Cabelo (ou a ausência dele) é símbolo de identidade. Sendo o Brasil um país de enormes dimensões e tão multicultural, existe uma diversidade de tipos de cabelos: crespos, ondulados, lisos, cacheados, com ou sem tranças, curtos ou longos. Há ainda a possibilidade de classificá-los dentro de uma variedade maior, considerando fios levemente cacheados ou ondulados, afros, pixains... Ou ainda em termos de oleosidade, entre normal, seco, oleoso ou misto, etc. Tratamentos adequados são necessários para manter a saúde e a aparência dos mesmos. Escová-los faz parte do ritual diário de alinhamento para a maioria dos penteados, mas aparentemente boa parte dos fios comportam-se de modo rebelde após levantar da cama.
Dada a enorme variedade, os fios de cabelo também têm espessuras diversas, entre 60 e 140 micrômetros (um micrômetro é a milésima parte do milímetro). Ou seja, se um fio de cabelo tiver uma espessura de 100 micrômetros, dez deles enfileirados equivalem a um milímetro, a menor unidade de uma régua comum.
Infelizmente, há ainda situações onde determinados tipos de cabelos são considerados ‘inadequados’, o que é lamentável dada a rica multidiversidade cultural do país, particularmente o simbolismo marcante a cobrir as cabeças dos brasileiros. Discussões sobre identidade capilar são tão presentes que, durante o início do programa televisivo da 22ª edição do Big Brother Brasil (@BBB22), alguns participantes passaram a vestir toucas de cetim antes de dormir, afirmando que deste jeito o cabelo não ficava muito desalinhado no dia seguinte. Bastou isto para iniciar uma corrida por tais produtos e o desejo de comprovar sua eficácia. Mas será que funciona mesmo?
Em parte, os cabelos, quanto mais longos, tendem a desalinhar mais facilmente. Há diversas variáveis a observar, como por exemplo o clima – quanto mais frio e mais seco, mais frequentemente ocorrem cabelos desalinhados logo ao acordar. Não à toa, ao secar o cabelo, em geral é necessário escová-lo, principalmente devido ao fenômeno da eletricidade estática. Este fenômeno resulta da acumulação de cargas elétricas que podem se manifestar em qualquer material, inclusive cabelos. E ocorre por alguns minutos principalmente via o processo de atrito.
Quem costuma usar gorros de lã durante o frio costuma perceber que o cabelo fica em geral rebelde, com pontas desalinhadas ao retirá-lo. Isto é efeito do atrito entre a lã do gorro e os fios de cabelo, e que se torna mais notável durante um período seco.
Na natureza, toda matéria é feita de átomos, que normalmente são neutros, mas contem partículas positivas, como os prótons em seus núcleos, e negativas como os elétrons, girando ao redor. Esta neutralidade pode ser desbalanceada por meio do atrito. Por exemplo, ao se pentear o cabelo com um pente fino, este pode ficar eletrificado, e atrair pequenos pedaços de papel. No entanto, isto somente ocorre quando o cabelo está seco – pois, se estiver hidratado, não deve funcionar. Algo similar ocorre ao se tomar um balão destes de festa cheio de ar. Ao esfregá-lo numa roupa de lã, ou ainda feltro, e aproximar de qualquer cabelo, este irá interagir com os fios.
O primeiro livro a tratar do fenômeno da eletricidade foi escrito pelo médico inglês William Gilbert (1544 - 1603). Escrito em seis partes e publicado em 1600, chama-se “De Magnete, Magneticisque Corporibus, et de Magno Magnete Tellure” (“Sobre Imãs, Corpos Magnéticos e o Grande Imã Terrestre”). O termo elétrico foi criado justamente por Gilbert e provem de elektron, o nome grego para âmbar, uma resina de árvores fossilizadas muito utilizada para eletrificar objetos por atrito. Na Grécia antiga as pessoas ficavam intrigadas quando esfregavam o âmbar com tecidos como a lã, desenvolvendo neste um estranho poder de atração de pedacinhos de papel.
O uso da touca de cetim serve para diminuir o atrito entre os fios de cabelo durante o sono pois, ao dormir, os seres humanos em geral se movem, incluindo a cabeça no travesseiro. Dito de outra forma, o atrito dos fios de cabelo devido ao movimento ao dormir eletrifica os fios, ainda que eventualmente por pouco tempo. Se a pessoa tem cabelos longos, o processo de eletrificação em geral é maior ao promover maiores trocas de cargas. O desalinho dos cabelos surge porque objetos com cargas iguais repelem-se, enquanto os de cargas opostas atraem-se. Por estarem eletrificados com mesmas cargas, os fios tendem a se afastar uns dos outros, literalmente ficando de pé.
No final, todo cabelo eletrificado comporta-se do mesmo jeito, sejam estes crespos, ondulados, lisos, cacheados, com ou sem tranças, curtos ou longos, claros ou escuros. E mesmo que seja duro e pixaim, são belos e representativos, tal como na canção chicleteira de Washington “Bell” Marques da Silva (n. 1952) e seu irmão Waldemar “Wadinho” Marques da Silva (c. 1951), sucesso do carnaval baiano de 1997.