O secretário municipal da Fazenda, Mauro Ricardo, se despede da gestão de ACM Neto no próximo dia 31, depois de reverter o rombo nas finanças da Prefeitura de Salvador e deixar R$ 1 bilhão em caixa.
Em entrevista exclusiva à Tribuna, o gestor classificou como “belíssima” a escolha do ex-governador Paulo Souto para assumir seu lugar e acredita que o democrata dará bom seguimento ao que já foi feito.
Dentre vários assuntos sobre o município, Ricardo afirmou que o reajuste de valores do IPTU, depois de 19 anos, foi importante para o reordenamento das contas da capital baiana, assim como a redução de despesas e gastos.
Para ele, a judicialização do IPTU foi motivada por questões políticas.
Citou ainda importantes repasses de recursos do governo federal para o município que não aconteceram e adiantou: “Tem muitos compromissos que foram assumidos pela presidente que podem não ocorrer em 2015. Não é um ano bom em termos de expectativas econômicas para o Brasil”.
A Prefeitura de Salvador, no entanto, colherá bons frutos. A expectativa é de que o orçamento seja de R$ 6,2 bilhões, com disponibilidade de caixa de R$ 1 bilhão e um superávit financeiro de R$ 500 milhões a serem incorporados ao próximo orçamento.
Tribuna da Bahia - O senhor está de mudança para o Paraná. Qual avaliação que faz da sua passagem por Salvador? Mais erros ou mais acertos?
Mauro Ricardo - A grande vantagem de termos vindo para cá é porque passamos por situações semelhantes em outras unidades da federação. Já sabíamos o que fazer. Ou seja, ganhamos muito tempo aqui. Por isso que a prefeitura gerou resultados bem rápidos. Com uma rapidez maior que a expectativa de todos. Isso só foi possível por conta do apoio político do prefeito e da Câmara de Vereadores, que propiciaram a aprovação daquele grande projeto de ajuste fiscal que foi aprovado em junho do ano passado. Um projeto extremamente complexo, que mudava administrativamente vários procedimentos administrativos e que permitiram que chegássemos onde chegamos agora.
Tribuna - Como vê a frustração nas receitas do município?
Mauro Ricardo - Eu não vejo frustração alguma porque quando chegamos aqui, em 2012, tínhamos um orçamento de R$ 3 bilhões, uma arrecadação de R$ 3,8 bilhões. Ano passado essa arrecadação subiu para R$ 4,4 bilhões. E este ano chegará a R$ 5,1 bilhões. Ou seja, nesses dois anos nós avançamos a mais um R$ 1,8 bilhão, o que não é pouco. É extremamente significativo, e são estes recursos que propiciam fazer o que tem sido feito na cidade em diversas áreas como saúde, infraestrutura, iluminação publica, saúde... A cidade mudou significativamente nesses dois últimos anos exatamente por conta da geração desses recursos. Gostaríamos, logicamente, que pudéssemos ter avançado mais. Mas, infelizmente, algumas pessoas, poucas, no universo de 900 mil contribuintes, se recusam a pagar o IPTU. Mas vão pagar mais cedo ou mais tarde, com juros, multas e correção. É apenas uma questão de tempo. Se não pagaram a Mauro Ricardo, vão pagar certamente a Paulo Souto.
Tribuna – Qual o cenário que o senhor enxerga para o ano que vem?
Mauro Ricardo - Vai ser um ano muito bom porque vamos encerrar este ano com expectativa de disponibilidade de caixa da ordem de R$ 1 bilhão, um superávit financeiro de R$ 500 milhões a serem incorporados ao orçamento seguinte, um orçamento estimado de R$ 6,2 bilhões, um orçamento bem parrudo para a Prefeitura de Salvador. Teremos investimentos significativos. Chegaremos a este ano com R$ 500 milhões de investimentos, R$ 380 milhões a mais do que foi investido em 2012. Então, o balanço que faço é extremamente positivo em termos de incremento de receita e de investimento. E também de redução de dívidas. Reduzimos as dívidas da prefeitura em 53%. A situação fiscal hoje da prefeitura é muito boa se comparado com estados e outros municípios que têm dificuldade de pagamento de 13º salário. Estamos numa situação espetacular se comparado com eles. Mas, ainda aquém das necessidades da população.
