Palco
Espetáculo Sertão sem Fim faz últimas apresentações
Peça traz um olhar feminino sobre o sertão
Foto: Keiny Andrade

Cena do espetáculo
<p>Em 2018, a atriz&nbsp;Tertulina Alves&nbsp;retornou &agrave; Maca&uacute;bas, munic&iacute;pio localizado no interior da Bahia onde passou parte de sua inf&acirc;ncia, para dialogar com mulheres que vivem na regi&atilde;o e experimentam de diferentes formas as condi&ccedil;&otilde;es do sert&atilde;o nordestino.</p>
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<p>Os relatos foram unidos &agrave; hist&oacute;ria da pr&oacute;pria Tertulina e se transformaram na pe&ccedil;a&nbsp;Sert&atilde;o Sem Fim, que faz suas &uacute;ltimas apresenta&ccedil;&otilde;es&nbsp;em agosto&nbsp;no&nbsp;Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso &ndash; CCJ,&nbsp;dia 23, e&nbsp; no&nbsp;Teatro&nbsp;Alfredo Mesquita, de 25 a 27, (confira a programa&ccedil;&atilde;o completa abaixo). Vencedor duas vezes do Pr&ecirc;mio Z&eacute; Renato, a pe&ccedil;a tem dramaturgia de&nbsp;Rudinei Borges dos Santos&nbsp;e dire&ccedil;&atilde;o de&nbsp;Donizeti Mazonas.</p>
<p>Na pe&ccedil;a, Tertulina interpreta Bastia, personagem que traz em seu corpo essas diferentes formas de se viver o sert&atilde;o. As mulheres mais presentes na constru&ccedil;&atilde;o da personagem s&atilde;o a av&oacute; de Tertulina, Maria Tertulina, que nasceu&nbsp; no sert&atilde;o&nbsp; Bahia, na regi&atilde;o de Tr&ecirc;s Outeiros de Maca&uacute;bas e migrou para S&atilde;o Paulo, encontrada rec&eacute;m-nascida em um cesto de palha num curral; Maria Izabel, moradora da comunidade de Tr&ecirc;s Outeiros de Maca&uacute;bas e conhecida at&eacute; hoje, com mais de 80 anos, como a Rainha das Cavalgadas; e da pr&oacute;pria Tertulina Alves, cuja inf&acirc;ncia no sert&atilde;o foi marcada por um per&iacute;odo de forte seca.</p>
<p>A hist&oacute;ria de Bastia &eacute; marcada por uma imensa trag&eacute;dia pessoal: seu marido, o vaqueiro D&atilde;o S&aacute;lvio, foi covardemente assassinado por fazendeiros da regi&atilde;o. O motivo da morte de D&atilde;o S&aacute;lvio era a prosperidade do casal, que trabalhou duramente durante o per&iacute;odo de estiagem e conseguiu adquirir um rebanho de sessenta cabe&ccedil;as de gado. Montada em um cavalo, ela percorre a cidade com o corpo morto do marido, em busca de justi&ccedil;a.</p>
<p>&ldquo;No Sudeste ainda h&aacute; um imagin&aacute;rio sobre o sert&atilde;o que o remete quase sempre &agrave; seca. Em&nbsp;Sert&atilde;o Sem Fim&nbsp;buscamos pensar em outras possibilidades de retratar esse espa&ccedil;o. A Maria Izabel, por exemplo, &eacute; uma mulher que foi arrimo de fam&iacute;lia desde os 10 anos, tendo de trabalhar longe de casa, em espa&ccedil;os onde chovia com mais frequ&ecirc;ncia, para que pudesse trazer sustento para a fam&iacute;lia&rdquo;, conta a atriz.</p>
<p>&quot;&Eacute; ao longe, no sert&atilde;o sem fim, que esta pe&ccedil;a convida a plateia a se enlutar e acompanhar os vel&oacute;rios simb&oacute;licos de vidas sertanejas. H&aacute; uma vontade de justi&ccedil;a no ar, e n&atilde;o de vingan&ccedil;a.&quot;&nbsp; (Eduardo Nunomura/Carta Capital)</p>
<p>Tertulina teve ainda outras conversas marcantes com mulheres de idades e rela&ccedil;&otilde;es distintas com o espa&ccedil;o &ndash; incluindo uma jovem de 25 anos que deixou a cidade e mulheres de 45, 75 e 100 anos, sendo essa &uacute;ltima a respons&aacute;vel por contar &agrave; Tertulina hist&oacute;rias sobre a sua av&oacute;, que a atriz perdeu quando era crian&ccedil;a.</p>
<p>Os relatos foram transferidos para Rudinei, dramaturgo e poeta ficcionista que assina a dramaturgia do espet&aacute;culo. &ldquo;As narrativas, os trajetos e a hist&oacute;ria oral de mulheres sertanejas que eu sequer conhecia foram um convite sobretudo ao exerc&iacute;cio da escuta e da empatia. O que eu tinha em m&atilde;os era o registro de &aacute;udios, uma voz mi&uacute;da, quase ao longe, que me contava uma trajet&oacute;ria de luta na terra e pela terra, fragmentos de mem&oacute;rias que testemunhavam a desigualdade social e as injusti&ccedil;as do Brasil profundo&rdquo;, diz Rudinei.</p>
<p>A Montagem&nbsp;</p>
<p>&ldquo;Por sua vez, a dire&ccedil;&atilde;o de Donizete Mazonas usufrui do corpo da atriz para apoiar a dramaturgia, propondo outras camadas. O encenador com experi&ecirc;ncia tamb&eacute;m em dan&ccedil;a, tem um olhar cinest&eacute;sico para a jornada de Bastia que ora acrescenta elementos, ora exagera.&rdquo; (Celso Faria/E.urbanidade)</p>
