Brasil

Número de queimadas em 2024
no Pantanal é o maior já registrado

O Pantanal é a maior área úmida contínua do planeta

Foto: Joédson Alves | Agência Brasil
59,2% do território já foram afetados pelo fogo nos últimos 40 anos

No acumulado dos últimos 12 meses, o Pantanal somou 9.014 ocorrências de focos de fogo, quase sete vezes mais que os 1.298 registrados pelo sistema no mesmo período do ano passado. Além do maior volume de queimadas, chama a atenção a antecipação do problema, que nos anos anteriores só foi intensificado a partir de agosto.

O número de focos em 2024 supera o registrado no mesmo período de 2020, ano recorde de queimadas em todo o bioma. Nos seis primeiros meses do ano as queimadas já são 8% mais que as de 2020.

175 brigadistas do Ibama, 40 do ICMBio, 53 combatentes da Marinha estão combatendo os focos de queimadas, no Pantanal. O Ibama dispõe de 2.108 brigadistas e o ICMBio (órgão federal responsável pelas unidades de conservação) tem 913 em todo o País. 

O Pantanal é a maior área úmida contínua do planeta, e os efeitos de agravamento do fenômeno El Niño na mudança do clima já vem sendo percebidos no volume dos rios que atravessam o bioma. Em maio, a Agência Nacional de Águas (ANA) declarou situação crítica de escassez de recursos hídricos na Bacia do Paraguai.

O vice-presidente Geraldo Alckmin anunciou a criação de uma sala de situação para ações preventivas e de controle de incêndios e secas. Na ocasião, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho informou que a situação mais critica afetava a região do município de Corumbá, em Mato Grosso do Sul.

"Pela primeira vez estamos com o Pantanal completamente seco no primeiro semestre. O Ibama já contratou mais de 2 mil brigadistas para atuar em todo o país, com foco inicial no Pantanal e na Amazônia”, declarou Rodrigo Agostinho.

O bioma mais afetado

Uma pesquisa divulgada recentemente pela rede de pesquisa MapBiomas apontou que proporcionalmente o Pantanal é o bioma mais afetado por queimadas ao longo dos últimos 39 anos. Foram 9 milhões de hectares, o que representa 59,2% do território que abrange os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Entre 1985 e 2023, 199,1 milhões de hectares foram queimados pelo menos uma vez no Brasil, segundo dados da mais recente Coleção do MapBiomas Fogo sobre a extensão das áreas queimadas no país, representando quase um quarto (23%) do território nacional. Mais de dois terços da área afetada por fogo (68,4%) foi de vegetação nativa; aproximadamente um terço (31,6%) em área antropizada, como pastagem e agricultura. Quase metade (46%) da área queimada está concentrada em três estados: Mato Grosso, Pará e Maranhão e 60% de toda área queimada aconteceu em imóveis privados.

A cada ano, uma média de 18,3 milhões de hectares, ou 2,2% do país, são afetados pelo fogo.  A estação seca, entre julho e outubro, concentra 79% das ocorrências de área queimada no Brasil, sendo que setembro responde por um terço do total (33%). Os dados do MapBiomas Fogo mostram também que cerca de 65% da área afetada pelo fogo no país foi queimada mais de uma vez em 39 anos, sendo o Cerrado o bioma com a maior quantidade de área queimada recorrente.

Os dados mostram padrões históricos claros sobre o quê, quando e quanto queima no Brasil todos os anos, o que permite ao poder público entender as tendências, identificar as áreas de maior risco e estabelecer ações coordenadas e mais eficientes de combate às queimadas. Nesse sentido,  o Cerrado e a Amazônia, que juntos representam a maior parte da área queimada no país, apresentam características e desafios únicos que demandam abordagens específicas. 

Juntos, o Cerrado e a Amazônia concentraram cerca de 86% da área queimada pelo menos uma vez no Brasil em 39 anos. No Cerrado, foram 88,5 milhões de hectares, ou 44% do total nacional. Na Amazônia, queimaram 82,7 milhões de hectares (42%). Embora Cerrado e Amazônia tenham números absolutos semelhantes de área queimada, esses biomas têm tamanhos diferentes. Por isso, no caso do Cerrado, a área queimada equivale a 44% de seu território; na Amazônia, esse percentual foi de 19,6%, ou seja, um quinto da extensão do bioma. 

“A Amazônia enfrenta um risco elevado com a ocorrência de incêndios devido à sua vegetação não ser adaptada ao fogo, agravando o nível de degradação ambiental e ameaçando a biodiversidade local, enquanto a seca histórica e as chuvas insuficientes para reabastecer o lençol freático intensificam a vulnerabilidade da região”, explica Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Fogo e diretora de Ciências do IPAM. “O Cerrado tem sofrido com altas taxas de desmatamento, o que resulta no aumento de queimadas e no risco de se tornarem incêndios descontrolados, alterando o regime natural do fogo. Essas mudanças impactam negativamente o equilíbrio ecológico, pois o fogo, embora seja um componente natural do Cerrado, está ocorrendo com uma frequência e intensidade que a vegetação não pode suportar.”,  explica Vera Arruda, coordenadora técnica do MapBiomas Fogo e pesquisadora do IPAM.

