e Beto são superiores às escolas que não adotaram. Isso não é suficiente para dizermos que queremos esse sistema universalizado na rede. A minha posição é clara: eu defendendo que a rede tenha um sistema próprio independente de avaliações positivas ou negativas do sistema Alfa e Beto. Salvador tem porte para ter seu sistema.
Tribuna - O que o senhor pensa desse sistema? Tem alguma ideia?
Bellintani - Eu penso que ele deve ter a cara da cidade e a cara da rede pública e da sociedade. Naturalmente ele precisa ser muito formado a partir da própria rede, mas com viés dinâmico e focado, objetivo. Não acho que vamos conseguir construir um sistema próprio fazendo discussões intermináveis e alongando profundamente as coisas, mas pelo diálogo e a colaboração múltipla de todos que fazem a rede será algo fundamental, senão teremos um sistema vazio.
Tribuna - Como será sua relação com o sindicato da categoria?
Bellintani - Eu acho que muito boa. Eu tenho uma história de diálogo na minha vida. Eu sempre fui do movimento estudantil, não só na escola, mas na faculdade, eu sempre tive a construção do diálogo como algo inerente à própria movimentação política, inclusive. O sindicato tem toda legitimidade, apesar de não ser o único legítimo, de coordenar junto com o município o processo de transformação da Educação. Mais do que legitimidade, obrigação. Eu vejo o sindicato como um organismo importante na construção disso, e se depender de mim nós estaremos de mãos dadas na construção desse projeto.
Tribuna - Existe a informação de que vai implantar um modelo de parceria público-privada como feito em Minas. O que pretende com isso?
Bellintani - Eu não tenho isso ainda de forma clara. Acho que o modelo de Minas não se adequa ao modelo de Salvador, pois eles adotaram muitas PPP’s e elas são estruturas próprias para quem não tem recurso para investir e chama o setor privado para colocar o recurso na frente e o poder público ir pagando com o tempo. O problema de Salvador não é falta de recursos, pelo contrário. A Prefeitura teve dificuldade para cumprir os 25% do recurso. Existe a possibilidade de trabalhar com o setor privado? Sim. Eu não acho razoável que a merenda escolar, o resultado dela, seja a soma de um contrato de fogão com o contrato de fornecimento de feijão e com o contrato de terceirizados de cozinheiras e mais um contrato de prato e etc. Eu acho que estamos em um momento que é muito mais moderno e eficiente se a gente contrata uma empresa que seja capaz de produzir todas aquelas fazes da merenda e entregar um prato de qualidade, quentinho, gostoso e merecido para o aluno da escola pública. É mais moderno unificar isso. A modernização da relação do setor público com o privado, ela é natural.
Tribuna - Seu nome entrou na fila para disputar em 2016. Tem alguma pretensão política?
Bellintani - Não tenho e ainda mais em 2016. A leitura é simples: 2016 há dois cargos colocados, três que é o de vereador, que não é o meu perfil e não me vejo lá, e os cargos do Executivo que não estão claros para minha trajetória neste momento. O prefeito é possivelmente candidato à reeleição e o vice dele pode ser alguém que tenha trajetória política mais longa do que a minha e candidato a vereador é algo que não está no meu foco e não tenho sintonia com o Legislativo. Meu foco é terminar 2016 e entregar o melhor resultado possível ao prefeito.
Colaborou: Victor Pinto