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Jorge Hage diz que escândalo da Petrobras pode mudar o Brasil

Veja entrevista à Tribuna

O ministro chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, disse em entrevista à Tribuna que o escândalo investigado pela Operação Lava Jato pode servir como um ponto de partida para uma grande mudança no Brasil, principalmente no combate à corrupção.

Falou ainda que é preciso fortalecer os órgãos de fiscalização e que estatais não devem ficar livres de uma rigorosa auditoria e controle interno. 

Questionado sobre a possibilidade de o país parar por conta do envolvimento das principais empreiteiras brasileiras com os escândalos de corrupção, o ministro foi enfático ao afirmar que existem outras empresas no Brasil e fora do país com expertise, estatura para assumir obras.

“Não acredito nessa conversa de que essas são as únicas. É uma conversa que interessa a elas para criarem ambientes de terrorismo de que o país vai parar. Segundo lugar, o país não para também porque não acarreta a rescisão dos contratos para as obras em andamento. O que ele acarreta é a vetação de novos contratos. A participação dela em novas licitações. Mas não há cancelamento dos contratos em curso”, explicou.

Tribuna da Bahia - Estamos presenciando, talvez, o maior escândalo de corrupção que se tem notícia no país. Como o senhor está vendo isso?
Jorge Hage – A população não tinha ideia da complexidade, da necessidade de destinar mais atenção e mais recursos humanos, materiais e financeiros, além da necessidade de uma maior articulação internacional para se combater a corrupção. Estou vendo com muita esperança de que isso signifique uma virada de página, uma mudança de patamar em termos da consciência geral para a importância do problema do combate à corrupção. O tamanho do escândalo, das cifras envolvidas, chocam a população, chocam todo o mundo e não acredito que depois do que está sendo mostrado e comprovado as coisas não mudem. Por razões óbvias, é muito importante o que está acontecendo. Então, agora é imprescindível que ferramentas como a Lei de Licitações para as empresas estatais, que está prevista na Constituição Federal desde 1998, seja colocada em prática, sobretudo, o que prevê a lei sobre licitações e contratos para as estatais, que até hoje não saiu do papel.

Tribuna – E por que é importante essa lei?
Hage – De um lado ninguém imagina que seria razoável submeter uma estatal que opera no mercado em regime comercial como a Petrobras. É uma lei adequada, mas que ao meu ver já está velha, mas na época foi adequada para administração direta e não para empresas estatais que operem no mercado. Essas tem que ter um regime mais flexível. Mas o problema é que como não se fez até hoje esta lei para as estatais. A Petrobras foi para outro extremo e opera com base em um decreto cujas regras são absolutamente insuficientes. Na prática, não faz processo concorrencial. Faz convite. São empresas cadastradas na Petrobras. Aí seguramente está uma das causas facilitadoras para os absurdos que aconteceram. Não é a resposta total. Então, este é um evento. A destinação de maior atenção para estruturação de sistema de controle interno nas estatais é outra necessidade. Agora, depois do ocorrido, a Petrobras está decidindo criar uma Diretoria de Governança, de controle interno. Coisa que até hoje não tinha ocorrido fazer. Ora, isso combinado com a nova lei chamada lei anticorrupção, que chamo de lei da empresa limpa, que vem propugnando pela criação de compartimentos de controle interno, nada mais oportuno do que se atentar de que as empresas estatais também precisam disso. Esse é outro ganho que precisamos ter a partir desse lamentável evento.

Tribuna - Qual a participação da Controladoria Geral da União nessas operações e investigações feitas pela Polícia Federal?
Hage - Na operação Lava Jato propriamente dita não há participação. Agora, pedimos o compartilhamento das provas, o juiz federal já concedeu e a partir dessas provas estamos abrindo processos punitivos na esfera administrativa contra as empreiteiras e contra os agentes públicos. Na próxima semana, devemos instaurar os processos administrativos. A minha equipe no momento, montei mutirão e força-tarefa, porque o material é muito volumoso. São milhares de páginas de inquéritos policiais, manifestações do Ministério Público para mapear, e identificando os fatos ilícitos atribuídos a cada empresa. Que é assim que tem que ser feito. A imprensa pode simplesmente dizer que há problemas com todas. Eu também acho que há. Mas não é assim que posso identificar. Eu tenho que saber quando ocorreu, como ocorreu, se foi antes da vigência da nova lei que entrou em vigor no dia 29 de janeiro. Porque os fatos posteriores, podemos processar por leis novas, com possibilidade de multas de valores pesados. Os fatos anteriores, que são maioria, serão punidos apenas pelas leis de licitação onde a pena é a suspensão do direito de contratar e licitar. A partir da análise desse material, dessas provas colhidas na Lava Jato, vamos instaurando os processos individualizados contra cada uma das empresas em relação às quais haja de fato provas concretas.