A diferença entre os biomas não se resume aos números, mas também às características do fogo. Na Amazônia, o fogo é causado principalmente pelo desmatamento e práticas agrícolas. Como se trata de um bioma extremamente sensível ao fogo, o resultado é uma grande perda de biodiversidade. Já no caso do Cerrado, o bioma é adaptado ao fogo, pois evolutivamente ele depende de queimadas naturais e controladas para manter seu ecossistema. Porém os números mostram que atualmente ele enfrenta mudanças no seu regime natural de fogo relacionadas  à expansão agropecuária e uso indevido do fogo.

O bioma que mais queimou proporcionalmente a sua área nos 39 anos avaliados foi o Pantanal, com 9 milhões de hectares. Embora sejam apenas 4,5% do total nacional, são 59,2% do bioma.  Em 2023, foram mais de 600 mil hectares queimados no Pantanal, 97% dos quais ocorreram entre setembro e dezembro. O mês de novembro concentrou 60% do total da área queimada. O Pantanal, também adaptado ao fogo, enfrenta incêndios intensos principalmente devido às secas prolongadas, em função das dificuldades de contenção das queimadas, qualquer foco pode gerar impactos significativos na fauna e flora locais.

A área queimada na Caatinga entre 1985 e 2023 foi de quase 11 milhões de hectares. Isso equivale a 6% do total nacional e 12,7% do  bioma. Nesse bioma, as queimadas são frequentemente usadas para manejo agrícola e exacerbadas por secas prolongadas, com muitas espécies vegetais mostrando adaptações ao fogo. 

Na Mata Atlântica, foram cerca de 7,5 milhões de hectares (4% do total nacional e 6,8% em relação à extensão do bioma). A Mata Atlântica é altamente sensível ao fogo nas áreas naturais remanescentes. Sua fragmentação florestal e urbanização vêm aumentando a vulnerabilidade a incêndios, que ameaçam sua biodiversidade. 

No Pampa, foram 518 mil hectares, ou 2,7% de seu território.  Nesse bioma, onde predomina a vegetação campestre, as queimadas são pequenas e pouco frequentes, já que o seu uso para o pastejo dos rebanhos bovinos resulta em baixo acúmulo de biomassa inflamável. As maiores queimadas costumam ocorrer em anos do fenômeno climático La Niña. 

Além da adição da área queimada em 2023, um novo dado da Coleção 3 é o tamanho das cicatrizes, que contabiliza a área afetada por um único evento de fogo. As áreas queimadas entre 10.000 e 50.000 hectares são predominantes no Pantanal, com cerca de 25% das áreas afetadas. Já no caso do Cerrado, predominam queimadas em áreas entre 1.000 e 5.000 hectares, que respondem por 20% do total.  Na Amazônia, predominam as áreas entre 100 e 500 hectares, que representam cerca de 20% do total afetado pelo fogo nesse bioma.  Áreas inferiores a 10 ha ou entre 10 e 50 hectares são predominantes na Caatinga e Mata Atlântica. No caso do Pampa, mais de 54% das áreas queimadas são menores que 10 hectares.

Os três municípios que mais  queimaram entre 1985 e 2023 foram Corumbá (MS), no Pantanal, seguido por São Felix do Xingú (PA), na Amazônia, e Formosa do Rio Preto (BA), no Cerrado.

A posição do governo

A prática de “queimas controladas” para manejo, seja para pasto ou para qualquer cultivo, está proibida pelo menos até o final do ano. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, afirmou que um dos principais focos de enfrentamento à seca no Pantanal – a mais grave em 70 anos – será a criminalização das queimadas provocadas por ação humana. “É preciso evitar o fogo em primeiro lugar”, disse Marina, em entrevista concedida após a segunda reunião da sala de situação instalada pelo governo para prevenir e combater os danos da seca na Amazônia e das queimadas no Pantanal.

A ministra colocou, portanto, os incêndios criminosos entre os três fatores da crise ambiental no bioma. Os outros dois seriam a mudança climática e o agravamento do efeito prolongado dos fenômenos El Niño e La Niña. Desse modo, Marina lembrou do Pacto Interfederativo para o Combate aos Incêndios no Pantanal e na Amazônia firmado entre o Governo Federal e os estados abrangidos pelos biomas. São eles Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Amazonas, Maranhão, Acre, Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins.

“Os municípios que mais desmatam são também os mais atingidos pelos incêndios”, observou Marina Silva, informando que a sala de situação se reunirá mais uma vez esta semana para avançar nas decisões práticas envolvendo vários ministérios: Meio Ambiente, Integração e Desenvolvimento Regional, Transportes, Planejamento e Orçamento, Justiça e Segurança Pública, Defesa e Comunicação Social. Segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, o grupo viaja a Corumbá – cidade na região do Pantanal onde estão as propriedades que mais desmatam e mais atingida pelos incêndios – para tomar contato com a realidade local e se reunir com autoridades e representantes da sociedade.

Marina Silva explicou que, embora o fenômeno deva ser considerado resultado de evento climático extremo tanto quanto no Rio Grande do Sul, as respostas governamentais se distinguem. No Sul, trata-se da reconstrução de um estado já destroçado pelas cheias.

No Pantanal, o governo discute desde o ano passado ações de prevenção já se antecipando aos efeitos da redução do intervalo entre El Niño (chuvas acima da média) e La niña (seca acima da média). E agora, em ação que deve ser conjugada com estados e municípios, busca-se, além da prevenção, intensificar a responsabilização dos autores de práticas criminosas de queimadas.  

Além do combate às queimadas, o governo decidiu liberar um aporte imediato de R$ 100 milhões para reforçar os orçamentos dos poderes locais na ações emergenciais, tanto no combate ao fogo quanto no atendimentos às comunidades.