Ciência

Descoberto besouro que finge
ser cupim para obter alimento

O Austrospirachtha carrijoi é um parasita social que cheira, se parece e age feito cupim

Foto: Laboratório de Coleoptera
Espécie brasileira que também apresenta mimetismo visual de cupins

Pesquisadores do Museu de Zoologia (MZ) da USP descobriram um novo tipo de besouro, o Austrospirachtha carrijoi, encontrado na Austrália e segundo do gênero Austrospirachtha. É uma espécie parasitária, pequena como outros insetos e normal à primeira vista. O que difere esses besouros da maioria dos coleópteros (ordem biológica) encontrados até hoje é sua capacidade de imitar física e quimicamente cupins.

Essa característica atípica foi estudada em artigo publicado recentemente na revista Zootaxa. A espécie foi descoberta por Tiago Carrijo, doutor em Entomologia pela USP, quando o pesquisador estudava espécies de cupins na Austrália e encontrou o besouro infiltrado.

Bruno Zilberman, um dos autores do artigo, explica que esse besouro carrega o abdômen nas costas. O órgão é membranoso e inflado, com projeções laterais (chamados de pseudoapêndices), o que, ao olhar o inseto de cima, faz parecer que ele é um cupim. “O bicho criou um fantoche de cupim no próprio abdômen e ele usa isso para se camuflar dentro do ninho dos cupins”, diz o pesquisador do Laboratório de Coleoptera (LaC).

“Os besouros são geralmente esclerotizados [endurecidos], parecem uns tanques de guerra, por exemplo. Só que um certo tipo de adaptação desses bichos que vivem em cupinzeiros é justamente expandir o abdômen, ele fica inflado mesmo, o que o deixa membranoso. Essas membranas intersegmentares entre as partes esclerotizadas se estendem. E aí, durante a evolução, a parte membranosa foi sendo moldada à imagem de um cupim”, explica Bruno.

Apesar da semelhança física, os cupins são cegos e não enxergam a similaridade apresentada pelos besouros, porém, eles são bons na parte sensorial-tátil. A hipótese dos pesquisadores é que ao tatear o besouro intrusivo, mesmo com o tamanho maior, eles reconhecem a estrutura de um cupim. Além disso, o mimetismo visual também é uma estratégia dos A. carrijoi para enganar possíveis predadores, pois, olhando de cima, o besouro não se destaca. 

A mimetização dos cupins é por um motivo muito simples: enganar os insetos para poder viver dentro do cupinzeiro e ser alimentado. Além de se parecer com um cupim, o abdômen inflado produz substâncias químicas que se adaptam à camuflagem química do cupinzeiro parasitado.

“Os cupins, e a maioria dos insetos sociais, vivem em uma bolha química, um mundo sensorial químico. Além do mimetismo morfológico, os besouros também precisam mimetizar o ‘cheiro’ da colônia, e cada uma vai ter seu próprio ‘cheirinho’. A grande vantagem do besouro, além de ter o cheiro, é mostrar para os cupins que também é um deles e que o devem alimentar”, explica Carlos Moreno, coautor do estudo. Por fim, os besouros conseguem mimetizar o comportamento dos cupins, possibilitando que se comuniquem da mesma maneira que os insetos se comunicam entre si.

Apesar de parecer, cheirar e se comportar como um cupim, o A. carrijoi não trabalha como um. Essa espécie é considerada um parasita social, já que depende completamente da outra espécie para se alimentar e não oferece nenhuma vantagem para a colônia. “Ao invés de estarem se alimentando, os cupins estão gastando recursos alimentando o besouro, que sobrevive à custa dos cupins, isso é o parasitismo social”, afirma.

Os pesquisadores explicam que a modificação do abdômen é pós-imaginal, ou seja, ao sair da pupa [estado entre larva e adulto] o besouro se parece com uma espécie de vida livre, e, só ao chegar ao ninho de cupins, hormônios engatilham o desenvolvimento secundário do abdômen membranoso. “Essa forma que vive dentro do cupinzeiro certamente não sobreviveria fora dele”, diz Bruno.

Os hormônios que engatilham essa transformação são ingeridos pelo besouro por um processo de trofalaxia, usado pelos cupins na alimentação, e que consiste na digestão parcial do alimento e transferência de um inseto para outro através da boca. A trofalaxia também acontece entre cupim e besouro, já que acreditam que a espécie faz parte do ninho.

“Nem todos têm essa adaptação igual ao besouro que descrevemos. Esse bicho chegou ao extremo, mas tudo isso evoluiu gradualmente durante o tempo”, aponta Bruno.

Os pesquisadores apontam que essa espécie é muito rara, o que dificulta os estudos sobre o inseto, mas o LaC já está trabalhando para levantar a diversidade de besouros associados a cupins no mundo inteiro. O objetivo é entender a distribuição desses organismos, a evolução deles e a relação com os hospedeiros.

A primeira espécie de besouro associado a cupins foi descoberta em 1853 e, hoje, os pesquisadores acreditam ter mais de 600 espécies catalogadas e milhares a mais esperando para serem descobertas. “Agora, com esse trabalho, queremos descobrir qual é a fauna desses bichos no Brasil, que tenho certeza que é tão incrível quanto a que tem lá fora”, complementa Carlos.