Tribuna – Como o senhor viu as críticas de que apertou demais o bolso da classe média?
Mauro Ricardo - Não é uma crítica verdadeira. Mesmo porque o IPTU para as unidades habitacionais cresceu muito pouco, uma média de no máximo 21,5% de crescimento. É algo muito pouco tendo em vista que há 19 anos não se corrigia a planta genérica de valores. Não houve qualquer aperto à classe média. A classe que teve imóveis de valor venal de até R$ 80 mil teve isenção do IPTU e da taxa do lixo. Enfim, construímos uma estrutura de cobrança do IPTU que cobra mais de quem pode mais e cobra menos de quem pode menos. E cobra nada de quem não pode pagar, que são 244 mil famílias que passaram a ser isentas do IPTU e da taxa do lixo. Quem reclama são aqueles que podem mais e não querem dar uma contribuição maior para a cidade.
Tribuna – Quem mais tencionou e qual setor deu mais dor de cabeça para a gestão de finanças da cidade?
Mauro Ricardo - Olha, são os donos de grandes terrenos que insistem em querer não pagar o IPTU. Não só agora. Do passado também. Parte dessas pessoas não tinha costume de cumprir com suas obrigações tributárias. Reclamavam muito da prefeitura, mas não cumpriam com suas obrigações tributárias. O que nós estabelecemos foi uma cobrança adequada de tributação, que é cobrar mais de quem pode mais, menos de quem pode menos e nada de quem não pode pagar. Esta é a estrutura adequada de tributação. Tinham pessoas em zona de conforto não pagando os seus impostos e agora estão sendo extremamente incomodadas, porque estamos incluindo no Cadin, impedindo que tenham qualquer tipo de relacionamento com a prefeitura, inclusive no que se refere a alvarás de construção ou de reformas. E agora fizemos convênio com os cartórios de tal maneira que vamos enviar eles também para protesto. Se não efetuarem pagamento, terão nomes registrados no SPC e Serasa e impossibilitados de realizarem operações de créditos com instituições privadas e públicas.
Tribuna – E a judicialização do IPTU em que ponto está? Ameaça os planos do prefeito ACM Neto?
Mauro Ricardo - A judicialização foi mais uma questão política, não só aqui como em São Paulo. Observe que na Prefeitura de São Paulo administrada pelo PT, quem ingressou com a ação foi o PSDB. É mais uma questão política do que técnico-jurídica. Tanto que em São Paulo o pleno do Tribunal de Justiça decidiu no mérito favorável à prefeitura. Em Tocantins, no Rio Grande do Sul também. Todas as decisões de mérito dos tribunais de Justiça são favoráveis ao município porque é uma obrigação legal fazer a atualização da planta genérica de valor. A base de cálculo do IPTU é o valor venal, e o valor venal é o valor de venda à vista em condições normais de mercado. É obrigado ao executivo manter este valor venal equivalente ao valor de venda à vista em condições normais de mercado. Que foi o que vários prefeitos fizeram. E politizaram essa questão levando ao Judiciário, mas sempre tivemos convicção de que o Judiciário tem a capacidade de discernir o que é técnico-jurídico e o que é político. E esta decisão liminar que foi proferida no pleno do TJ aqui na Bahia já centrou muito no mérito dessa questão, que acredito que na decisão de mérito seguirá o que já foi decidido liminarmente.
Tribuna – procede a informação de que existe uma enxurrada de processos administrativos parados na Secretaria da Fazenda. O que fazer para dar vazão e julgá-los?
Mauro Ricardo - Não diria que estão parados. Estão sendo analisados na Secretaria da Fazenda. Recebemos em torno de 17 mil contestações, até porque muitos se aproveitaram de alguns contribuintes incautos... Então, várias contestações foram feitas por pessoas sem qualquer fundamentação técnica ou jurídica, apenas para reduzir o pagamento do imposto. Fizermos esforço muito grande para analisar essas contestações, já temos 12 mil contestações analisadas e julgadas, e as outras cinco mil estão em processo de julgamento. Foi um esforço enorme que a equipe da Fazenda fez e continua fazendo para que possa lançar o IPTU de 2015 já com uma base adequada.
