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Ex-ministro do Supremo critica ação de Alexandre de Moraes

Marco Aurélio criticou operação que mira empresários bolsonaristas

Foto: Fellipe Sampaio | STF
O ex-ministro Marco Aurélio Mello

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro aposentado Marco Aurélio Mello, disse ao Estadão que não vê base jurídica para a operação deflagrada na última terça-feira, 23, contra empresários bolsonaristas que conversaram abertamente sobre um golpe de Estado se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sair vitorioso das urnas em outubro.

A operação envolveu buscas em endereços profissionais e residenciais, bloqueio de contas, quebra de sigilo bancário e de mensagem e suspensão de perfis nas redes sociais. As medidas foram solicitadas pela Polícia Federal (PF) e autorizadas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

“Eu não compreendi os atos de constrição. Vinga ainda no País, ainda bem, a liberdade de expressão, liberdade de manifestação. Você pode não concordar, mas você brigar na veiculação de ideias é muito ruim”, critica Marco Aurélio.

Na avaliação do ministro aposentado, as mensagens trocadas pelos empresários no grupo de WhatsApp “Empresários & Política” não são criminosas.

“Eles disseram uma opinião: ‘Olha, ao invés do ex-presidente é preferível o golpe’. Mas em Direito Penal não se pune a cogitação”, afirma. “Eu tinha o WhatsApp como algo inalcançável. A insegurança passa a imperar.”

Marco Aurélio, que já havia criticado o discurso de Moraes na posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltou a fazer repreender o ex-colega por ter autorizado a operação a 40 dias do primeiro turno das eleições.

“Ele tem que conduzir as eleições com punho de aço, mas luvas de pelica”, opina.

A operação reacendeu a animosidade entre Moraes e o procurador-geral da República Augusto Aras, que veio a público dizer que não foi informado com antecedência. O ministro do STF, por sua vez, alega que encaminhou cópia de sua decisão e que seguiu o procedimento rotineiro de intimação. Para Marco Aurélio, o PGR deveria ter sido consultado e não apenas informado das medidas tomadas contra os empresários.

“Antes de acolher o pedido da Polícia, ele [Moraes] tinha que ouvir o Ministério Público. É o que eu faria se estivesse na bancada e fosse o relator”, afirma.

Frequentemente criticado por um suposto alinhamento do Planalto, Aras é bem visto pelo ex-ministro, que o tem como uma pessoa “equilibrada”.

“A meu ver ele está fazendo um bom trabalho, porque não está incendiando o País. Não interessa à nacionalidade o acirramento de ânimos”, diz Marco Aurélio.

Leia a entrevista completa

Como o Sr. avalia a operação?
Tempos estranhos. Vou repetir: precisamos de temperança, compreensão. Precisamos pisar no freio, porque isso não interessa, principalmente aos menos afortunados. Em termos de governança, de preservação de certos valores, o que interessa é a estabilidade. A paixão, em casos de Estado, merece a excomunhão maior. Estão todos apaixonados.

O Sr. vê base jurídica para as medidas decretadas?
Eu não compreendi os atos de constrição. Vinga ainda no País, ainda bem, a liberdade de expressão, liberdade de manifestação. Você pode não concordar, mas você brigar na veiculação de ideias é muito ruim.

E as conversas sobre o golpe, não são suficientes?
Eles disseram uma opinião: ‘Olha, ao invés do ex-presidente é preferível o golpe’. Mas em Direito Penal não se pune a cogitação. Não há crime de veicular uma ideia.

O uso de mensagens privadas poderia ensejar uma operação como essa?
Eu tinha o WhatsApp como algo inalcançável. A insegurança passa a imperar. E outra coisa: nós ainda temos, não com essa nomenclatura, partido comunista. Partido comunista é contra a democracia. É a favor de um regime quase ditatorial de esquerda. E aí? Vamos mandar prender? Uma inverdade que se veicule você combate com a verdade. Eu achei muito perigoso e não atende aos interesses nacionais.

O Sr. foi uma das poucas pessoas que criticou o discurso do ministro Alexandre de Moraes na posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Como o Sr. vê o fato do presidente do TSE ter autorizado uma operação dessa ordem a 40 dias da eleição?
Ele tem que conduzir as eleições com punho de aço, mas luvas de pelica. Quando eu tomei posse no TSE, em 2006, o ex-presidente Lula disse que gostaria de ir à minha posse. Eu não fui ao Planalto convidá-lo. Eu mandei um recado para ele não ir, porque eu veicularia ideias sobre o mensalão e não gostaria de fazê-lo na presença dele. Agora você anfitrião, convida e depois versa o que o Alexandre versou, me perdoe, mas fica ruim. E sem o presidente ter o microfone para responder. Isso não é republicano.

