A pandemia do coronavírus provocou um freio no crescimento de compra de pescado, que estava sendo verificado até fevereiro de 2020, quando os resultados econômicos da cadeia aumentavam em relação ao ano anterior.
Isso foi constatado por estudo realizado por pesquisadores da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO), em um dos primeiros trabalhos que retratam o reflexo do comportamento do consumidor na cadeia do pescado durante a pandemia.
O estudo “Efeitos do isolamento social durante a pandemia de Covid-19 na comercialização e no consumo de pescado no Brasil”, que abrangeu todas as regiões brasileiras, revelou que, para 40,31% dos entrevistados, o preço do produto aumentou. Com isso, 26,92% dos entrevistados reduziram o consumo de pescado e 4,27% eliminaram totalmente a ingestão dessa proteína.
Mudança nos locais de compra
Antes do coronavírus, 21,79% dos consumidores tinham o hábito de comprar pescado em hipermercados, 20,23% dos entrevistados preferiam adquirir em feiras ou peixarias e 3,13%, em atacadistas. Com o coronavírus, houve um incremento na preferência pelos hipermercados (29,91%), delivery (8,69%) e em atacadistas (3,56%).
“De modo geral, com o fato de as feiras livres e os mercados informais terem sido praticamente fechados nos primeiros meses da pandemia, as únicas opções disponíveis foram as grandes redes de hipermercados”, observa o analista da Embrapa Diego Neves de Sousa, um dos autores da pesquisa.
“Esse estudo, mesmo que de maneira amostral, revelou essa condição de diminuição do consumo de pescado, o que é preocupante para o setor e para a economia local, visto a interferência negativa na geração de renda da população que depende desse setor para sobreviver,” avalia.
Com o fechamento do comércio, a disponibilidade do pescado foi afetada na percepção de 17,38% dos consumidores, que sentiram maior dificuldade de compra pela redução da oferta do produto. A qualidade também foi afetada para 11,40% dos participantes da pesquisa, que relataram redução na qualidade habitual dos produtos.
A pandemia também alterou a preferência do consumidor quanto ao tipo de conservação do pescado: subiu de 22,36% para 27,49% a preferência por peixes e frutos do mar congelados. “O aumento da aquisição de peixe congelado durante a pandemia do novo coronavírus pode ser explicado pela desconfiança do consumidor em relação à qualidade dos peixes frescos”, analisa Sousa.
A pandemia chegou em um momento em que o consumo de pescado estava aquecido. O estudo revelou que 25,93% dos entrevistados consumiam pescado pelo menos uma vez na semana, 23,93% duas a três vezes no mês, 20,94% duas ou mais vezes na semana e 11,68% pelo menos uma vez no mês.
Em algumas capitais, o consumo ainda era maior. Segundo outra pesquisa da Embrapa Pesca e Aquicultura, que abrangeu capitais das cinco regiões do Brasil, consumidores de Curitiba (29%) e São Paulo (28%), por exemplo, consumiam filés de peixe pelo menos uma vez por semana, em fevereiro de 2019.
“A produção e o consumo de pescado no Brasil e no mundo estavam passando por um crescimento global nos últimos quarenta anos, principalmente devido ao avanço da aquicultura. Especialistas acreditam que o desenvolvimento dessa cadeia produtiva está ligado a um comportamento crescente do mercado consumidor de valorizar alimentos mais saudáveis”, ressalta Sousa.
Frigoríficos também foram afetados
Outro setor que foi afetado pela pandemia foram os frigoríficos de pescado. O estudo também registrou que, para 46% das empresas de processamento de pescado, houve diminuição na oferta de matéria-prima para o beneficiamento do produto.
As vendas foram, em maioria significativa, afetadas negativamente com queda global (61%) e interrupção total das vendas (8%), causadas pelas consequências da pandemia do coronavírus.
Da mesma forma, para 54% dos empresários que atuam no setor de beneficiamento, houve dificuldades para aquisição de insumos, tais como demora na entrega de embalagens, falta de material de limpeza, equipamentos de proteção individual, cloro e falta de salmão no mercado.
Mesmo com essas dificuldades, a maioria das indústrias manteve o seu quadro de funcionários, sem necessidade de demissões; em algumas houve suspensão temporária das atividades por até 60 dias.
“A pesquisa mapeou até que ponto a cadeia da aquicultura foi afetada, visando à proposição de políticas públicas para incentivo à retomada do consumo, como desoneração fiscal da ração do pescado, por exemplo”, destaca o pesquisador Roberto Manolio Valladão Flores, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Pesca e Aquicultura.