Tribuna – O que foi feito para reverter o rombo nas finanças e deixar R$ 1 bilhão em caixa? Qual a fórmula para obter esse sucesso?
Mauro Ricardo - A fórmula é clássica. Que é a fórmula de redução de despesas, redução de dívidas com renegociações de contratos, e ampliação de receita via cobrança dos inadimplentes e sonegadores de tributos. Então, foi isso que ocorreu. Cresceu a receita, diminuiu a despesa e criamos espaço importante para se fazer investimento. Gastamos menos com a prefeitura e mais com o cidadão, de retorno, de serviço, inclusive contratando pessoal. Não demitimos ninguém, contratamos pessoas. Mais de quatro mil pessoas contratadas na Saúde e na Educação por conta da expansão de serviços nessas áreas. E em 2015 serão mais pessoas contratadas para que possamos prestar serviço de melhor qualidade a cada ano.
Tribuna – O senhor conseguiu tirar os esqueletos do armário que encontrou na secretaria?
Mauro Ricardo - Os que eu encontrei sim. Mas não sei se encontrei todos os esqueletos que existem aqui na prefeitura. Os que eu encontrei eu tratei da forma como deveriam ser tratados. Alguns nós anulamos os processos que tinham sido constituídos por vício na sua formalização, de tal maneira que pudéssemos retirar essa dívida. Tanto é que reduzimos 53% das nossas dívidas. Não só as contratuais, mas também aquelas oriundas de Transcons, diárias que algumas delas, inclusive, eram da própria prefeitura.
Tribuna – E os Transcons? Essa questão sempre foi considerada uma caixa-preta. O que o senhor deixa para a cidade com relação a esse mecanismo?
Mauro Ricardo - O que eu deixo é a redução da dívida de Transcons de R$ 1,3 bilhão. Um deles foi um contrato que fizemos, uma auditoria com a Controladoria Geral do Município, onde identificamos e estamos propondo a anulação desses Transcons. Está na Procuradoria para análise final, mas já está concluído no âmbito da Fazenda. E o outro também que é uma fazenda em Itapuã com 752 mil metros quadrados que identificamos que já pertencia à prefeitura. Foi uma área que foi permutada por quatro outras áreas que eram da prefeitura. A aquisição se deu por intermédio de permuta e a pessoa num determinado momento chegou na prefeitura e queria a emissão de Transcon de uma área que ele permutou com a prefeitura dizendo que tinha dado gratuitamente à prefeitura. Já analisamos esse processo no âmbito da Secretaria da Fazenda e nossa proposta é pela anulação dos atos e pela responsabilização de quem deu causa a esse prejuízo à prefeitura. Só estes dois casos, estamos falando em valores atualizados em torno de R$ 1,3 bilhão. Mas devem existir outros problemas. Agora, todos que identificamos, tratamos de tal maneira que evitasse esse prejuízo que não é para a prefeitura, mas para a população. Quem paga são as pessoas que contribuem com seus recursos para que a prefeitura cumpra com suas atribuições.
Tribuna - Existia muito privilégio e muitos jeitinhos sendo dados na Fazenda?
Mauro Ricardo - Olha, eu diria que na prefeitura de uma maneira geral. Muitos se apropriaram de recursos públicos indevidamente. Ou por uma sobrevalorização de uma área desapropriada, ou por recebimento de Transcons indevidos, ou por reconhecimento de dívidas que inexistiam, que já tinham sido prescritas. Tem também o pagamento de precatórios fora da fila, de precatórios estabelecidos. Há muitas situações de irregularidades e todas que foram identificadas foram tratadas.
Tribuna - Qual será o maior desafio do seu sucessor, Paulo Souto?