A operação abriu um impasse com a Procuradoria-Geral da República, que disse não ter sido avisada. O gabinete do ministro Alexandre de Moraes divulgou uma nota rebatendo a versão e alegando que encaminhou cópia da decisão sobre as diligências e seguiu o procedimento rotineiro de intimação. Houve escanteamento da PGR?
Interessa essa lavação de roupa suja? Não interessa. Não interessa incendiar o País. O País precisa de calma, de estabilidade, de esperança, de compreensão. Os homens passam pelos cargos, mas as instituições são perenes e nós temos que preservá-las. Antes de acolher o pedido da Polícia, ele [Moraes] tinha que ouvir o Ministério Público. É o que eu faria se estivesse na bancada e fosse o relator.

O procurador-geral Augusto Aras está fazendo um bom trabalho? 
Eu sou favorável à sentar-se à mesa e não na mesa. Eu sou favorável a se fumar o cachimbo do paz. A meu ver ele está fazendo um bom trabalho, porque não está incendiando o País. Não interessa à nacionalidade o acirramento de ânimos. Ainda bem que o PGR é uma pessoa equilibrada.

10 pontos sobre a operação

Foto: Foto: Twitter | Reprodução
Thaméa Danelon
A procuradoraThaméa Danelon

A procuradora da República há 22 anos e professora de Processo Penal Thaméa Danelon elenca 10 pontos que apontam para a ilegalidade da ação contra os empresários.

1. Os empresários não têm foro privilegiado no STF, logo, não poderiam ser “investigados” ou julgados pela Suprema Corte (Art. 102, CF)

2. O Min Alexandre de Moraes seria uma “suposta vítima”, assim, estaria impedido para ser relator do caso (Art. 252, IV, CPP).

3. Os supostos crimes (inexistentes) estão sendo investigados em inquérito ilegal (“milícias digitais”) pois foi aberto de ofício pelo STF (sem pedido da Polícia ou PGR), com violação do Sistema Acusatório.

4. As conversas privadas foram obtidas de forma indevida, com violação da INTIMIDADE protegida pela Constituição. Logo, seria uma prova ilícita (Art. 5o, inc. X, XII e LVI, CF).

5. Os crimes contra o Estado Democrático de Direito pressupõem uma VIOLÊNCIA ou GRAVE AMEAÇA, contudo, não se tem notícia que os empresários (senhores de 60, 70 e 80 anos) praticaram essas condutas contra qualquer Poder da República (Art. 359-L e 359-M, CP)

6. O PGR não foi ouvido previamente à operação, pois o parecer do Ministério Público deve ser oferecido ANTES do Juiz decidir sobre uma busca e apreensão (Art. 18, II, h, Lei 75/93).

7. O perfil do empresário Luciano Hang no Instagram foi bloqueado, sem que fosse indicada qual mensagem enviada por ele no grupo de empresários teria eventual conteúdo ilícito.

8. O eventual bloqueio de contas bancárias dos empresários seria completamente desproporcional, e não se presta a apurar o “suposto crime cometido pela palavra escrita”. A análise dos extratos bancários não será necessária para provar o “eventual delito” investigado.

9. Os advogados ainda não tiveram acesso à decisão que determinou as buscas e apreensões e os bloqueios das redes sociais, fato que viola o Princípio da Ampla Defesa (Art. 5o, LV, CF).

10. De acordo com o que foi divulgado, tem-se, apenas, conversas privadas trocadas por senhores sobre política; algumas críticas ao sistema de apuração de votos e ao STF; críticas essas que NÃO CONFIGURAM CRIME, apenas a LIBERDADE DE EXPRESSÃO.

De acordo com o jornalista William Waack, o principal ponto de convergência política com Bolsonaro entre militares e empresários está na aversão ao que percebem como interferências indevidas do STF no processo político e na atividade econômica. "A operação da PF desta semana consagrou essa visão, que é amplamente disseminada."

Diz o jornalista, em comentário no Estadão: "entre os militares, solidificou a noção de que não há 'pacificação política' possível com um Judiciário que se acha dono de poderes excepcionais, especialmente os de polícia. Entre empresários, reforçou a ideia de que o arbítrio é a marca do ativismo judicial, com consequências negativas generalizadas para a economia, sobretudo em questões trabalhistas e tributárias".