<p>O corpo tem um lugar fundamental no processo de cria&ccedil;&atilde;o de&nbsp;Sert&atilde;o Sem Fim. Donizeti Mazonas, artista com ampla experi&ecirc;ncia em dan&ccedil;a e&nbsp;teatro, foi convidado para assumir a dire&ccedil;&atilde;o da pe&ccedil;a e sugeriu, desde o in&iacute;cio, propostas que n&atilde;o ca&iacute;ssem em regionalismos ou vis&otilde;es estereotipadas sobre o Nordeste e o sert&atilde;o.</p>
<p>&ldquo;Nossa quest&atilde;o foi olhar para o universo dessa mulher, nas suas quest&otilde;es que inclu&iacute;am a falta de chuva, as desigualdades, a dificuldade de construir seu espa&ccedil;o no mundo e as injusti&ccedil;as&rdquo;, diz Donizeti, complementando que a pe&ccedil;a traz o sert&atilde;o pra dentro da personagem, como se ele fosse tamb&eacute;m seu corpo. &ldquo;O texto vem de um espectro de narrativa muito po&eacute;tica, o que ajudou a pensarmos na Bastia como o pr&oacute;prio sert&atilde;o, sendo ela uma tradu&ccedil;&atilde;o da chuva, da aridez e da natureza&rdquo;.</p>
<p>Para confirmar essas escolhas, a pe&ccedil;a tem poucos objetos c&ecirc;nicos, com &ecirc;nfase a troncos de madeira criados pelo artista pl&aacute;stico&nbsp;Eliseu Weide&nbsp;que s&atilde;o manipulados por Bastia. &ldquo;Os elementos s&atilde;o bastante sint&eacute;ticos para se dar a vastid&atilde;o e a multiplicidade do que pode ser o sert&atilde;o&rdquo;, diz o diretor.</p>
<p>O dramaturgo Rudinei Borges dos Santos conta tamb&eacute;m sobre outros aspectos que o apoiaram na cria&ccedil;&atilde;o do texto: &ldquo;Passei dias ouvindo aquelas vozes, labutando para amalgamar os relatos de Tertulina e daquelas matriarcas t&atilde;o parecidas com a minha m&atilde;e e a minha bisav&oacute; Eva e, talvez, t&atilde;o parecidas comigo. Algo aconteceu quando comecei a ouvir os &aacute;udios ao mesmo tempo em que contemplava minuciosamente as fotografias de Araqu&eacute;m Alc&acirc;ntara, o maior fot&oacute;grafo deste pa&iacute;s. &Eacute; de causar emo&ccedil;&atilde;o a delicadeza com que Araqu&eacute;m fotografa cada marca no rosto da gente sertaneja. Ali, naquele encontro entre palavra e imagem, nasceu&nbsp;Ser T&atilde;o Sem Fim, uma composi&ccedil;&atilde;o ficcional inspirada na vida e na resid&ecirc;ncia de pessoas esquecidas num Brasil em frangalhos&rdquo;.</p>
<p>Para Tertulina, a pe&ccedil;a tamb&eacute;m estabelece um ponto de empatia com o p&uacute;blico ao expor na cena a hist&oacute;ria de uma mulher que vai atr&aacute;s de justi&ccedil;a. &ldquo;Essa mulher passou anos construindo uma hist&oacute;ria com in&uacute;meras dificuldades e esse algo foi ceifado. Esse corte injusto na sua vida por ser lido como as in&uacute;meras dificuldades que n&oacute;s temos enfrentado no Brasil de hoje&rdquo;, ressalta.&nbsp;</p>
<p>A pe&ccedil;a&nbsp;</p>
<p>O espet&aacute;culo ganhou o Pr&ecirc;mio Z&eacute; Renato para a Cidade de S&atilde;o Paulo no ano de 2020 e sua estreia aconteceu em fevereiro de 2021, no&nbsp;Teatro&nbsp;S&eacute;rgio Cardoso, com p&uacute;blico reduzido devido &agrave; pandemia do COVID-19. Logo em seguida, o espet&aacute;culo foi contemplado com o ProAC LAB para grava&ccedil;&atilde;o e transmiss&atilde;o on-line. Em 2023, o projeto foi novamente contemplado com o Pr&ecirc;mio Z&eacute; Renato para uma circula&ccedil;&atilde;o pelas regi&otilde;es perif&eacute;ricas da cidade de S&atilde;o Paulo. O cr&iacute;tico Jos&eacute; Cetra, um dos jurados do pr&ecirc;mio APCA, incluiu&nbsp;Sert&atilde;o sem Fim&nbsp;em sua lista de Melhores do ano de 2021, nas categorias Melhor Espet&aacute;culo e Melhor Atriz.</p>
<p>&ldquo;Sert&atilde;o Sem Fim desconstr&oacute;i o mito do sert&atilde;o e o interioriza. Ser T&atilde;o o espet&aacute;culo dirigido por Donizeti Mazonas &eacute; muito pl&aacute;stico, muito bonito. A trajet&oacute;ria de Bastia &eacute; feita de perdas, vel&oacute;rios simb&oacute;licos, e muita resist&ecirc;ncia.&rdquo; (Luiz Carlos Merten)</p>
<p>Sinopse</p>
<p>Sert&atilde;o Sem Fim&nbsp;faz o cruzamento da hist&oacute;ria de tr&ecirc;s mulheres da comunidade de Tr&ecirc;s Outeiros de Maca&uacute;bas: Maria Tertulina, sua neta Tertulina Alves, e Maria Izabel, para criar a personagem e a hist&oacute;ria de Bastia, desde seu nascimento at&eacute; sua viuvez.&nbsp;</p>