O observatório internacional Cherenkov Telescope Array (CTA) deverá gerar informações precisas sobre os eventos mais extremos que ocorrem no Universo, como explosões de supernovas, em núcleos de galáxias e colisão de buracos negros.
Para isso, o projeto prevê a construção e a instalação de aproximadamente 100 telescópios – pelo menos 95 a mais do que o mais moderno observatório em operação.
Alguns deles tem partes fundamentais sendo construídas por cientistas brasileiros, com tecnologia patenteada por institutos de pesquisa e indústria nacionais.
Além da execução, a presidência da assembleia científica do CTA também é brasileira, tendo o professor Luiz Vitor de Souza Filho, do Instituto de Física da USP em São Carlos, à frente do consórcio internacional pelos próximos dois anos.
A liderança do país no maior observatório de raios gama do mundo é um reconhecimento à trajetória da ciência brasileira na Astrofísica de Partículas; em especial, ao legado de César Lattes, herói nacional que abriu caminhos para a física experimental no Brasil e em países vizinhos.
“Eu sempre soube que haveria um interesse dos cientistas, porque é uma área em que o Brasil tem tradição. A comunidade internacional hoje enxerga a contribuição brasileira e a nossa contribuição no experimento, caso contrário eu não teria sido eleito. Então, vejo como uma grande honra e uma tremenda responsabilidade”, afirma Vitor de Souza sobre a escolha como representante dos membros do consórcio, que também conta com uma assembleia financeira independente.
O Brasil contribui financiando o projeto por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnolo?gico (CNPq), Fundac?a?o de Amparo a? Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Fundac?a?o de Amparo a? Pesquisa do Estado de Sa?o Paulo (Fapesp), Fundação de Apoio à Ciência, Tecnologia e Inovação do Paraná – Fundação Araucária, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), e Instituto Serrapilheira.
O custo estimado do observatório é de 350 milhões de euros (quase R$ 2 bilhões).
Uma generosa fatia deste orçamento vem da Fapesp, que recentemente aprovou um projeto temático no valor de R$ 10 milhões, para viabilizar a participação dos pesquisadores na construção, análise de dados e produção de resultados científicos revolucionários em Física e Astrofísica.
Fronteira do Conhecimento
Desde 2013, quando foi anunciada sua implementação, o CTA adiou a previsão para o início da coleta de dados pelo menos duas vezes. Mesmo assim, o projeto avançou.
A nova data para a conclusão da instalação dos cem equipamentos é em 2025, mas “a partir do 6º telescópio instalado, o CTA já será o melhor observatório em funcionamento”, lembra Souza. “O HESS [High Energy Stereoscopic System], dispõe de uma tecnologia um pouco antiga, nessa mesma área de pesquisa, com 5 telescópios em funcionamento”, completa.
A construção do observatório será um quebra-cabeças em escala mundial, com o Brasil assumindo a largada nas três classes de telescópios projetadas para cobrir uma faixa de energia de fótons de 20 gigaelétron-volt (GeV) até 300 teraelétron-volt (TeV). Em um primeiro momento, serão 37 telescópios de pequeno porte (SST), 23 de médio porte (MST) e quatro de grande porte (LST). “O grupo que eu coordeno contribui com o desenvolvimento, construção e testes do MST.
Em uma das fotos do telescópio, você vê uma estrutura cinza. Essa é a estrutura que desenvolvemos e construímos no Brasil”, conta o presidente do conselho científico do CTA.
Ele explica a atuação de outros dois grupos de pesquisadores brasileiros: um, coordenado pela Profª. Elisabete Dal Pino, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, que vem contribuindo com o telescópio SST, e outro, coordenado pelo Prof. Ulisses Barres de Almeida, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, que trabalha com o LST.
“A gente faz uma parte do telescópio, mas outros engenheiros e cientistas de outros países fazem outras partes e tudo tem que encaixar”, lembra Souza. Para ele, um dos aspectos mais fascinantes de sua área de pesquisa é a possibilidade de integração multidisciplinar, que atua na fronteira do desconhecido.
