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14 bairros fazem de Itapagipe um pedaço encantado de Salvador

A calmaria das praias, o pôr do sol atraente e a história peculiar são alguns dos fatores que contribuem para o charme do local

Foto: Reginaldo Ipê
Itapagipe é um bom lugar para o banho de mar
Itapagipe é um bom lugar para o banho de mar

A calmaria das praias, o pôr do sol atraente e a história peculiar são alguns dos fatores que contribuem para o charme da Península Itapagipana. Composta por 14 bairros (Calçada, Mares, Jardim Cruzeiro, Massaranduba, Uruguai, Roma, Dendezeiro, Bonfim, Monte Serrat, Boa Viagem, Luís Taquínio, Caminho de Areia, Baixa do Fiscal, Ribeira) a península era uma ilha, cujo território avançou nas águas do mar e se uniu ao continente. Ribeira, Bonfim e Ponta de Humaitá são as principais áreas turísticas da região, debruçada sobre a Baía Todos os Santos e hoje um dos lugares mais belos e históricos da cidade.

O pedaço de terra encravado na Cidade Baixa de Salvador, a oeste da capital baiana e do lado oposto ao Oceano Atlântico, engloba pontos marcantes da cultura baiana, como religiosidade, monumentos históricos e paisagens deslumbrantes. Segundo o Aurélio, a palavra Península se refere a uma faixa territorial que é coberta de água por todos os lados, exceto um que liga ao continente e foi, segundo historiadores, justamente desta forma que a região surgiu e ganhou sua atual nomenclatura. Os habitantes mais antigos contam que a área de uma ilha se transformou numa fazenda de gados.

Com a atividade industrial desencadeada no Luiz Tarquínio, Boa Viagem, 99% dos primeiros moradores do local trabalharam na extinta fábrica Empório Companhia Têxtil. “Todos os funcionários da fábrica tinham direito a uma casa para a família e compras mensais, cedidas pelo dono, Seo Luiz Tarquínio.

Dessa forma, todos criaram seus filhos aqui, formando a Vila Operária, que temos hoje, o primeiro condomínio fechado da América Latina”, contou a moradora Claudia Leal, 42 anos. Ainda de acordo com Claudia, com a morte de Luiz Tarquínio e a falência da fábrica, os bancos decidiram tomar os imóveis dos funcionários. “Muitos foram postos para fora, mas aí vieram as eleições e Antônio Carlos Magalhães, que era candidato na época, conseguiu os imóveis de volta e doou aos funcionários com escritura e tudo”, contou.

De acordo com dados do Sistema de Informação Municipal de Salvador (SIM), o bairro do Uruguai abriga o maior número de habitantes na península. Com 30.370 moradores, ele supera bairros como Ribeira (19.578), Vila Ruy Barbosa e Jardim Cruzeiro, que juntos somam 19.448. No total, o SIM aponta que a Península abriga 131.251 habitantes, sem contar os moradores do Luiz Tarquínio, Dendezeiros e Baixa do Fiscal, que não constam na lista de apuração. Estima-se que o total de habitantes ultrapasse os 160 mil, mas não há dados que comprovem os números.

Atualmente, a península itapagipana abriga grande parte do patrimônio histórico e cultural da cidade. As belezas naturais são consideradas principais atrações. O primeiro bairro de Itapagipe, Calçada, abriga a mais importante estação ferroviária da cidade, que liga a região de Água de Meninos até o bairro suburbano de Paripe. Nos Mares encontra-se a Igreja de Nossa Senhora dos Mares, que tem um estilo gótico, construída no século XX, e em seguida podemos encontrar a capela onde Irmã Dulce rezava. O Bonfim é um dos bairros mais famosos da cidade. É lá que está localizado um dos principais pontos turísticos da cidade, a Igreja do Senhor do Bonfim. O charme do Monte Serrat está na presença de dois monumentos: a Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat, que fica em cima de uma rocha e é protegida por um cais, e o Forte de Monte Serrat, pertencente à arquitetura militar brasileira e que serviu para proteger nossa terra das invasões holandesas. Já a Ribeira é banhada por quase todos os lados pelas águas refrescantes e tranquilas do Oceano Atlântico. Lá foram construídas a igreja de Nossa Senhora da Penha e a Igreja do Nossa Senhora do Rosário.

Um lugar para uma prosa e com jeito de interior

A tranquilidade e o ar interiorano ainda são marcas registradas da Península Itapagipana. “Aqui é um dos poucos lugares de Salvador que a gente ainda pode sentar na porta para tomar uma fresca”, contou Silvia Castilho, 71, que mora na Rua Visconde de Caravela, Itapagipe/Ribeira. Há 30 anos residindo no local, a idosa ressalta características fortes, que não se perderam com o avanço da industrialização. “Pouca coisa mudou durante esses anos. Ainda temos muita paz e podemos trocar ideias com os vizinhos”, lembra.

O senso de identidade também é característica comum entre os itapagipanos. O amor pela região é quase unânime entre os moradores. Parte deles sustenta-se da prática da pesca, costume herdado de pai para filho. “Muitos sobrevivem de pescaria, mas o uso de bombas é o grande problema. De qualquer forma, nasci aqui e não saio daqui para mais nada”, disse Dona Silvia, sob risos.

O artista plástico Prentice Carvalho trabalha diariamente em frente ao mar da Ribeira e garante que não há local mais bonito. Porém, diferente de dona Silvia, ele destaca que muitas coisas mudaram, com o passar dos anos. “A poluição cresceu muito. Sem contar os eventos e shows que acontecem diariamente, o que pode afetar a tranquilidade dos moradores”, contou. Carvalho ainda lembra-se da paisagem que costumava ver quando jovem. “Aqui nesse mar já vi baleia e até cação. As embarcações não ficavam atracadas, apenas víamos os saveiros passando vendendo carnes e farinhas. Os pescadores, que se fartavam de peixes, atualmente só conseguem pegar os pequenos. Tínhamos muita área verde e pistas largas, mas agora as calçadas passaram de dois metros de largura para quatro”, relata.

Dois polos

Um dos momentos mais esperados no ano, em relação à crença, é a Lavagem do Bonfim, na qual milhares de pessoas seguem, a pé, da Conceição da Praia à Colina Sagrada, num percurso de aproximadamente oito quilômetros, demonstrando fé e devoção. E é de lá do alto da Colina Sagrada, nos arredores da Igreja do Bonfim, que dá para notar os locais nobres e pobres da península.

Os elementos fortíssimos da cultura baiana e monumentos históricos que compõem a paisagem do Monte Serrat, Boa Viagem e Ribeira dividem espaço com os problemas urbanos de algumas ruas de bairros mais populares como Massaranduba, Uruguai, Jardim Cruzeiro, Vila Ruy Barbosae e Roma. Os buracos nas pistas e a falta de ordenamento de construção retratam o avanço do inchaço populacional. “As autoridades deveriam olhar mais para a gente. A paz que sobra na Ribeira falta para nós. Tenho medo de chegar tarde da faculdade, pois a qualquer momento pode acontecer uma troca de tiros entre gangues rivais e algum inocente ser atingido”, contou a estudante de pedagogia Lorena Carvalho, que mora no Jardim Cruzeiro há 25 anos.

Apesar dos problemas socioeconômicos, a península ainda é considerada símbolo da baianidade e segue firme entre os avanços industriais. “Na Cidade Baixa, todo mundo se conhece, independente do bairro onde se more”, resumiu o vendedor ambulante Edilson Barreto, 28 anos.