Mauro Ricardo - Eu acho que é a manutenção das ações. Achei uma belíssima escolha do prefeito, sinto-me honrado de ser substituído pelo Paulo Souto, pelo seu passado e pelo que representa no presente e representará no futuro. Ele é uma pessoa extremamente capacitada tecnicamente e tem todas as condições de tocar os projetos que estão em andamento, além de desenvolver novos projetos em benefício da população de Salvador. Então me sinto gratificado. O maior desafio em 2015 são as ações que estão aí, em andamento. Ele vai logicamente ter o IPTU de 2015, que estamos preparando todas as bases para o lançamento. Inclusive os boletos estão na gráfica para serem impressos. Há ainda a conclusão desses cinco mil processos de impugnação que estão sendo analisados e foram efetuados em 2014. A cobrança das pessoas que estão devendo à prefeitura, inclusive por intermédio de protestos. Paulo Souto como é mais conhecido e tem mais amigos do que eu aqui, talvez a pressão sobre ele seja um pouco maior do que era sobre mim nesse aspecto especificamente.
Tribuna – O senhor acredita ele ajudará a viabilizar convênios internacionais com o BID e o BIRD, como o prefeito está apostando tanto para viabilizar projetos na cidade?
Mauro Ricardo - Tem uma parte do orçamento de 2014 que não ocorreu, que foi a parte dos convênios prometidos pela presidente Dilma Rousseff, quando esteve aqui. Uma operação de crédito e recursos a fundo perdido do orçamento geral da União para o BRT. Isso continua sendo previsto no orçamento de 2015 e temos a expectativa de poder receber estes recursos. Tem várias promessas em termo do recebimento... para o BRT, além de recursos do Prodetur, do BNDES... Tem várias operações de crédito que estão em andamento para a sua formalização. Quem coordena essas ações é o secretário Luiz Carreira, da Casa Civil, e a da Fazenda ajuda no que é possível ajudar.
Tribuna - O senhor acredita que a falta de repasses federais e estaduais se deu por dificuldade de caixa no governo do PT ou por questões políticas?
Mauro Ricardo - Acaba sendo uma conjugação desses dois fatos. O ano de 2015 vai ser, talvez, o pior ano em termos de gastos do governo federal, se comparado a 2014, onde observamos o desarranjo fiscal que houve no governo federal, ou seja, se gastou mais do que poderia. O governo federal pode conseguir fazendo um ajuste fiscal em 2015, seguindo a cartilha que aplicamos aqui com a redução de despesa, ampliação de receita e redução de dívidas. E tem muitos compromissos que foram assumidos pela presidente que podem não ocorrer em 2015. Não é um ano bom em termos de expectativas econômicas para o Brasil com o impacto na arrecadação federal, estadual e municipal.
Tribuna – O senhor falou recentemente que era fácil quebrar um governo e difícil arrumá-lo. Está indo para o Paraná salvar o governo de Beto Richa?
Mauro Ricardo - Também houve um desajuste fiscal no estado do Paraná e tem um ajuste grande a ser feito pelo lado da receita, da despesa e da dívida. E é isso que nós já estamos fazendo. Já tive a oportunidade de preparar junto com eles em torno de 12 projetos de lei que já foram aprovados na Assembleia. Estes projetos vão ajudar no ajuste fiscal que precisará ser feito em 2015. E a partir do dia 1º estarei lá tratando da questão da redução de despesa e dívida de tal forma que possamos criar espaço para investir. Um estado que tem R$ 50 bilhões de orçamento não pode investir apenas R$1 bilhão como vem investindo ao longo dos anos. É importante que cresça significativamente. Acredito que possamos levar o nível de investimento em torno de R$ 5 bilhões ao ano. O estado tem capacidade, mas precisa fazer ajuste.
Tribuna – Sai com sensação de dever cumprido, da prefeitura?
Mauro Ricardo – Com certeza saio com o dever cumprido. O mais gratificante é o reconhecimento da população em relação aos serviços que estão sendo entregues. E isso é resultado dos recursos que geramos aqui na Secretaria da Fazenda com a participação de diversas outras secretarias, do Judiciário, e do apoio político do prefeito. Então eu saio com o sentimento de dever cumprido. Nesses dois anos fizemos muito mais do que a expectativa do que poderíamos fazer.
Colaborou: Hieros Vasconcelos Rego