“A astrofísica de partículas é uma área muito democrática, muito aberta para várias contribuições. Isso, na ciência, é fundamental. Mas, como ela é uma área que necessita de alta tecnologia para funcionar, porque os observatórios são muito sofisticados, sempre procurando o limite da nossa tecnologia, ela também é uma área que permite inovação”.
Inovação que gerou um pedido de patente pela criação de um braço mecânico de um dos telescópios de porte médio do CTA. A estrutura metálica sustenta uma câmera de mais de 2 toneladas e foi desenvolvida em parceria com a Orbital Engenharia de São José dos Campos, empresa do interior paulista.
O protótipo obedeceu a protocolos internacionais de produção e foi instalado para testes em uma área do IRIS Adlershof, instituto de pesquisa ligado à Universidade Humboldt de Berlim.
No total, participam do empreendimento 25 países, com cerca de 1.500 pesquisadores de 150 centros de pesquisa. Só no Brasil, mais de 30 cientistas representam 11 institutos. O CTA também definiu os locais de instalação dos 100 telescópios que pretendem desvendar os mistérios do Universo extremo: Ilhas Canárias, na Espanha, para observações do céu no hemisfério norte e Deserto do Atacama, no Chile, para as observações no hemisfério sul.
“Existem duas condições fundamentais para escolher o lugar onde vai ser o sítio: primeiro, tem que ser numa certa latitude do globo terrestre; não pode ser nem muito perto do Equador, nem muito perto dos polos. Segundo, você precisa ter um céu limpo! Céu sem nuvens, sem poluição; nem química, nem luz. Então, o melhor lugar do mundo hoje, para se fazer isso, é o Chile. O Chile é o melhor céu do mundo”, diz Souza.
Diferentemente do sítio do hemisfério norte, as instalações do Chile deverão receber os três tipos diferentes de telescópio com a instalação dos telescópios LST já na primeira ampliação.
Enquanto esperam
Considerado uma evolução das experiências anteriores em observação de raios gama, o CTA será dez vez mais sensível e preciso do que os atuais HESS, VERITAS (Very Energetic Radiation Imaging Telescope Array System) e MAGIC (Florian Goebel Telescopes). A estrutura é composta por espelhos, câmeras e tubos fotomultiplicadores que converterão até os mais fracos flashes de luz Cherenkov em sinais elétricos digitalizados e transmitidos.
Todo o esforço é para garantir a identificação de mais de mil novos objetos de maior energia, por meio das partículas subatômicas que os raios gama produzem ao entrarem em contato com a atmosfera da Terra. Caindo em forma de cascata, nem todas essas partículas, conhecidas como “chuveiros atmosféricos”, chegam a atingir a superfície da Terra.
Mas, de acordo com informações da colaboração internacional, os grandes espelhos do CTA e suas câmeras de ultravelocidade poderão coletar, gravar o flash de luz de nanossegundos e rastrear a origem cósmica do raio gama detectado.
“E depois tem um processo de análise dos dados”, lembra Souza. “O que a gente faz é elaborar técnicas de análises, construir os nossos programas e, quando é possível, utilizar os dados dos observatórios que estão em funcionamento, agora”, explica. Segundo o pesquisador, o período é propício para treinamento, “para quando os dados estiverem prontos, a gente poder assumir alguma liderança”. Além das publicações científicas individuais, a colaboração gerou o livro Science with the Cherenkov Telescope Array, disponível em inglês neste link.
Colaborando há pelo menos 25 anos em experimentos astronômicos, Vitor Souza lembra que a imagem da ciência brasileira em sua área de atuação já passou por altos e baixos. “Em 2010, a imagem era a do Brasil que ia decolar; autossuficiente em petróleo e confiavam que teríamos recursos para participar”, conta.
O novo presidente da assembleia acredita que esse tipo de experimento de grande proporção deveria integrar a política internacional do país. “É onde você tem acesso aos grandes resultados científicos, é o momento em que se pode envolver a indústria nacional em grande projetos e o que dá visibilidade para o país, lá fora”, conclui.