Opinião

Desemaranhando o Prêmio Nobel

A física quântica está presente no dia a dia

O Prêmio Nobel de Física em 2022 foi concedido a três cientistas que se debruçaram sobre intrigantes pesquisas relacionadas ao emaranhamento quântico. Em linhas gerais, trata-se de um curioso fenômeno em que duas ou mais partículas existem num estado chamado “emaranhado”.

Embora seja um tópico não muito comum, a física quântica está presente no dia a dia, pois a humanidade utiliza de muitas tecnologias ditas “quânticas” em algum sentido, tais como: chips de computadores e smartphones, raios X, lasers e mesmo equipamentos de ressonância magnética. Todos estes obedecem a princípios da mecânica quântica, que são manifestações da escala subatômica, ou seja, da ordem de átomos e pequenas moléculas (e ainda menores).

Trabalhando de modo independente, Alain Aspect (n. 1947, francês), da Universidade de Paris-Saclay, John Francis Clauser (n. 1942, americano), da J. F. Clauser & Associados, e Anton Zeilinger (n. 1945, austríaco), da Universidade de Viena, foram laureados com o Nobel pelo uso de sofisticados experimentos e teorias ao desbravar novos caminhos do dito entrelaçamento. Tal prêmio foi concedido por terem realizado experimentos inovadores usando estados quânticos entrelaçados, nos quais duas partículas se comportam como uma unidade, inclusive quando estão separadas.

Em linhas gerais, o entrelaçamento quântico envolve duas partículas quânticas que conseguem se manter conectadas independentemente da distância entre elas. Ou seja, ambas se comportam enquanto unidade mesmo separadas. Esse processo é denominado de “estado emaranhado”.

Uma metáfora muito comum para explicar o entrelaçamento quântico sugere imaginar duas caixas bem separadas contendo, cada uma delas, uma moeda. Se alguém no Hemisfério Sul brinca de cara ou coroa e o resultado é coroa, lá no Hemisfério Norte, onde está a outra caixa, esta instantaneamente apontará cara.

Ou seja, ao estudar pares de entidades denominadas fótons, que nada mais são que partículas de luz, se um observador determinar o estado de um fóton, sua contraparte emaranhada refletirá instantaneamente esse estado, estejam elas num mesmo ambiente ou essencialmente separadas a uma grande distância, como numa outra galáxia.

Tal resultado é contraintuitivo, pois há a limitação da transferência de qualquer informação pela velocidade da própria luz. Certa feita, nos primórdios da física quântica, ao se deparar com tal possibilidade teórica, o físico alemão Albert Einstein (1879 – 1955), que cunhou o termo fóton ao contribuir com os fundamentos da nascente mecânica quântica, uma vez ridicularizou a possibilidade de ocorrência de tal experimento, denominando-a de “ação fantasmagórica à distância.”

Uma interessante aplicação dos estados quânticos emaranhados foi proposta por Zeilinger em 1997 ao demonstrar as possibilidades do chamado teletransporte quântico, com enormes contribuições para a ciência da informação. Assim, seria possível transferir todas as informações que seriam transportadas por um objeto para algum outro lugar onde o mesmo seria reconstituído, ao menos em pequena escala, da ordem de átomos.

Amantes de ficção cientifica deverão lembrar da célebre série televisiva Star Trek, ou “Jornada nas Estrelas”, em que seres humanos, organismos vivos e mesmo objetos eram teletransportados por meio da nave NCC-1701 Enterprise. Os laureados com a premiação Nobel permitiram sonhar com tal possibilidade, mas não como na ficção, pois somente seria possível com pequeníssimos objetos, quânticos. A quantidade de recursos necessários para se conseguir teletransportar um sistema complexo, como um ser vivo, mesmo do tamanho de uma bactéria, seria extraordinária. Logo, a boa notícia é que o teletransporte é fisicamente possível. A má é que ele ainda está muito distante da imaginação.

Desemaranhar a ciência é absolutamente fundamental e necessário para as futuras gerações. Cada vez mais a humanidade irá requerer dispositivos e técnicas que necessitam de embasamento científico profundo, inovador e aplicável. Pode-se prever o desenvolvimento supercomputadores com velocidades inigualáveis, sensores ultra precisos e sistemas de criptografia extraordinariamente seguros. O futuro da tecnologia é promissor, emocionante e, sem dúvida alguma, emaranhado.

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Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro associado do Instituto Politécnico da Bahia