Vivemos em tempos de hiperconectividade. Estamos em contato frequente com amigos, sejam eles reais ou virtuais. Na era da comunicação, as barreiras físicas foram rompidas pela tecnologia da informação e comunicação. Mas o fato de vivemos conectados e on-line não nos impede de termos contato com a solidão. Por vezes, avassaladora, mesmo em meio à multidão.
Foi através da leitura de um livro que o artista visual baiano Caíque Costa conheceu a história da mineira solitária. O anúncio desesperado de uma mulher nas páginas de jornal era um pedido de socorro. Ela sentia-se só na maior cidade do país. E o inspirou a espalhar, décadas depois, o anúncio-provocação: Sinto-me Só. Escreva-me carta de amor.
Os anúncios Sinto-me Só. Escreva-me carta de amor circularam na capital baiana, em jornais de grande circulação, transportes públicos, estações e banheiros de bar em 2019, antes da pandemia. “Durante, aproximadamente dois anos, troquei cartas com desconhecidos afim de melhor compreender o sentimento no atual cenário contemporâneo”, conta.
A troca de mensagens durante dois anos com desconhecidos sobre a temática da solidão resultou em uma exposição que será aberta ao público em dezembro, no Museu de Arte da Bahia. “Não é apenas um desabafo ou conciliação com minha história. Antes de tudo, trata-se de uma conversa sobre um sentimento comum, pelo qual todos passam alguma vez na vida, mas evitam comentar pois é sempre visto como um mal”, define Caíque que prepara ainda o lançamento de um livro arte sobre a temática.
Arte relacional, fruto da interação e da relação que se desenvolve com pessoas. A mostra nasceu do encontro de individualidades. Entre os itens que estarão expostos: comprovante de pagamento e fotos da caixa postal utilizada para receber as cartas, recortes dos anúncios e de matérias sobre solidão e trechos das cartas em resposta ao anúncio, claro que preservando o anonimato dos remetentes. E seus desdobramentos através de colagens e outras formas de arte digital.
Sinto-me só. Escreva-me carta de amor seguirá em cartaz até 21 de janeiro de 2023, no Museu de Arte da Bahia (MAB). “Já encarei a solidão por um outro olhar, de viés apenas negativo. Hoje sou uma pessoa que busca a solidão. Entendo que é um período, às vezes, necessário. Nunca é algo fácil, mas já sei que vai passar. É um exercício constante para aprender a gostar de si, a viver com seus demônios e saber domesticá-los”, define o baiano que atualmente cursa mestrado em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo.
A primeira solidão que viveu foi em família. Na vida adulta, sentia-se profundamente desamparado em longos relacionamentos a dois. No período em que mais se sentiu só em meio à multidão, foi se desfazendo de alguns amigos e da expectativa de contato. A fase dos aplicativos rendeu relações efêmeras fruto de troca de mensagens repetitivas. “O assunto, invariavelmente, terminava quando chegava ao fim a lista de perguntas e respostas pré-estabelecidas”.
Sobre Caíque Costa:
Filho caçula de uma típica família classe média brasileira, Caíque Costa nasceu e foi criado no bairro de Amaralina, em plena ditadura. Recebeu todos os estímulos que uma criança do gênero masculino poderia receber na época. Desde cedo teve a inclinação para o mundo das artes reprimida. Pensou em fazer vestibular para teatro especialmente quando o adolescente, em marcha de descoberta, questionava sua orientação sexual. Acabou convencido pelos pais que arte não dava dinheiro, não pagava as contas. Seguiu a promissora carreira de Ciência da Computação. “Voltei-me cegamente à ideia de felicidade atrelada ao sucesso financeiro. De todo modo, não foi ruim. Com o dinheiro que ganhava, podia frequentar eventos culturais”.
Atuando como Analista de Sistema, encontrou na Fotografia um meio de se aproximar da linguagem artística. No primeiro projeto que desenvolveu, Faces de Joaquim, apresentou a maior feira livre da capital baiana pela ótica de quem trabalha para mantê-la viva. Com curadoria de Edgard Oliva, Do fundo da alma toquei a superfície foi sua segunda experiência que resultou na sua primeira mostra individual E todo caminho deu no mar, fruto da experimentação de imagens marítimas borradas em ângulos inesperados. Em 2020, em plena pandemia resolveu, os três anos de trabalho com fotografia em um fotolivro. Mar de Memórias foi publicado pela editora Artisan Raw Books.
“Sinto-me só. Escreva-me carta de amor”
De Caíque Costa
Museu de Arte da Bahia (MAB), no Corredor da Vitória
Abertura dia 06 de dezembro de 2022, terça-feira, às 19h. Em cartaz até 21 de janeiro de 2023.
Evento gratuito