Tribuna - Corruptos e corruptores sempre atuaram nos círculos do poder. Acredita que a principal diferença da Operação Lava Jato é a prisão de grandes empreiteiros no país?
Hage - O país não corre risco de parar. Em primeiro lugar porque existem outras empresas no Brasil e fora do Brasil com expertise, estatura para assumir obras. Não acredito nessa conversa de que essas são as únicas. É uma conversa que interessa a elas para criarem ambientes de terrorismo de que o país vai parar. Segundo lugar, o país não para também porque não acarreta a rescisão dos contratos para as obras em andamento. O que ele acarreta é a vetação de novos contratos. A participação dela em novas licitações. Mas não há cancelamento dos contratos em curso. Nunca foi assim. Inclusive no caso da Delta. Não determinamos suspensão de obras em curso. Isso fica a cargo do gestor de cada contrato. Do ministério contratante, da empresa, a Petrobras, ela deverá avaliar o que é mais conveniente para o público. Se existem gorduras, sobrepreços, inclusive, entendemos que devem chamar as empresas para repactuar, passando a pagar os valores legítimos. Se a empresa não concordar, vai para a rescisão.

Tribuna - As principais empreiteiras que prestam serviço ao governo estão envolvidas no esquema de corrupção. Qual deverá ser a punição para elas? Vai declarar que elas ficarão inidôneas?
Hage - A grande diferença foi o uso da delação premiada. Isso precisa ser destacado. Se não fosse pela delação premiada, nada disso que está aí seria descoberto. Todo mundo sabe que isso sempre ocorreu. Desde Pedro Álvares Cabral no Brasil. E no mundo inteiro em outros países também. Agora com instrumentos como delação, acordos, o Brasil começa agora a praticar, é que surge a possibilidade de ter a revelação mais rápida e fácil porque um dos criminosos para redução de sua pena resolve abrir o bico e denunciar todo o esquema. Esse é o grande fator diferencial. A principal diferença por força do que se obteve por evidências concretas, que raramente se obtém, esse nível de segurança probatória... Não há nenhuma dúvida que a dimensão das empresas alcançadas dessa vez pela operação é muito maior que todas as vezes anteriores.

Tribuna - O Brasil corre o risco de parar, caso essas empreiteiras sejam consideradas inidôneas?
Hage - Acredito que só pela Operação Lava Jato não, mas pela nova lei que entrou em vigor este ano, muita coisa mude. O Brasil vinha sendo cobrado, pois é um dos signatários sobre a convenção contra o suborno transacional. No caso da convenção, a preocupação é principalmente com a corrupção transnacional. A convenção é um organismo internacional que existe, dentre outras coisas, para elevar padrões de negócios de plano internacional, e essa convenção surge no final do século passado.

Tribuna - O que prevê a lei anticorrupção e se acredita que ela é fator preponderante para este momento, com tantos escândalos vindo à tona?
Hage - O Brasil somente agora aprovou uma lei desse tipo, que foi encaminhada pelo ex-presidente Lula ao Congresso em 2010 e, em 2013, foi aprovada, na época dos protestos. É uma lei que é um marco divisório no combate à corrupção no Brasil. Porque passa a punir com penas tão pesadas que a empresa passa a ser interessada em fiscalizar o seu pessoal, ainda que a alta direção da empresa nem saiba. Então se você for o dirigente ou o dono de uma empresa, um terceirizado, um procurador, o mais modesto funcionário, oferecer uma propina ao servidor público, quem vai pagar é o patrimônio de sua empresa, independente de você ter tido a intenção. Eles vão fiscalizar todos os atos do seu pessoal, vão adotar códigos de conduta, transparência nas regras empresariais, controle interno. E isso observamos claramente no Brasil desde que a lei foi surgida.

Tribuna - A Operação Lava Jato coloca em xeque a idoneidade da Petrobras. Será instaurado processo também contra ela?
Hage - No nosso ponto de vista a Petrobras é a grande vítima.  O que nós estamos instalando são processos contra empresas corruptoras e diretores, ex-diretores e empregados da Petrobras que foram corrompidos, que receberam propina, que praticaram atos ilegais para beneficiarem suas empresas, em conluio com as empresas corruptoras. Como estão confessando muito deles já. Então dos dois lados haverá processo. Do corruptor e do corrompido. Mas não é contra a empresa Petrobras.

Tribuna - A que atribui tantas denúncias, prisões, desvios?
Hage - Atribuo à crescente consciência da população contra a gravidade do problema e contra a importância da participação de todos os cidadãos na luta pela corrupção. O crescimento no volume de denúncias é um indicador, medidor do crescimento da participação do cidadão também como fiscal dos atos dos governantes que ele elege, e isso é muito positivo.

