
Bill Gates, que por anos foi um dos mais influentes defensores da redução radical de emissões de carbono para conter o aquecimento global, adota agora uma abordagem mais pragmática: segundo ele, o combate à crise climática precisa priorizar a melhoria da vida das pessoas, sobretudo nos países pobres, e não apenas conter a elevação da temperatura global.
Essa mudança de perspectiva marca um contraste evidente com sua posição anterior, na qual a meta de limitar o aquecimento a 1,5?°C era tratada como questão de sobrevivência global. Agora, Gates afirma que o mundo pode conviver com temperaturas acima disso -- desde que o foco esteja em adaptação, inovação e desenvolvimento humano.
Durante boa parte da última década, Gates foi uma das vozes mais enfáticas ao afirmar que o planeta precisava chegar a emissões líquidas zero (net-zero) até meados do século para evitar “um desastre climático”. Em seu livro How to Avoid a Climate Disaster (2021), ele defendia metas ambiciosas para conter o aumento da temperatura média global em até 1,5°C. Hoje, Gates reconhece que essa meta é improvável de ser atingida e, mais importante, não deveria ser o único critério para medir o sucesso da luta contra as mudanças climáticas.

Esse novo olhar rompe com a retórica “catastrófica” de parte do ambientalismo, que ele agora considera excessivamente centrado no clima como um fim em si mesmo.
“Três verdades duras”: uma reavaliação estratégica
Gates passou a expor o que chama de “três verdades duras sobre o clima”:
1. A meta de 1,5°C não será alcançada: mesmo com esforços razoáveis, projeta-se aquecimento entre 2°C e 3°C até 2100.
2. Mais energia é algo bom: países em desenvolvimento precisam consumir mais energia para garantir saúde, renda e bem-estar.
3. A solução real está na inovação: só novas tecnologias podem reduzir o custo das soluções limpas e torná-las viáveis globalmente.
Essas ideias contrastam com sua postura anterior, quando defendia que toda política deveria estar subordinada à redução de emissões, mesmo que isso significasse altos custos ou limitações ao crescimento econômico.
Antes: urgência climática. Agora: pragmatismo humano
No passado, Gates alertava que sem controle do aquecimento global, o mundo sofreria “milhões de mortes, migrações em massa e colapsos agrícolas”.
Ele citava estimativas que comparavam os impactos das mudanças climáticas com pandemias e guerras nucleares.
Agora, ainda que reconheça riscos reais, ele argumenta que é possível se adaptar a um mundo mais quente — desde que os investimentos sejam bem direcionados.

Essa visão representa uma mudança radical no discurso, abrindo espaço para estratégias que combinem mitigação (redução de emissões) com adaptação e crescimento econômico inclusivo.
Energia limpa acessível como ponte entre metas ambientais e sociais
Anteriormente, Gates enfatizava que a transição energética deveria ser rápida e radical. Hoje, embora ainda defenda a transição para fontes limpas, ele afirma que o acesso à energia em países pobres é tão importante quanto a redução de emissões.

Ele reforça que não se pode penalizar o desenvolvimento de países pobres em nome de metas climáticas rígidas, propondo que os “prêmios verdes” — a diferença de custo entre soluções limpas e tradicionais — sejam reduzidos por meio de tecnologia.
Adaptação e justiça climática no centro do debate
Gates aponta que as políticas climáticas atuais dão pouca atenção à adaptação, especialmente nos países mais vulneráveis.
Ele cita agricultores na África e Ásia que sofrem com secas e inundações, e defende investimentos em infraestrutura resiliente, sementes adaptadas e sistemas de irrigação.

Essa visão enfatiza que a crise climática é também uma crise social e econômica, e que soluções eficazes exigem olhar além dos gases de efeito estufa.
Críticas ao alarmismo e à falta de prioridades
Gates critica o que chama de foco exagerado nas emissões a curto prazo, que muitas vezes ignora soluções de maior impacto humano. Ele propõe que os esforços sejam avaliados com base em custo-benefício para a vida humana, e não apenas pelo efeito direto no clima.
Com isso, ele também desafia grandes campanhas públicas que, segundo ele, priorizam símbolos (como acabar com o plástico ou proibir carros a combustão) em vez de medidas estruturais mais eficazes.
A mudança de perspectiva de Gates pode ter efeitos diretos na agenda de países como o Brasil, onde ainda coexistem grandes desigualdades sociais e vulnerabilidade climática.
Ao propor que crescimento e combate às mudanças climáticas podem caminhar juntos, ele abre espaço para que políticas de transição energética sejam desenhadas de forma inclusiva, com foco em:
-- Energia limpa e barata para todos
-- Apoio a populações rurais e pequenos produtores
-- Estímulo à inovação tecnológica nacional
Essa abordagem pode ajudar a evitar que a transição climática seja vista como um sacrifício imposto de cima para baixo, e passe a ser entendida como uma oportunidade de desenvolvimento com justiça social.

