Com a proximidade dos 100 primeiros dias de mandato do novo Governo, um período crítico para receber suas primeiras avaliações, espera-se poder verificar seu desempenho e suas prioridades. Na economia, os indicadores a serem observados, e amplamente discutidos, são: o PIB, crescimento econômico; Inflação, elevação geral do nível de preços; desemprego; e balança comercial, exportações versus importações.
Dos quatro indicadores, o mais evidente e sensível a população é a inflação, a grande vilã de impacto negativo no poder de compra dos consumidores. Um fenômeno generalizado derivado da complexidade das relações de mercado e na dinâmica de relacionamento da sociedade e o papel do governo a partir de suas políticas, hoje impactada pelo longo e abrangente processo de globalização.
Chegando ao fim de seu estágio probatório, – de um contratado que tem experiência e já ocupou a vaga – o atual Governo Federal se encontra em um verdadeiro cabo de guerra com o Banco Central para tratar de questões relacionadas a taxa básica de juros, a SELIC. O órgão técnico, com autonomia para gerir suas atividades, justifica a manutenção e elevação da taxa de juros, que visa diminuir a liquidez de moeda circulando no mercado, para combater a elevação do nível geral de preços.
Já o Governo Federal não vê caminhos para promover outros indicadores macroeconômicos como PIB, aumento da taxa de ocupação (geração de empregos) e melhorar o resultado da balança comercial, sem que o custo de oportunidade do dinheiro parado seja alterado. E, sim, é papel do governo combater a inflação, sendo essa primeira barreira a ser superada na disputa pela redução da taxa de juros.
Se o Banco Central está fazendo a sua parte no combate à inflação, por que o Governo Federal, que também é interessado nessa meta, pressiona pela baixa da taxa de juros refutando o argumento técnico? Segundo a sua interpretação, as causas da inflação não se justificam exclusivamente pela Inflação de demanda, quando os preços se elevam por uma quantidade elevada de moeda circulando, em um mercado de pouca oferta de produtos e serviços.
O contra-argumento apresentado se fundamenta nas outras causas do efeito inflacionário, nesse contexto, a inflação importada, quando insumos necessários para a produção nacional tem seus preços elevados no exterior, e pela inflação de custos, em função do aumento nos custos (fixos e variáveis) de produção cujo impacto final é nos preços para o consumidor final.
O atual governo enfrenta o desafio de minimizar os impactos de dois episódios históricos globais para retomar o crescimento e ampliar a taxa de ocupação da população, sendo eles, os efeitos da pandemia e o episódio da guerra no leste europeu. Da pandemia, os efeitos pesam sobre a produção de produtos e serviços, no novo arranjo das relações comerciais. Já a guerra em outro continente teve efeitos no preço dos insumos importados para a produção nacional, destaca-se aqui insumos para a produção agrícola. Sem entrar em detalhes de que esse cenário é global e não exclusivo do Brasil.
Outra questão, ainda derivada da pandemia, e que se soma ao ano atípico do contexto das eleições, é o estado que as contas da união foram deixadas. As medidas emergenciais oneraram os gastos do governo e exigiram medidas emergenciais, não previstas inicialmente, e ações impactantes em outros projetos. As mudanças na legislação para gastos em anos eleitorais também tiveram alterações em 2022, permitindo que o teto de gastos não tivesse que ser cumprido – essa é uma condição importante para que governos em transição não sejam prejudicados no exercício de seus mandatos – não deixar a terra arrasada sob objetivos de impossibilitar qualquer gestão – por vezes os interesses de manutenção de poder se sobressaem em relação ao resultado econômico de forma geral.
Nesse sentido, após muito debate, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad, quase sob consenso entre aliados e oposição propôs a substituição do Teto de Gastos, atual barreira para os Gastos do Governo, por uma nova proposta de regra fiscal, mais flexível na definição do valores para investimento, priorizando Educação, Saúde e Segurança, e amparada na receita da união, com o compromisso de liquidar o déficit primário em curto período de tempo. A nova proposta toca questões sensíveis como o encaminhamento para um imposto unificado, tentando impactar menos as classes mais baixas e cobrar mais de quem acumula mais riqueza, algo que pode gerar descontentamento de grupos menores, mas influentes na formação da opinião pública.
Assim, quanto ao final do estágio probatório do atual governo federal, vemos que os resultados ainda estão distantes de uma percepção mais evidente, posto que as disputas políticas ainda se fazem presentes na tentativa de não permitir avanços efetivos – qualquer resultado positivo do atual governo é um atestado de insucesso do anterior, e nesse sentido a oposição presa mais por sua reputação e elegibilidade. O governo sofre forte pressão para fazer reajustes fiscais, para desonerar a base de produção da carga tributária, e para minimizar seus gastos, o equivalente a um pedido de inação sob a pressão da taxa juros em alta.
O fim desse período é marcado por disputas acirradas, clima hostil entre defensores do mercado, ainda que em abstrato, na imposição de condições severas para qualquer iniciativa intencional de mudança na base real da economia, o que pode levar a uma recessão econômica. Se esse período é um indicador do tom de como as coisas podem ser, vemos que os resultados efetivos estarão destinados a um segundo plano, obtidos apenas sob muita negociação, disputa entre as classes políticas e os interesses do mercado financeiro na manutenção de sua rentabilidade a um alto custo social.
Marcos José Valle é professor no curso de Bacharelado em Ciências Econômicas na Escola Superior de Gestão, Comunicação e Negócios da Uninter.