Tribuna - Pode-se dizer que houve falha do governo no quesito fiscalização?
Hage - Vejo  isso como indicativo claro de quanto é que não foi desviado nos escalões mais acima na Petrobras.

Tribuna – O excesso de burocracia facilita a vida dos corruptos?
Hage – Não acredito que a burocracia seja a principal causa desse tipo de corrupção. É preciso distinguir corrupção que chamo de varejo, que é aquela que o cidadão vai e paga pra ter uma certidão emitida em tempo mais rápido. É o pagamento, digamos, que se chama de lubrificação. Agilização da burocracia que muitas pessoas consideram aceitável pela agilização. É a corrupção de varejo. É a corrupção pequena do mesmo nível do cidadão que foi pego em velocidade acima da permitida da rodovia e tentou subornar o policial rodoviário. O cidadão que paga uma propina para ser passado na frente da fila no atendimento médico ou do INSS. É a corrupção do varejo, aquela que o cidadão alega que a burocracia excessiva para a papelada para ele criar a pequena empresa dele molhou a mão do funcionário para agilizar os papéis. Para essa corrupção é razoável acusar o excesso de burocracia como uma das causas. E aí a simplificação burcorática seria um excelente remédio. Mas para a grande corrupção, não acredito que seja por excesso de burocracia coisa nenhuma. O caso das licitacões e contratos da Petrobras longe de ser por excesso de rigor das normas. É por falta de rigor. Porque não se faz licitação. Se faz um mero convite. É o posto. Não é excesso de burocracia.

Tribuna - Houve falha na fiscalização da Petrobras?
Hage - As empresas estatais precisam ter outro aparato de controle interno sem a menor dúvida. Elas em si. Não é o sistema de fiscalização central do governo que vai organizar isso nunca, jamais. Jamais dará conta de fiscalizar os milhares e milhares de contratos de uma empresa como a Petrobras pelo mundo afora. O fortalecimento da auditoria interna da Petrobas. Que precisa ser mais fortalecida e orientada para determinado tipo de trabalho. O fortalecimento do comitê de auditorias ligado aos conselhos superiores da empresa. Uma reorientação do trabalho do conselho fiscal da empresa como qualquer sociedade anônima tem. Esse controle interno de uma estatal como a  Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil.

Tribuna - Os desmandos se estenderam?
Hage - Dizer que desmandos nesse nível ocorrem em outras empresas e outros órgãos do governo seria inteiramente irresponsável. Que ocorre problemas, sempre. Auditamos sempre. Descobrimos ilícitos sempre. Raramente concluímos uma investigação que não encontre algum tipo de problema. Mas este nível de problema a mim me aprece difícil que aconteça de forma generalizada por várias razões. Primeiro porque os demais órgãos não gozam da facilidade de contratação que a Petrobras goza com seu decreto próprio fugindo às regras gerais. Isso só pode ocorrer nas áreas estatais. Nenhum outro ente federal movimenta a fábula de recursos que a Petrobras movimenta. Nem um outro tem a quantidade astronômica de contratos e de atividades pelo mundo afora que a Petrobras tem. De modo que, encontrar outro órgão que tenha problema nas mesmas direções, eu acredito que não.

Tribuna – Criticou recentemente a falta de recursos para a CGU, o que dificulta o combate à corrupção. O que fazer diante disso?
Hage - Espero que este fato que ocorreu agora seja uma mudança de patamar do ponto de vista da atenção e da priorização do que é dado e precisa ser dado ao combate da corrupção e aos órgãos de controle como um todo. É preciso atentar mais para a necessidade do órgão de controle interno da Petrobras e fortalecer o órgão de controle central propriamente dito do governo federal, que é a CGU. É preciso, além de fortalecer a CGU, que tem déficit de 300 a 400 auditores, ampliar e mudar a dimensão do sistema. O sistema de controle do governo federal é um órgão cabeça, não tem pontas, não existe unidade de controle interno nem mesmo a nível de cada ministério, quanto mais de órgãos subordinados. Sistema é conjunto, que tem órgão cabeça e os braços organizados de forma sinérgica. O sistema de controle do governo federal só tem as cabeças; porque foram extintas as secretarias próprias de controle de cada ministério na década de 90 na época do auge do neoliberalismo e enxugamento do Estado. Acharam que precisavam economizar. É preiso fortalecer e ampliar o sistema de controle. Subordinando as auditorias das estatais a esse sistema que hoje não existe.

Tribuna - O que esperar do novo mandato da presidente Dilma? Já foi convidado a continuar?
Hage - Minha carta de demissão foi enviada. Estou aguardando a decisão de Dilma até o dia 31, enquanto estarei a postos. 

Colaboraram: Fernanda Chagas e Hieros Vasconcelos Rego