Além disso, o estudo buscou balizar ações de projetos de Pesquisa e Desenvolvimento e de Transferência de Tecnologia em execução, além de subsidiar tomadas de decisões de unidades de beneficiamento, atacadistas e varejistas que atuam nessa cadeia produtiva.
Para Danielle de Bem Luiz, chefe-geral da Embrapa Pesca e Aquicultura, a pesquisa ajudou a esclarecer questões sobre um período de incertezas que o País vivenciou. "O estudo corroborou dois aspectos que ocorreram na pandemia. Primeiro, se os dados de que os custos de produção e transformação de muitos produtos alimentícios aumentaram, ou não, durante a pandemia. E o segundo, o período de incertezas de como ocorria a contaminação por Sars-CoV-2, que provocou dúvidas quanto ao consumo de pescado, reduzindo, em especial, o consumo dos produtos frescos e manipulados em restaurantes", observa.
“Apesar das restrições de circulação, o setor continuou a produzir e ofertar produtos de pescado aos consumidores, com pouca variação de preço. Além disso, a solidez da indústria permitiu a sobrevivência da atividade que se manteve atuante por causa da infraestrutura e das estratégias adotadas”, aponta a pesquisadora Patrícia Costa Mochiaro Chicrala, uma das autoras da pesquisa.
O estudo servirá como referência para futuras iniciativas da Embrapa Pesca e Aquicultura. “A pesquisa é direcionada para desenvolver mais soluções tecnológicas que estejam alinhadas com a nova realidade e obedecendo aos novos caminhos tomados pelo setor. Ela servirá como um direcionador de esforços e demandas futuras”, declara Leandro Kanamaru Franco de Lima, supervisor do Núcleo Temático de Pesca e Aquicultura do centro de pesquisas da Embrapa.
Participaram do estudo sobre os impactos da pandemia 702 pessoas, sendo 62,11% mulheres e 37,89% homens. A maioria (30,06%) tinha entre 30 e 39 anos, seguida pelas faixas etárias de 20 a 29 anos e de 40 a 49 anos, com 21,51% cada. Acima dos 50 anos houve 25,64% e, abaixo de 19 anos, 1,28% do total de participantes da pesquisa.
Com relação às regiões de origem dos participantes da pesquisa, 36,32% foram do Sudeste, 24,79% do Nordeste, 16,95% do Norte, 15,1% do Sul e 6,84% do Centro-Oeste brasileiro.
O trabalho analisou 13 frigoríficos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, totalizando 13 empresas do Brasil.
Exportações dobram
Comparando-se o primeiro semestre deste ano com o mesmo período de 2021, as exportações da piscicultura brasileira dobraram em valores financeiros e aumentaram 14% em toneladas. Foram U$ 14,35 milhões entre janeiro e junho de 2022 frente a U$ 7,18 milhões ano passado. Já em toneladas, foram 4.931 nos primeiros seis meses deste ano e 4.327 no mesmo período de 2021.
A grande diferença entre os dois aumentos aconteceu por conta do crescimento das exportações de produtos que têm maior valor agregado, sobretudo os filés congelados – que tiveram aumento de 544% no volume financeiro e de 571% na quantidade vendida para fora do país. Entre todas as categorias, foi a que teve maior crescimento em ambos os indicadores.
Considerando os seis primeiros meses deste ano, maio foi o mês em que se registrou o maior faturamento (com U$ 4 milhões) bem como o maior volume exportado (1.331 toneladas). Esses são alguns dos dados divulgados na 10ª edição do Informativo sobre Comércio Exterior da Piscicultura, publicação trimestral editada em conjunto pela Embrapa Pesca e Aquicultura (Palmas-TO) e pela Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR).
Como já se podia esperar, a tilápia segue sendo a principal espécie exportada pela piscicultura nacional. Sozinha, respondeu por 98% do faturamento e por 99% da quantidade de peixe exportada pelo Brasil no primeiro semestre de 2022. E também teve significativos aumentos (133% no volume financeiro e 32% na quantidade) quando se comparam o primeiro semestre deste ano com o de 2021.
Com relação ao destino das exportações, os Estados Unidos estão na primeira colocação, responsáveis por 76% do faturamento e por 63% da quantidade. Bem atrás, respectivamente com 8% e 9%, está o Canadá. Em volumes financeiros, foram U$ 10,9 milhões nas vendas para os Estados Unidos e U$ 1,2 milhão nas vendas para o Canadá.
Em média, o filé congelado foi o produto de tilápia que alcançou maior valor de venda no primeiro semestre deste ano, chegando a U$ 5,46 por kg. Comparado com o mesmo período de 2021, houve queda de U$ 0,34 por kg.