Opinião

Investimento brasileiro em perspectiva na agricultura angolana

As relações de troca entre os dois países tiveram momento alto há alguns anos

Brasil e Angola assinaram ontem em Luanda uma Carta de Intenções sobre financiamentos brasileiros ao setor agro-pecuário angolano, coincidindo com a assinatura em Montevideu do Acordo Mercosul-União Europeia, no qual a agricultura tem espaço destacado, até devido a oposições criadas por interesses agrícolas de dois ou três países europeus.

Coincidências existem e em economia, por vezes, ajudam. Nas intenções agro do Brasil e Angola, ninguém cria oposições para dificultar acordo. O Brasil é o maior exportador mundial de produtos alimentares, em volume. Angola, apesar do enorme potencial, tem elevado déficit de produção agro-alimentar, grande causa de ter a linha da pobreza em torno dos 50% da população, consoante o método de estabelecimento dessa linha.

As relações de troca entre os dois países tiveram momento alto há alguns anos – também com base em linha de crédito brasileira – mas baixaram bastante. Já abordei o tema, tanto em tese como em livro focado no Atlântico Sul, não vou voltar ao histórico.  A retomada no relacionamento tem a ver com a viagem de Lula a Angola em 2023.

Entre os dias 2 e 4 deste mês, Joe Biden visitou Angola, sua única deslocação ao continente africano, com foco no “corredor do Lobito”, que atravessa faixa densamente povoada de Angola, ligando a poderosas zonas mineiras de países vizinhos. Ontem, 6, decorreu em Luanda o Forum Empresarial Agro Brasil Angola, durante a visita do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, a esse país. Outra coincidência útil.

Em primeiro lugar, porque Angola tem como prioridade absoluta diversificar sua economia, petro-dependente, sendo a cadeia agro-alimentar de evidente valor estratégico e estimulante para iniciativas em outros setores. A criação de condições começa na solução do abastecimento de água, relativamente fácil desde que exista vontade política e investimentos, pois o país possui um vasto manancial hídrico não aproveitado.

Em segundo lugar, o mencionado empreendimento “Corredor do Lobito” se estende desde o porto do Lobito à localidade de Luau, portanto, do litoral à fronteira congolesa, faixa de grande experiencia em agricultura de autossubsistência. O desafio imediato é evoluir da autossubsistência, nessa e outras regiões angolanas, para rede de pequenas empresas com excedentes comercializáveis, acrescentando médias e grandes empresas de produção e comercialização. Cria segurança alimentar para toda e população e dá dimensão ao mercado interno, com perspectivas exportadoras.

Em terceiro lugar – conectado ao segundo – desencadear o processo implica escolhas geográficas que, na presente fase, estão ligadas às proximidades dos grandes centros populacionais. Em virtude da hiper concentração demográfica e consequentes exigências em abastecimento de base, além de beneficiar com grandes rios a curta distância e ligação às três ferrovias do país.  

Em quarto lugar, o longo período da linha de crédito anterior priorizava a aquisição de produtos brasileiros pelos angolanos e a realização de obras, principalmente de construção civil. Deu lugar a protagonismo exagerado de algumas empresas brasileiras – sobretudo uma delas – não criando oportunidades de produção significativa local nem sustentabilidade em termos brasileiros. A visão da Carta de Intenções é diferente: promoção de investimento no agronegócio e tecnologias relacionadas. Na verdade, todas as tecnologias estão relacionadas ao aumento da produção, produtividade e melhor formação de recursos humanos, fator decisivo em qualquer projeto.

É nesta linha que a Embrapa assinou acordo com o Instituto angolano de vocação equivalente. A importância da visita do ministro Carlos Fávaro é atestada pela audiência que teve com o Presidente angolano, João Lourenço.

Agora vai ser formada uma comissão técnica mista que terá pela frente uma nova oportunidade de trabalhar com objetivos “win-win”:

- por um lado, o Brasil contribui para o desenvolvimento de um país africano muito especial para a história e cultura brasileiras, aliás, hoje dos mais procurados na África pelas duas maiores potências mundiais;

- por outro lado, abre sérias oportunidades para empresas brasileiras e para difusão internacional de tecnologia criada ou adotada por centros brasileiros.

Se esta oportunidade não falhar, marcará grande diferença com os habituais modelos coloniais e pós coloniais – seja qual for o discurso ideológico  - de simples aquisições de matérias primas e prestação de serviços baseados em empréstimos geradores de dívidas, pouco ou nada úteis para ambos os lados.

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Jonuel Gonçalves é pesquisador associado no NEA/INEST da UFF (Niterói),ex-professor visitante da Uneb (Salvador) e está à frente do Blog do Jonuel