
Moradores de cidades amazônicas enfrentam níveis críticos de poluição atmosférica durante as temporadas de queimadas, com índices de partículas tóxicas superiores aos registrados em capitais como São Paulo, Londres e Pequim, conforme relatório divulgado nessa segunda-feira (4 de novembro) pelo Greenpeace Internacional.
Segundo o relatório Céus Tóxicos, elaborado e revisado por pares pelo Greenpeace Internacional, os altos níveis de poluição na Amazônia estão diretamente ligados às queimadas utilizadas para formação e renovação de pastagens.
A pesquisa, baseada em monitoramento de ar e revisão de literatura, identificou que os níveis de material particulado fino (PM2.5) — poluente relacionado a doenças respiratórias e cardiovasculares -- ultrapassaram em mais de 20 vezes o limite diário recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) durante os períodos de fogo de 2024 e 2025, especialmente em municípios como Porto Velho (RO) e Lábrea (AM).
Mesmo com a redução no número de queimadas em 2025 em relação ao ano anterior, os índices de PM2.5 continuaram alarmantes, superando em mais de seis vezes os padrões da OMS em diversas áreas monitoradas. O relatório destaca que, apesar da densa vegetação, a Amazônia figura entre as regiões mais poluídas do planeta em certos períodos do ano.
Os focos de incêndio estão majoritariamente localizados em áreas de produção agropecuária. Dados do Mapbiomas, analisados pelo Greenpeace, mostram que mais de 30 milhões de hectares foram queimados entre 2019 e 2024 em um raio de 360 quilômetros das unidades da JBS, considerada a maior empresa de carne do mundo. A análise indica um risco elevado de que fornecedores -- tanto diretos quanto indiretos -- utilizem o fogo como prática regular, sem restrições explícitas por parte da empresa.
A organização Imazon informa que frigoríficos habilitados para exportação, como os da JBS, compram gado em um raio médio de até 360 quilômetros.
Questionada sobre essa metodologia, a JBS contestou o uso de uma distância fixa, alegando que a origem do gado varia entre unidades e que a análise não reflete seu processo de compra, nem sua capacidade de monitorar a cadeia de suprimentos.
A empresa também reiterou possuir políticas de controle, embora sua eficácia tenha sido colocada em dúvida por fornecedores e por investigações jornalísticas recentes conduzidas por The Guardian, Unearthed e Repórter Brasil.
O relatório também aponta consequências graves para a saúde pública. Em Porto Velho, hospitais registraram aumento significativo nas internações por doenças respiratórias durante os períodos de queimadas, principalmente entre crianças e idosos.
O Greenpeace estima que a exposição prolongada à fumaça contribuiu para dezenas de milhares de internações e mortes prematuras na região amazônica entre 2009 e 2019. Cumprir os padrões da OMS poderia elevar a expectativa de vida em até 2,9 anos em estados fortemente afetados, como Rondônia e Amazonas.
Cristiane Mazzetti, coordenadora da campanha de Desmatamento Zero do Greenpeace Brasil, afirmou que os incêndios, causados intencionalmente, têm consequências diretas para a população e o meio ambiente. “Essas queimadas expõem um dos grandes impactos da agropecuária na região, frequentemente subestimado. Não se trata apenas de destruição — são crianças em hospital, idosos lutando para respirar e florestas transformadas em fumaça”, declarou.
Mazzetti alertou para a postura esperada de empresas do agronegócio na próxima COP30, prevista para ocorrer no Brasil. Segundo ela, é necessário enfrentar os impactos estruturais da cadeia produtiva, incluindo o uso ilegal do fogo, para que o setor contribua de fato com soluções climáticas. Ela defendeu maior regulação e responsabilização dos agentes econômicos que promovem práticas destrutivas.
Em meio às discussões preparatórias para a COP30, o Greenpeace Brasil propõe um plano de ação global para colocar as florestas no centro das negociações climáticas. A proposta visa implementar e monitorar a meta assumida em 2023, durante a COP28, de deter e reverter o desmatamento até 2030. A entidade sugere a criação de um Programa de Trabalho de cinco anos no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que consolide mecanismos concretos para essa meta.
