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Cheias menores e estiagens mais prolongadas ameaçam o Pantanal

Após a cheia de 2018, nota-se uma recorrência de incêndios no entorno do Rio Paraguai

Foto: Pixabay/Creative Commons
O Pantanal tem 3,3 milhões de hectares de área alagada
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Levantamento do MapBiomas mostra que o Pantanal enfrenta redução de áreas alagadas e períodos mais longos de seca desde 1985, impactando a dinâmica hídrica e intensificando queimadas. A conversão de vegetação natural em pastagens e agricultura acelera mudanças ecológicas, prejudicando o bioma.

Levantamento feito pelo MapBiomas (plataforma produzida por uma rede colaborativa formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia) sobre a superfície de água e de campos alagados mostram que de 1985 a 2023, último ano mapeado pelos pesquisadores, o bioma está alagando uma área menor e ficando seco por um período maior no ano.

Com 3,3 milhões de hectares de área alagada, o ano passado foi 38% mais seco que 2018, quando ocorreu a última grande cheia do bioma, que cobriu 5,4 milhões de hectares. Essa extensão, no entanto, já era 22% mais seca que a de 1988 (primeira grande cheia da série histórica do MapBiomas, que cobriu 6,8 milhões de hectares). 

Em 2023 a redução de água foi de 61% em relação à média histórica (1985 a 2023).  As áreas alagadas por mais de três meses no ano também apresentam tendência de redução, isto é, o bioma tem apresentado uma menor área alagada ao mesmo tempo que o alagamento apresenta menor tempo de permanência.

Paralelamente, 22% (421 mil hectares) da atual área de savana (2,3 milhão de hectares) vieram de locais que secaram. 

Essa mudança no padrão de cheias e secas tem efeitos sobre a incidência de queimadas no bioma. Entre 1985 e 1990 (início da série temporal analisada pelo MapBiomas), a extensão queimada correspondeu a áreas naturais em processo de conversão e consolidação de pastagem.

Após a cheia de 2018, nota-se uma recorrência de incêndios no entorno do Rio Paraguai. De 2019 a 2023, o fogo tem atingido locais que no início da série de mapeamento, de 1985 a 1990, eram permanentemente alagados, mas que agora estão passando por períodos prolongados de seca.

O total queimado de 2019 a 2023 foi de 5,8 milhões de hectares e a região mais atingida foi justamente essas áreas que antes eram permanentemente alagadas no entorno do Rio Paraguai.

Em 2023, último ano da série mapeada, as pastagens exóticas apresentaram pouca ocorrência de fogo devido à baixa biomassa seca disponível para combustão. Isso, porém, explicita como o processo de desmatamento para conversão de áreas naturais em pastagem, utiliza o fogo para facilitar a abertura de áreas naturais, para a limpeza do solo e na consolidação da pastagem.

Depois de consolidado o uso como pastagem, a incidência de fogo é pequena em relação à incidência em áreas naturais. No Pantanal e no período de 1985 a 2023, as pastagens exóticas correspondem a 4,8% de toda a área atingida por fogo.

“A frequência elevada de incêndios no bioma está associada à predominância de vegetação campestre, à alta incidência de variações no regime de inundação da planície e a períodos de seca prolongados”, explica Mariana Dias da equipe do bioma Pantanal no MapBiomas.

Composto por patamares, serras, chapadas e depressões, o planalto da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP) integra os biomas do Cerrado e da Amazônia e desempenha um papel fundamental na hidrologia da planície pantaneira. Todos os rios da região nascem no planalto e fluem em direção à planície, até alcançarem o Rio Paraguai.

O pulso de inundação da planície pantaneira depende diretamente do fluxo de água proveniente do planalto. A dinâmica da cobertura vegetal e os tipos de uso da terra no planalto da BAP afetam diretamente a planície do Pantanal. 

“O Pantanal já experimentou períodos secos prolongados, como nas décadas de 1960 a 1970, mas atualmente outra realidade, de uso agropecuário intensivo e de substituição de vegetação natural por áreas de pastagem e agricultura, principalmente no planalto da BAP, altera a dinâmica da água na bacia hidrográfica”, explica Eduardo Rosa, coordenador de mapeamento do bioma Pantanal no MapBiomas.   

Se em 1985 o uso antrópico das terras da BAP correspondia a 22% do total, no ano passado esse percentual já alcançava 42%.  O planalto da BAP tem 83% de todo o uso antrópico da BAP e entre 1985 e 2023, foram convertidos para pastagem e agricultura  5,4 milhões de hectares, dos quais 2,4 milhões de hectares eram florestas e 2,6 milhões de hectares eram formações savânicas.

O principal uso antrópico do planalto da BAP é a pastagem, que responde por 77% do total ou mais de 11,4 milhões de hectares, seguido pela agricultura e mosaico de usos, que juntos representam 20% (3,1 milhões de hectares) do uso antrópico na BAP.

Na planície, a perda de áreas naturais foi menos intensa e mais recente. Ao todo, foram suprimidos 1,8 milhão de hectares de vegetação natural entre 1985 e 2023, dos quais quase 859 mil hectares de formação campestre e campo alagado, 600 mil hectares de savana e 437 mil hectares de floresta. 

Entre 1985 e 2023, as pastagens exóticas na planície pantaneira passaram de 700 mil hectares para 2,4 milhões de hectares, aumentando justamente sobre as áreas naturais suprimidas. Mais da metade (55%) do aumento da pastagem exótica na planície ocorreu nos últimos 23 anos. 

Na planície pantaneira, 87% das pastagens exóticas apresentam baixo e médio vigor vegetativo. “A substituição de áreas de formação campestre e campo alagado por pastagens exóticas na planície exige estratégias de manejo adaptadas às condições específicas de solo e à sazonalidade dos pulsos de inundação”, lembra Eduardo.