Por trás de boa parte das maiores operações policiais do país, a Polícia Federal (PF) abriu, em média, uma investigação a cada oito minutos nos últimos 24 anos.
Desde 2000, segundo dados exclusivos obtidos pela Fiquem Sabendo via Lei de Acesso à Informação (LAI), foram 1,5 milhão de inquéritos instaurados, sendo mais da metade deles – 56,4% – voltada ao combate a crimes fazendários, como sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e apropriação de recursos públicos.
O levantamento inédito da FS permite compreender as mudanças no foco das investigações policiais da corporação ao longo de mais de duas décadas.
Impulsionada por investimentos nos governos Lula I e II, a PF passou de cerca de 40 mil inquéritos abertos anualmente no início dos anos 2000 para 94 mil investigações em 2008. Entre 2003 e 2019, o volume anual de casos abertos esteve sempre acima dos 50 mil inquéritos, mas vem caindo desde então.
Os dados enviados pela PF, em dois arquivos, indicam que o aumento do volume de investigações abertas não foi acompanhado pela conclusão dos inquéritos, gerando um acúmulo de demandas policiais. Muitos casos ficaram represados, a ponto de, nos últimos quatro anos, o volume de inquéritos relatados – concluídos pelo delegado responsável – ter superado o de novos inquéritos instaurados, como revela o gráfico abaixo. Mesmo assim, foram abertos 1,51 milhão de inquéritos e concluídos 1,48 milhão no período.
Crimes mais comuns
Os dados fornecidos pela Polícia Federal permitem a identificação por tipos penais, incluindo a base legal na descrição das investigações. É preciso, entretanto, estar atento ao fato de que, devido ao modo como os dados foram estruturados pela PF, não é possível identificar se um inquérito envolve mais de um tipo penal.
Apesar das limitações – a corporação não forneceu o número de identificação dos inquéritos nem a data precisa de instauração e conclusão, indicando apenas o ano –, o levantamento oferece uma visão geral precisa das áreas que mais demandaram a atenção da PF ao longo dos anos.
Os crimes fazendários, que chegaram a motivar a abertura de cerca de 63 mil inquéritos em 2008, resultaram em apenas um terço desse número (21,3 mil) no ano passado, e em outras 12 mil investigações nos primeiros sete meses de 2024. Segundo dados enviados pela PF em agosto à Fiquem Sabendo, o movimento de queda no volume de novas investigações começou de forma mais acentuada em 2018, quando o número caiu para médias anuais inferiores a 30 mil inquéritos.
A unidade federativa com mais investigações sobre esse tipo de crime é São Paulo, com 228.170 inquéritos instaurados em 24 anos – ¼ do total –, seguida pelos estados do Paraná (107.097) e Minas Gerais (81.186).
A mesma tendência de redução foi registrada entre os crimes previdenciários, que respondem por 12,5% das investigações da corporação.
O combate ao tráfico internacional de drogas também registrou queda nos inquéritos instaurados. Terceiro crime mais investigado, o tráfico responde por 7,3% do total de investigações – foram mais de 111 mil em 24 anos –, mas os 3,8 mil casos abertos no ano passado e os 2,4 mil nos primeiros meses de 2024 estão muito abaixo dos 7,5 mil registrados em 2013 e da própria média do período, cerca de 4,4 mil novos inquéritos por ano.
Além de estados fronteiriços, dois do Sudeste estão entre os que têm mais registros de investigação. São Paulo novamente lidera a lista, com 33.104 inquéritos, seguido por Mato Grosso do Sul (11.937), Paraná (10.439) e Rio de Janeiro (7.050).
Analisados isoladamente, os dados não permitem inferir a causa das quedas – queda da criminalidade ou redução da capacidade de investigação policial –, mas servem como pistas para análises mais complexas, incluindo informações sobre taxas delitivas, recursos da corporação, entre outras evidências.
O mesmo cuidado é necessário para a interpretação de curvas ascendentes de outros delitos. Em alguns casos, como os de pedofilia, variáveis como a ampliação do acesso à tecnologia podem estar impulsionando a atividade delitiva e, consequentemente, a reação policial. Dos 4,9 mil inquéritos sobre crimes cibernéticos relacionados ao abuso sexual infantojuvenil, 2,6 mil (53%) foram instaurados nos últimos dois anos, entre 2023 e 2024. Neste ano, a média é de uma nova investigação a cada quatro horas.
O maior volume de casos investigados está no eixo Sul-Sudeste. Cinco estados concentram metade dos inquéritos da PF sobre esse tipo de crime: São Paulo (861), Minas Gerais (474), Rio de Janeiro (449), Paraná (416) e Rio Grande do Sul (299). Enquanto isso, a média nacional é de 4,9%.
Geografia das investigações
Os dados obtidos permitem o mapeamento das investigações, em boa parte relacionadas ao modo como o crime se organiza em diferentes regiões do país. Assim como as concentrações populacionais e de renda colocam São Paulo no topo da lista entre as unidades federativas com mais inquéritos abertos, estados do Norte que sofrem com o desmatamento e ataques aos povos originários são os que registram, proporcionalmente ao total de seus inquéritos, mais investigações desse tipo.
Os crimes ambientais, contra o patrimônio histórico e cultural e os povos originários, por exemplo, aumentaram de 56, em 2000, para 4.698, no ano passado. Quando se observa o número total de registros, temos dois estados do Norte no topo da lista: São Paulo (7.460), Pará (7.248), Minas Gerais (7.079), Rondônia (5.278) e Rio Grande do Sul (5.251).
Entretanto, quando analisamos proporcionalmente ao total de cada estado no período, temos um outro ranking, liderado por unidades federativas do Norte: Rondônia (20,1%), Pará (16%), Acre (15,8%), Amapá (14%) e Roraima (13,1%).
Percentual de indiciamentos
Apesar de algumas inconsistências nos dados sobre indiciamentos entre 2000 e 2020 – falaremos disso mais adiante –, os dados fornecidos pela Polícia Federal permitem analisar a conclusão das investigações realizadas nos últimos quatro anos. É possível mensurar o número de inquéritos que resultaram em indiciamento de suspeitos. De forma ainda mais detalhada, é possível cruzar informações sobre o tipo de crime investigado e o apontamento de autoria ao final do trabalho policial.
Nos últimos quatro anos, a PF concluiu 183.146 inquéritos, apontando a autoria em 54.475 dessas investigações. Ou seja, em 29,7% dos casos houve indiciamento de suspeitos.
O percentual não é homogêneo entre as unidades federativas. Estados do Norte lideram o ranking de inquéritos concluídos com a identificação dos suspeitos, enquanto os estados do Sudeste e do Nordeste estão entre os que possuem percentuais abaixo da média nacional. Entre os piores desempenhos estão o Rio de Janeiro e o Ceará, onde apenas um em cada seis casos resulta em indiciamento de suspeitos.
Uso dos dados exige atenção
Apesar de as informações enviadas pela Polícia Federal (PF) permitirem compreender os esforços de investigação do órgão, os dados precisam ser analisados com atenção. Na resposta ao pedido da Fiquem Sabendo, a própria PF já alerta para isso. Após questionarmos algumas inconsistências, a PF reforçou que “a acurácia e a confiabilidade das informações são significativamente maiores a partir de 2021, quando o sistema passou a ser utilizado de forma padronizada em âmbito nacional”.
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Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas